Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

lunedì 13 dicembre 2010

O que era da Amazônia, o que será do Natal...

A gente vive numa das muitas “áreas de sacrifício” do dito desenvolvimento. Trata-se de dobraduras escondidas, onde o progresso acumula seus impactos menos elegantes...
Podem ser lixões, favelas que explodem por conta do êxodo rural em massa, bairros poluídos encostados nas usinas, onde máquinas e pessoas competem pelo acesso à água e ao ar...

Sabemos e sentimos que é esse o lugar dos missionários, enviados no meio dos pobres para fazer experiência e dar eco às contradições da história. Deus nasce menino, às periferias do Império romano, e renasce pequeno às margens desse ‘des-envolvimento’ desenfreado.
Deus pequeno, isto é, preocupado para com os ritmos lentos e resistentes de nossa gente: as famílias camponesas, as mulheres que coletam e trabalham os frutos da floresta, os pequenos produtores que a cada dia vendem suas mercadorias... esses são os pastores de hoje, aos quais é dada a boa-nova: uma criança nasceu PARA VOCÊS!

A igreja no Brasil, apesar de muitos limites, compreendeu o segredo do Natal que a cada ano se repete. Por isso, não põe o acento somente num nascimento especial, mas pela CF que está por vir aponta a todo o processo de criação que Deus colocou em nossas mãos e que Jesus nos desafia a renovar.

Enquanto o ‘des-envolvimento’ corre sem freios pelas linhas verticais da extração e exportação de recursos, a vida continua em círculos concêntricos e redes horizontais de relações, garantidas pelas comunidades em seus territórios e individualidades.
Celebrar o Natal, assim, significa acreditar teimosamente que Deus nasce onde ninguém sabe, longe dos holofotes e grandes projetos, nas comunidades ameaçadas pela concentração de terra, nas cooperativas que tentam reinventar a pequena produção, nas escolas-famílias agrícolas, nas festas populares de bairro ou na celebração anual da colheita.

A nova criação já começou, precisamos defendê-la e espalhar suas sementes em todos os campos. Nunca como hoje se faz necessário renascer do alto... para o baixo.

mercoledì 24 novembre 2010

A crise siderúrgica: fato ou boato?

É fato a demissão de 400 pais de família pelas siderúrgicas da Queiróz-Galvão em Açailândia. É fato o fechamento de 8 dos 15 fornos dessas e outras gusarias. É fato o desemprego para cerca de 5.000 pessoas no ciclo de produção do carvão vegetal na região tocantina.

A deputada Helena Heluy, em audiência pública dia 23 de novembro na Assembléia Legislativa do Maranhão, disse que essa é uma questão de direitos humanos, trabalhistas e ambientais.

Com a presença de cinqüenta delegados de Açailândia, reuniram-se em debate autoridades políticas, sindicatos dos trabalhadores e patronais, entidades e movimentos de base.
Apareceram, assim, também os boatos: mais do que falência das empresas, trata-se de uma suspensão das operações devido a pouca margem de lucro. No momento em que não convém mais produzir, é fácil para a maior parte das gusarias demitir ou reduzir a jornada de trabalho, diminuindo contemporaneamente o número de pessoas para cada turno: confirma-se a política de ‘sugar’ os trabalhadores até que sirvam, para abandoná-los quando for mais conveniente.

A Vale, grande responsável dos impactos do ciclo de mineração e siderurgia também pelo que se refere aos conflitos trabalhistas, nem apareceu à audiência pública, confirmando seu costume de se dizer aberta ao diálogo com as comunidades, mas se ausentar nas horas mais importantes. “Audiências como essa deveriam ter um mandato obrigatório de comparecimento”, desabafou o presidente do sindicato dos metalúrgicos de Açailândia.

Outro grande ausente, fortemente criticado ao longo da audiência toda, foi o prefeito de Açailândia. O sindicato dos metalúrgicos da cidade conseguiu ao longo dos últimos meses conversar com o Presidente do Senado, a Governadora do Estado, membros da Assembléia Legislativa do Maranhão e Secretários de Governo, mas nunca (apesar de quatro ofícios enviados) com o prefeito de seu próprio Município!

Para enfrentar a política econômica das empresas e corrigi-la conforme o direito à vida do povo, é essencial o papel da política de governo federal, estadual e municipal. Preocupou-nos, nesse sentido, o vazio dos discursos dos secretários de Estado durante a sessão, bem como a ausência do deputado federal açailandense recém eleito.

A audiência reconheceu que Açailândia é símbolo do que está acontecendo no Maranhão todo: ao longo de trinta anos de investimentos em grandes projetos, favoreceu-se a concentração de renda, aumentou o PIB per capita, mas a distribuição de renda foi péssima e não garantiu a dignidade do povo maranhense. “O grande desafio não é amenizar mais uma crise, aguardando a próxima: temos nas mãos a possibilidade de reinventar o modelo de vida e sustentação do Maranhão”, comentou o advogado Guilherme Zagallo.

Há sem dúvidas alguns avanços, como o esforço de verticalização da produção, do ferro até o aço, pela siderúrgica Gusa Nordeste. O presidente do sindicato patronal apontou a essa aciaria e ao comércio de gusa com a China como solução para todos os problemas do desemprego local, garantindo que daqui em diante não haverá mais nenhuma pessoa despedida.

Mas esses avanços e garantias (mesmo assim duvidosas, ao dizer do sindicato dos metalúrgicos) não apagam o passivo sócio-ambiental da Vale e das siderúrgicas na região: os movimentos sociais apontaram mais uma vez às responsabilidades por desmatamento e poluição.

O caso de Piquiá de Baixo, bairro pré-existente às gusarias e agora cercado pelos empreendimentos altamente poluentes, foi também destaque da audiência pública. Repetidas vezes foi reconhecido que é uma vergonha deixar ainda 350 famílias nessas condições de precariedade. Urge o reassentamento de Piquiá de Baixo, área de sacrifício do povo no altar do desenvolvimento sem controle.

Como justificar, de um lado, subsídios de dinheiro público tão pesados na construção da aciaria e, do outro lado, a lentidão do poder executivo e das empresas em garantir o direito à vida da comunidade de Piquiá de Baixo?

A audiência pública levantou perguntas e discussões ao longo de cinco intensas horas de debate. Entre os muitos encaminhamentos, destacamos a urgência de soluções de curto prazo através de uma pactuação convocada pelo sindicato dos metalúrgicos com todas as partes envolvidas.

Em longo prazo, torna-se necessária a reflexão e articulação política a respeito de um Fundo de Desenvolvimento e Amparo aos Trabalhadores. Constituído por contribuições obrigatórias, proporcionais aos lucros da Vale e das siderúrgicas, relançaria novos investimentos que garantam a pluralidade das vocações produtivas de Açailândia e do Maranhão (pequena empresa, agricultura familiar, incentivos ao reflorestamento, capacitação profissional, etc.)

São Luís, 23 de novembro 2010
Notas e reflexões sobre a Audiência Pública “Açailândia pode parar”, por pe. Dário Bossi – Paróquia São João Batista, Açailândia (haverá um relato completo e oficial da audiência, emitido pela própria Assembleia Legislativa)

venerdì 29 ottobre 2010

Vale morrer?

Outubro de 2010. A Vale celebra um lucro histórico: mais de 10 bilhões somente num trimestre.
Nos mesmos dias, morre debaixo das rodas do trem da Vale mais um homem.
Com os seus 74 anos, Joaquim Madeira viu seu filho morrer atropelado pelos vagões carregados de minério e recebeu a mesma condenação, oito anos depois.

Corre, o trem da Vale, sem conhecer obstáculos e sem dar-se conta das vítimas que provoca.
A revolta do povo é grande e em vários casos se faz ação: os moradores do assentamento Palmares, em Parauapebas, gritam contra a morte do companheiro Joaquim e bloqueiam a ferrovia.

Já tinha acontecido em 2007, aproximadamente por um mês: a ferrovia bloqueada deu um prejuízo grande para a empresa, se calculamos que o valor bruto do ferro transportado a cada dia corresponde pelo menos a 20 milhões de reais!
Há perdas e perdas, mas o que não pode acontecer é a interrupção do mercado do ferro, especialmente agora que a Vale aumentou de 253% sua produção.

Outros gritos denunciam: as minas estão estragando nossos povoados (os moradores de Parauapebas bloquearam nesse mês de outubro a estrada de acesso ao projeto de mineração Salobo); a duplicação dos trilhos está devastando Áreas de Preservação Permanente (o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública a respeito); nossas crianças devem passar debaixo do trem que pára na cidade, para ir até a escola (o padre Denys de Alto Alegre do Pindaré pede com urgência mais uma passarela acima dos trilhos).

A campanha Justiça nos Trilhos apresentou em março de 2010 uma representação contra a gigante da mineração a respeito dos atropelamentos de pessoas ao longo da linha de ferro: “a cada mês uma pessoa, em média, morra atropelada pelos trens operados pela Vale”.

Apesar disso e de muitos outros impactos, a empresa pretende duplicar até 2015 o sistema inteiro (mina, ferrovia e porto): até hoje correm nos trilhos durante um ano 100 milhões de toneladas de minério, a meta nesses poucos anos é chegar a 230 milhões.

Vale a pena morrer ou sofrer em nome do progresso? Quantos atropelamentos, de todos os tipos, deveremos ainda aceitar, antes de exigir um limite a essa fome de ferro e dinheiro?!

venerdì 15 ottobre 2010

A oração e a justiça

Algumas regiões de nosso nordeste ainda são consideradas “o faroeste das fronteiras da lei”. Ainda há promotores de justiça ausentes das comarcas ou distantes da vida do povo, juízes sobrecarregados de trabalho e em vários casos comprometidos com o poder econômico e político, impunidade e medo pela violência e corrupção da própria polícia.

A Palavra de Deus que nesse domingo vai ressoar em nossas comunidades (Lc 18,1-8) é um retrato dessa história. Por que a justiça demora a acontecer? Por que Deus permite que os mais expertos e arrogantes continuem pisando em cima dos pequenos?!
Com muita probabilidade, são as mesmas perguntas que o próprio Jesus se fazia, nas últimas etapas de sua vida, já pressentindo a condenação à morte.

Jesus, então, responde a si mesmo e a todos nós quando estivermos atormentados por essa pergunta: “Quando será que Deus vai fazer justiça? Estamos errando alguma coisa? Onde?”

A resposta tem a ver com a oração: parece esconder-se ali o segredo da resistência, da esperança (fruto da raiz do verbo “esperar”).

O conto da viúva e do juiz iníquo chega à conclusão de que os amados por Deus clamam dia e noite por justiça... e o Pai os escuta.

Portanto, a primeira indicação sobre a oração que dá esperança é aprender de Deus: prestarmos ouvido ao clamor dos pequenos. No meio de muitos barulhos que distraem nossa tensão e desanimam nossa busca, a sugestão é afinarmos os ouvidos parta escutar o que Deus escuta. Quem reza presta atenção à vida dos outros... e somente isso já anima e alimenta a luta, pois abre os horizontes da pessoa orante aos desejos e expectativas de vida de muita gente.

Em segundo lugar, oração é insistência, teimosia, obstinação. Lutar para que justiça aconteça. Às vezes, parece de estar lutando até contra Deus, tão enraizada está a injustiça no destino e no pensamento resignado ou cínico das pessoas!

Como um pobre, saindo a cada dia de casa, estica as mãos da esmola sem vergonha nem medida, impelido pela fome ou pela necessidade de alimentar sua família, assim também deveria ser nossa fome de justiça. E essa tensão, esse desejo insatisfeito que nos acorda a cada dia, também é oração.

sabato 2 ottobre 2010

Erros e acertos no corredor de Carajás

Nossas casas estão construídas numa área onde o progresso está querendo chegar com tudo. Erramos, desculpem, não queríamos tirar espaço às empresas. Digam-nos quando é que precisam de nossa terra e a gente vá embora...
A ferrovia do desenvolvimento atravessa nossos povoados escoando minério para vender no exterior e fazer crescer nosso Brasil. Às vezes a gente atravessa os trilhos e alguém de nós fica sendo atropelado pelo trem. Erramos, desculpem, não queríamos atrasar os negócios.
De vez em quando, alguém de nós pergunta-se se é justo que o lucro fique acima da vida e da dignidade. Erramos, desculpem, não queríamos dar a impressão de um discurso anticapitalista: afinal precisamos de trabalho, a qualquer condição.

Muita gente chama à atenção por causa desses nossos erros. Chegamos ao limite de pensar que nós mesmos somos errados e que nossa maior falha, afinal, seja existir.

Na verdade, conversando entre nós, damo-nos conta de que alguns erros a gente tem feito sim: levantamos a voz tarde demais, mas ainda há tempo de fazer valer nossas razões. Às vezes na luta cansamos, pois os resultados demoram, mas ainda há garra. Custamos a unir nossas resistências ao longo dos trilhos do desenvolvimento, mas a rede está se fortalecendo.

Os primeiros acertos começam a aparecer: no Piquiá de Baixo (MA), após anos de protesto silenciado, nossas trezentos famílias estão reunindo empresas, instituições, mídia e administração pública para negociar um tratamento digno às vítimas do progresso e da poluição.
Em Ourilândia (PA) a pauta de negociação entre movimentos sociais, Vale e INCRA avançou muito, criando precedentes interessantes para defender os direitos dos assentados, garantir indenizações dignas e condições para recomeçar a vida, apesar dos impactos das empresas.

Podemos errar, mas nunca somos errados, quando clamamos que esse bendito desenvolvimento (na boca de todos agora que precisam de votos) não atropele nossas vidas!

sabato 4 settembre 2010

Pobre Açailândia Rica: quem quiser que Veja!

Mais de 18 mil reais é a renda per capita de nossa cidade. Estamos entre as 23 cidades médias do Brasil que uma famosa revista nacional destacou como campeãs de crescimento econômico.
Senhores e senhoras, venham a Açailândia, profundo interior do Maranhão! O futuro, dizem, passa por aqui.
É verdade, temos um histórico “predatório”, de “desmatamento e contrabando, cinza e poeirão”, como lembra a revista.
Mas as empresas siderúrgicas, ressalta a reportagem, trouxeram desenvolvimento e riqueza.

Se isso é verdade ou não, tudo vai depender do ponto de vista. Para todo artigo que recomenda, há sempre alguém que encomenda: o lucro, sabe-se bem, vem através da propaganda.
Vamos pelo menos tentar mostrar outros lados da mesma cidade: nesse Maranhão de migrantes, trabalho instável e mutação contínua, dominado por uma das oligarquias mais longevas do país, não queremos que ninguém se surpreenda chegando e encontrando algo distinto daquilo que foi dito...

É com orgulho que falamos de nossa cidade e de suas lutas para afirmar a justiça, defender a vida, proteger o meio ambiente.
Há em nossa cidade sonhadores e construtores de paz. Mas a economia e os governantes locais, em sua grande maioria, ainda não estão entre eles.
É só olhar aquilo que está acontecendo nessas semanas: o sindicato dos metalúrgicos levantando o protesto contra demissões de massa (centenas de pessoas cortadas do emprego siderúrgico e da cadeia de produção de carvão).

A ONG Justiça Global pesquisando a respeito das consequências dos empreendimentos industriais sem filtros, sobre a saúde das comunidades.
A Federação Internacional dos Direitos Humanos visitando Açailândia para verificar “o potencial impacto contra os direitos humanos causados pela mineração no estado do Maranhão”.
A Defensoria Pública que finalmente se instala na cidade, recebendo desde o primeiro dia denúncias a respeito de elevados índices de mortalidade infantil, desrespeito aos doentes na fila dia e noite para um crachá de consulta, condições de moradia precárias e perigosas.
O bem público da água sendo privatizado, através de uma companhia ‘nepotizada’ pelo prefeito e que lucra injustamente em cima dos pobres.
O esgoto dos ricos e dos pobres correndo e se misturando pelas ruas da cidade, a céu aberto.

Essa também é uma face de Açailândia. "Centro urbano com elevada desigualdade e pobreza", pelas categorias do Ministério das Cidades (2009).
Não é justo, por interesse de poucos, esconder parte da verdade. A pergunta que ressoa há décadas na boca do povo é sempre a mesma: “Progresso para quê e para quem?”

Dia 14 de setembro em Açailândia uma importante audiência pública começará a buscar respostas, tratando do deslocamento do povoado de Piquiá e Baixo, do direito das pessoas viverem longe da poluição, do dever das empresas garantirem trabalho, saúde, dignidade.
No mesmo dia os movimentos sociais estarão também na Assembléia Legislativa do Maranhão, clamando por direitos trabalhistas, defesa dos demitidos e desempregados, garantias de longo prazo para quem “se ficha” na cadeia minero-siderúrgica.

Essa é a Açailândia em que acreditamos.
Desenvolvimento e empreendimentos? Sim, mas com respeito ao povo e ao meio ambiente!
Crescimento e progresso? Sim, mas de todos e para todos, com acesso a saúde, educação e moradia dignas de uma cidade que queira ser destaque nacional!

venerdì 27 agosto 2010

Os saberes e sabores da Bíblia

Tenho amigos monges, na Itália, que levantam todo dia às quatro da madrugada para estudarem a Bíblia de forma partilhada.
Lêem o livro sagrado palavra por palavra, do princípio ao fim, ao longo de alguns anos de vida.
Depois começam de novo, garimpando cada vez mais fundo na arqueologia dos textos, na sinfonia das referências, na análise histórica e cultural das fontes.

Com eles aprendi a reverência à Palavra sagrada, descobri que nada sei e percebi um pouco apenas quanta humildade é preciso para se aproximar ao mistério de Deus.
Maravilharam-me pelo cuidado extremo em volta de um simples versículo ou de uma passagem que eu simplesmente descartaria por considerar ultrapassada.

Entrando em ponta de pés nas histórias do povo de Deus, encontram-se palhas de ouro escondidas, surpreendentes em sua singeleza. Uma após a outra se entrelaçam apontando todas para o coração da mensagem revelada: a gratuidade do dom da vida, que não podemos interromper.

Agora estou aqui no Brasil, no meio de correrias mil, na luta pela sobrevivência e dignidade do povo. Deito às altas horas e levanto no escuro: desse lado do mundo, as palhas de ouro que procuro com os irmãos de comunidade são caminhos de esperança contra a violência sócio-ambiental.
Abrindo a Bíblia, pergunto-me como ela pode tirar minha e nossa sede de sentido.
Parece-me que o caminho seja ao inverso: o garimpo dessa vez está nos fatos de cada dia, na escuta reverencial dos acontecimentos, das palavras das pessoas.
Nisso esconde-se uma “voz de fino silêncio” (1 Rs 19,11), voz de Deus que revela traços novos do seu rosto.

Se essa escuta da vida souber respeitar o sagrado cotidiano do povo, então a Palavra de Deus que logo depois me esforço de ler e entender de repente se ilumina, ressoa de referências e toca no coração de cada um de nós que luta.
A Palavra me fala de irmãos que há tempo sonharam o meu mesmo sonho, de um homem que ainda caminha no meio de nós, de um Pai que protege, enxerga mais longe, insere nossas labutas no tecido de uma história maior, ainda a descobrirmos e desenharmos com Ele.

Nesse mês de setembro, não importa qual seja seu ponto de vista: aceite o desafio de garimpar na busca de Deus, dos saberes da Bíblia e dos sabores da vida.

venerdì 13 agosto 2010

Maria e as mulheres à frente da igreja


“Se somos todos um em Cristo e não há diferença entre homem e mulher, por que o poder da Ordem só pode ser conferido aos homens?”
“A condução de comunidades por mulheres é um dado bíblico”
No dia da Assunção de Nossa Senhora, vale a pena fazer ressoar mais uma vez as palavras de sábios homens da igreja que sentem a necessidade de levantar perguntas: dom Clemente Isnard, dom Carlo M. Martini, card. Lorscheider.
Maria, mãe de Jesus e símbolo de todas as mulheres de fé, “por um privilégio inteiramente singular (...) não foi sujeita à lei de permanecer na corrupção do sepulcro”.
Peçamos a ela que ajude nossa igreja a repensar o privilegio singular dos homens receberem o sacramento da ordem e representarem oficialmente a igreja (que até em seu nome é feminina!).

O evangelho que acompanha a festa da Assunção de Maria tem pouco a ver com o céu e nos mostra uma mulher com os pés bem fincados no chão da missão, da solidariedade aos idosos, do cuidado para com a maternidade e a vida dos pobres.

Quem quiser ser “do tamanho do céu” deve pisar firme no chão do povo!
Maria dirigiu-se apressadamente a visitar Isabel. dona Zuza, por amor a uma companheira doente moradora do barraco em frente à casa dela, foi doze vezes na Secretaria de Saúde reivindicando o direito à ambulância para hemodiálise!

As crianças pularam de alegria ao se encontrarem no ventre de Isabel e Maria. Dona Célia tem uma casa simples, de dois quartos e uma lojinha, com o marido, uma filha e um menino adotivo. Quando, por uma tragédia, a cunhada dela e o marido morreram juntos, não teve medo de receber também os quatro órfãos em casa e cuidar deles.

Maria, rainha das mulheres e mãe do Filho de Deus, foi e voltou escondida e sozinha a uma cidade da Judéia. Elisângela e Dirce, lideranças comunitárias, trabalham sem barulho em prol do povo, na catequese, na liturgia, na visita às mães da Pastoral da Criança, nas celebrações da Palavra.

Todas essas pegadas no chão dos pobres abrem o caminho para o céu, que simplesmente é a confirmação definitiva de Deus: amar vale a pena; quem quiser ficar próximo de Maria, mãe da fé, procure acompanhar essas outras mulheres nos passos do serviço aos pequenos e à comunidade.
E um dia, se os homens quiserem, elas também serão pastores do povo de Deus.

mercoledì 4 agosto 2010

Perfume de ressurreição

Se você fosse visitar Açailândia (MA) algumas semanas atrás, iria lhe acompanhar até lá na Vila Maranhão, numa casa cheia de crianças, ao redor de um pequeno corpo sem vida.
Poucas semanas atrás, minha cidade chorava por mais um caso de negligência médica que levou a óbito a nenê Alice.

Mas se você viesse hoje, te levaria numa casa cheia de gente reivindicando seus direitos.
José e Aline, pais da pequena Alice, estavam lá, ainda muito emocionados, mas com vontade de falar, gritar sua raiva, exigir respeito e justiça para com todas as vítimas!

Casa de lei, a Câmara Municipal hospedou hoje a audiência de instalação da Defensoria Pública. E a palavra foi para quem há muito tempo ficou em silêncio.
Ivone falou de sua casa à beira do buraco e da família de amigos e vizinhos seus, que amanheceram um dia sem teto e tiveram que abandonar Açailândia.
Elisângela lamentou a humilhação que sofrem os doentes que precisam de exames médicos: noites inteiras de vigília, na rua em fila um atrás do outro esperando conseguir uma das quinze fichas mensais distribuídas na manhã seguinte.
Albino, no meio de tudo isso, fez questão de falar em nome do grupo “Rede de Cidadania”, cujo compromisso é exatamente a participação e o controle social.

Por uma vez, naquela Casa de Leis, a fala dessas pessoas pautou a agenda das autoridades.
Na total ausência de vereadores ou do poder executivo, a defensoria ficou escutando e assumiu um compromisso solene: servir ao povo a partir daquilo que ele pede e necessita.
As entidades e movimentos da sociedade civil estavam presentes, celebrando uma vitória e lamentando sua demora, depois de dez anos de luta batendo na tecla da garantia dos direitos dos pequenos. Com certeza irão acompanhar e monitorar a realização do que hoje ficou prometido.

Como igreja católica sentimos, nesses momentos, perfume de ressurreição.
A morte chega violenta e improvisa, faz barulho e ocupa as primeiras páginas dos jornais. Mas quando os pequenos se organizam, têm a coragem de se expor publicamente, solidarizam um com o outro e pautam a agenda política de uma cidade... isso, sim, é vida que ressuscita!

Deus dança no meio desse povo, de mãos dadas com a pequena Alice e com todas as vítimas: a negligência e a hipocrisia podem matar, mas a fé e a resistência da gente não morre não. Seguimos, portanto, espalhando sementes de ressurreição!

sabato 31 luglio 2010

Lucro de poucos e pesadelo de muitos

Carta aberta da Paróquia São João Batista sobre a crise siderúrgica em Açailândia

Mais uma vez o pesadelo das demissões em massa invade a cidade de Açailândia.
Em 2008, sob o pretexto da crise econômica global, as empresas siderúrgicas locais despediram centenas de trabalhadores.
Naquela época, o Sindicato dos Metalúrgicos denunciou que, apesar disso, os que detinham altos cargos de administração continuavam recebendo salários pelo menos dez vezes maiores que os dos poucos trabalhadores ainda em serviço.

A Paróquia São João criticava a forte dependência econômica açailandense dos interesses das siderúrgicas e da Vale:

«O crescimento econômico desordenado e sem planejamento de Açailândia deve-se a políticas irresponsáveis de financiamentos para grandes empreendimentos e proprietários, além da “economia do saque” que ao longo dos anos sugou os recursos locais gerando poucas oportunidades e favorecendo uma minoria que só tem acumulado (veja-se o ciclo das madeireiras, das serrarias, da pecuária, das mineradoras, das guseiras)».

De 2008 até hoje os empreendedores ficaram esperando o milagre da retomada do mercado.
Mas o mercado tem regras cruéis, que a mineradora Vale nunca deixará de aplicar.
A Vale não tem interesse em respeitar e promover os direitos do povo e do meio ambiente. Nos últimos seis meses, aumentou em 171% o preço do minério de ferro e já está lucrando muito dinheiro com as vendas para China.
Por isso as empresas siderúrgicas estão agora reduzindo cada vez mais as suas atividades.
Centenas de famílias estão sendo prejudicadas pela violência dessas demissões.

Frente a essa situação, a Paróquia São João Batista, em nome do Evangelho e do povo, denuncia:

- as siderúrgicas e a Vale sugam energias e recursos de trabalhadores e do meio ambiente enquanto tudo isso dê dinheiro. Quando, porém, os níveis do lucro começam a minguar, tudo é abandonado a seu próprio destino.

- a Vale controla e estrangula as economias de nossas regiões com um monopólio irresponsável

- as siderúrgicas eximem-se de suas responsabilidades, querendo aparecer como vítimas da Vale, quando por décadas lucraram às custas dos trabalhadores e do meio ambiente (em muitos casos sem investir em tecnologia, profissionalização e diminuição do impacto ambiental)

- os poderes executivo e legislativo locais nada fizeram para evitar esse jogo de demitir e recontratar trabalhadores conforme os interesses imediatos das empresas. A resposta da política não pode ser mais uma vez a concessão de verbas públicas (dinheiro nosso!) para “salvar” o funcionamento das empresas. O povo não deve pagar essa conta! Suas prioridades são outras: saúde, moradia, educação...

e propõe:

- uma negociação imediata entre a Vale, as guseiras, o poder público, o setor sindical e outros representantes da sociedade civil visando a garantia de emprego em nossa cidade

- a reconstituição do Fundo de Desenvolvimento regional, a partir de uma parcela fixa do lucro anual da Vale, que poderá ser usado para manter o equilíbrio em tempos de crise

- um plano de desenvolvimento participativo que preveja geração de renda diversificada e políticas de apoio à pequena empresa e à agricultura familiar, proteção e recuperação ambiental, respeito aos trabalhadores e às vítimas da poluição

- uma auditoria qualificada por parte do Ministério Público e do Trabalho nos balanços comerciais de todas aquelas siderúrgicas que estão fechando ou querendo fechar, para averiguar a veracidade de quanto vêm afirmando para embasar suas políticas de demissão sumária

Vamos transformar o pesadelo em sonho, para uma cidade mais justa, limpa e sustentável, cheia de oportunidades para todos!

venerdì 16 luglio 2010

Marta e Maria, para uma igreja mais mulher!

Temos na cabeça que os discípulos de Jesus eram todos homens. E eram doze.
Na verdade, muitos sabem que se trata de um número simbólico, representando as doze tribos de Israel. A mensagem nesse caso é: “Jesus veio para liderar o povo inteiro rumo a uma nova terra prometida, onde haja paz na justiça”. Daí a escolha de doze homens, porque na época a liderança e a autoridade sobre muitos era reconhecida somente aos homens.
Mas, ao ler com atenção, descobrimos que no Evangelho os encontros mais profundos e verdadeiros de Jesus são com mulheres. Admiramos a quantidade de mulheres com que Cristo dialoga, partilha, até aprende e fortalece sua fé!
A visita de Jesus na casa de Marta e Maria é um exemplo desses encontros: aquela casa, pequena igreja doméstica, é também profecia de uma “igreja mais mulher”, de uma sociedade do rosto feminino. De fato, mas ainda não de direito, a sociedade e a igreja são regidas por mulheres.
Quanto ainda podem crescer as instituições e pequenas comunidades se valorizarmos oficialmente a riqueza da contribuição da mulher! Ela carrega em si esse dúplice dom, bem simbolizado por Marta e Maria: de um lado, o cuidado, trabalho e esforço para acolher e promover a vida; do outro, a sensibilidade e a ternura da escuta e do diálogo.

Temos a tendência de ler esse evangelho em chave de competição: entre Marta e Maria, quem ganhou a atenção de Jesus? Quem fez mais certo, quem tem razão?
É incrível quanto a competição tomou conta de nossa vida... É comum encontrar no povo e dentro de nós pensamentos como esses: “Senhor, meu Deus, não está vendo quanto eu sou fiel e prestativo? Bem mais do que outros!”; “Como é que meu patrão não enxerga o destaque de meu trabalho sobre os outros?!”
Essa competição e conflito ressoam também no profundo do ânimo da gente: fazemos e corremos muito, mas uma parte de nós sente falta da escuta e de tempo para dedicar a uma longa conversa com os amigos. Em outros momentos paramos e permanecemos com os outros, mas logo sentimos urgência de agir, fazer acontecer as coisas, não deixar que a vida passe sem nossa contribuição...

Onde está o equilíbrio? O que vale mais de tudo na vida?
“Uma só coisa é necessária”, diz Jesus. É a relação, a atenção à pessoa.
Pode fazer o que quiser, pode ter uma tendência mais ao ativismo e à praticidade, ou à escuta paciente e amorosa. Mas nunca falte em tua vida o cuidado para com as relações.
Marta fez muito bem, saiu de casa em busca de Jesus, o convidou a entrar... mas depois esqueceu-se dele. Maria, ao contrário, não se preocupou em buscar o Senhor, mas uma vez entrado permaneceu ao lado dele. O protagonista desse trecho de evangelho, portanto, é a atenção à pessoa.
Esse é o “patrimônio da humanidade” que o nordeste do Brasil oferece também aos missionários estrangeiros: mais do que ensinar, temos muito a aprender desse tesouro de relações humanas e acolhida, Palavra de Deus encarnada no ser das mulheres!

lunedì 12 luglio 2010

Mártir pela terra, vivo entre nós

Pe. Ezequiel tinha 33 anos; estava no Brasil há pouco mais de um ano. Sua sede de justiça foi tão grande que o mataram logo.
Missionário Comboniano, Ezequiel Ramin foi morto em 1985, numa Rondônia em plena agitação pela febre colonizadora de fazendeiros e muitos pobres em busca de futuro.
Imensa fronteira em desenvolvimento, onde grupos poderosos disputavam cada palmo de chão. Fazendeiros contra posseiros, grileiros contra pequenos agricultores, fazendeiros e madeireiros contra índios. O missionário tomou o lado dos pobres e foi brutalmente executado. Hoje, a vinte cinco anos de seu martírio, seus companheiros combonianos escrevem uma carta aberta para ele.

Ezequiel, o que é ressurreição?
Diga-nos, mártir da luta: como acreditarmos na vida quando ainda continua tamanha violação dos direitos?

Lembramos de sua paixão pela causa dos povos indígenas. Pois é, ainda hoje mais de 50% das terras deles continuam sem identificação, demarcação ou homologação.
Você deu a vida pelo chão de seu povo, mas ainda hoje o Brasil é campeão mundial na concentração da terra. Imaginamos sua ansiedade a respeito do plebiscito de setembro 2010, para um limite à propriedade e o direito à partilha do bem mais essencial que temos.
Ainda ressoam suas palavras: “muitas vezes sinto uma grande vontade de chorar, ao ver os quilômetros de cerca...”

Ezequiel: como não chorar, hoje, enquanto está sendo aprovada a reforma ao Código Florestal, que, em vez de preservar a natureza fonte di vida, vai matar as florestas e reduzir as áreas de preservação permanente?
A vida é cada vez mais ameaçada pela ilusão do crescimento e do progresso! Mas que progresso é este que suga das veias abertas da America Latina a madeira do mato, o ferro da terra e a fertilidade do chão?

Na sua Rondônia, o ano passado, quatro mil pessoas durante o intereclesial das CEBs ajoelharam-se, pedindo perdão frente às enormes barragens para usinas hidroelétricas no rio Madeira. Esta devastação não terminou e pode continuar amanhã também em Belo Monte: ainda dá, Ezequiel, para acreditar que Davi vencerá Golias?

Até sua irmã no sangue, Dorothy Stang , ainda não conheceu justiça e os assassinos dela estão impunes ainda em liberdade... Cadê o estado, defensor de direitos?
Cadê a igreja da libertação pela qual você derramou seu sangue? Como e quando essa igreja honra, reconhece e imita seus mártires?
Sumiram os mártires; hoje a medida da fé não parece mais ser a cruz da perseguição, mas o ibope de quem manipula os sentimentos do povo concentrado em praças ou templo como num grande espetáculo...
Os próprios movimentos sociais, com que você tanto trabalhou, hoje, em vários casos, parecem presos a lógicas de controle e de repartição do poder.

No meio das contradições e falências, você costumava repetir que “trabalhar com os pobres é como criar primavera”. Acreditamos nessa primavera, padre!
Sentimos que a vida pulsa nas veias desse povo, apesar das ameaças que pairam em cima dele. Admiramos a cada dia a resistência e dedicação das mulheres líderes de comunidade: é delas que você deve ter aprendido!

Sua paixão não foi em vão: hoje os olhos do povo iluminam-se quando fazem memória de pe. Ezequiel e ir. Dorothy. Luzes distantes, mas permanentes, estrelas fixas no horizonte.
Sim, nossos povos ainda têm horizonte, apesar de tudo.
Alguns perderam o sonho, vêem-se obrigados a viver dia após dia. Mas outros, ao lado desses, ainda enxergam longe, lutam por reformas, acreditam na honestidade, doam-se até o fim. Você não imagina, Ezequiel, quanto é importante para eles seu exemplo e a vida de muitos outros batalhadores do dia de hoje!

Suas palavras fecundam a vida de muitos jovens: “Tenho a paixão de quem persegue um sonho. Essa palavra tem tamanha intensidade que, quando a acolho em meu ânimo, sinto que uma libertação sangra por dentro de mim”.
A igreja que você sonhava e pela qual trabalhou ainda está em construção: depende de nós dar-lhe um sabor de libertação.

Você comentava: “É um novo jeito de ser igreja. Avanço nessa lógica. As atividades são ligadas ao social, a uma transformação concreta. O papel principal é dos leigos. Eles são igreja. Interessam-se por tudo. O trabalho é de coesão: juntos buscamos saídas para os problemas interconectados da terra, dos índios, da saúde e do analfabetismo...”
“Meus olhos buscam com dificuldade a história de Deus aqui. A cruz é a solidariedade de Deus para com a caminhada e a dor humanas. O amor de Deus é mais forte do que a morte. A vida é bela e estou feliz em doá-la!”

Ressurreição é isso, Ezequiel: doar-se com alegria para que esse povo viva! Você ainda vive, mártir da terra e do sonho de Deus. Que essa vida se transmita, apaixonada, nas muitas e muitos seguidores de Cristo que ainda seguem criando primavera!

lunedì 5 luglio 2010

O País das maravilhas

Alice chegou dentro do bagageiro do carro.
Nem a funerária preocupou-se em trazer para casa seu corpinho de sete meses.

Quando abrimos o caixão, já as outras crianças estavam em volta, com a chupeta na boca. Olhavam para ela como se fosse uma boneca. Não consigo imaginar o que elas pensassem: os adultos chorando e elas tranqüilas, de pé, olhando com curiosidade.

Talvez para elas a morte seja novidade. Para nós é costume: mais uma criança que não agüentou esperar.
Açailândia é uma rica cidade do interior do Maranhão, terra de empresas e negócios, investimentos e desenvolvimento. Nesse país das maravilhas, Alice devia esperar um pouco mais.

Desde quando nasceu, o médico pediu cirurgia de urgência para seu coração enfraquecido. Durante sete meses seus pais bateram muitas vezes à porta da secretaria de saúde em busca de um tratamento. E Alice ficou esperando sete longos meses, no barraco lá no fundo da rua Juazeiro, à beira do barranco. Não agüentou; faleceu uma semana antes da consulta que tanto aguardava.

A vida e o progresso, nessa cidade, correm em trilhos diferentes. A velocidade do lucro aumenta a cada dia; nesse mês começa oficialmente até a duplicação dos trilhos da Estrada de Ferro Carajás.
Tudo é muito rápido... mas essa manhã eu também parei, ao lado da família, olhando a vida correr embora e a resignação estagnar nas ruas dessa cidade.

Quantas outras crianças morrerão assim? Qual será o futuro desses pequenos de chupeta que olhavam admirados para a morte?

A maravilha que Alice mais espera nesse país é a indignação, a organização popular e a vida para todos!

mercoledì 30 giugno 2010

Os invisíveis

Já tinha visitado o lixão de Açailândia, na esperança de não encontrar crianças e humilhação. Lembro que ficou marcante dentro de mim o cheiro e a fumaça densa, dentro da qual se escondiam catadores disputando o que os caminhões descarregavam a cada momento.

Voltei para casa com aquele sentimento de impotência que há muito tempo é companheiro fiel: mais uma causa que deveríamos assumir. Aqui estão realmente ‘os últimos’, anel mais fraco de uma cadeia degenerada de produção que descarta tudo em função de consumir mais.

Em Açailândia estamos trabalhando para o respeito ao meio ambiente e lutando para limitar o saque dos recursos naturais, como minérios e mata virgem. Esses nossos irmãos encontram-se ao outro lado do funil, amassados debaixo do descarte, derradeira etapa do consumo de coisas e vidas. A própria Cáritas está levando adiante iniciativas para a erradicação dos lixões, potenciando a organização dos catadores e promovendo a coleta seletiva como atuação de desenvolvimento socioambiental.

Mas nós não temos pernas para isso também, pensava. Até que nosso carro teve um acidente exatamente no lixão e minha bolsa desapareceu, com documentos e dinheiro.
Tive que voltar logo para lá, dessa vez com intenções mais egoístas, prometendo uma recompensa a quem me devolvesse a identidade.

De novo, os invisíveis fizeram irrupção dentro de mim. Encostei-me a um primeiro barraco, já dentro do lixão, para conversar com um senhor; ele me pediu se podia dar carona à sua mãe até o depósito de lixo principal, uns quilômetros mais à frente. Saiu do barraco uma mulher idosa e coxa, cheia de moscas. Eu não conseguia conversar: as moscas entravam nos olhos e na boca da gente. A mulher, acostumada e tranqüila, subiu no carro com sua carga ambulante de insetos e mandou-me seguir em frente.

Dona Maria das moscas trabalha há 19 anos no lixão. Mas as pernas não têm mais força suficiente para continuar, precisa da ajuda dos filhos e netinhos. Há vítimas escondidas nesse ritmo louco de consumo... é fácil para mim também esquecer disso. Esse tanto de moscas vêm me perturbar para nunca mais me esquecer de nenhuma dessas pessoas.
Pode ser que a gente trabalhe focando mais a fonte desse ciclo devastador: estamos no cheio da resistência contra o saque de recursos, para fechar a hemorragia das veias abertas da América Latina. Mas sabemos e sentimos que nossa luta é em nome de todas essas vítimas, e por isso nunca deve amolecer!

Deixei dona Maria e voltei matutando tudo isso. Mas ainda uma surpresa devia semear ternura e admiração em mim: um casal de catadores, subindo a estrada de chão com sua motinha, parou-me de repente. “Padre, é o dia todo que o estamos procurando!”
Encontraram minha bolsa, guardaram-na em casa e correram atrás de mim para devolver tudo, inclusive o dinheiro! Chamam-se Silma e Sérgio, têm quatro filhos vivos e um que tombou atropelado... provavelmente enquanto ia trabalhar na coleta com os pais.
No meio do lixo, dessa vez fui eu quem coletou algo precioso: pequenos gestos de honestidade como esse, brotando no meio da miséria, alimentam intensamente minha luta!

Assista ao curto "Ilha das Flores"

martedì 25 maggio 2010

Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale: uma avaliação

A campanha Justiça nos Trilhos está entre os formuladores e promotores do I Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale.
Desde o começo de 2009, durante e logo após o Fórum Social Mundial de Belém, sentiu-se a necessidade de um encontro internacional exclusivamente focado sobre a Vale e seus impactos socioambientais em várias regiões do mundo.
As injustiças evidentes narradas por muitas comunidades no Brasil e afora, o modelo de desenvolvimento agressivo e os enormes lucros da companhia mineradora tornavam urgente uma construção de estratégias coletivas de resistência e alternativas.

Como missionários combonianos, sentimo-nos interpelados diretamente: cabia a nós ajudar o povo que acompanhamos, em Açailândia, São Luís e vários povoados ao longo da Estrada de Ferro Carajás, a compreender a história e as causas das condições degradadas de suas vidas.
Ao anunciar e construir vida em abundância, é sempre necessário denunciar e destruir modelos que, ao contrário, trazem morte por causa de uma busca irresponsável e desmedida do lucro.
Abençoados e encorajados pela Campanha da Fraternidade de 2010, que nos estimula a estudar as injustiças econômicas mais evidentes e contrapor experiências de economia popular descentralizada, respeitosa da vida e do meio ambiente, assumimos com entusiasmo a organização dessa nova etapa de enfrentamento da Vale: sonhamos, com Deus, um novo jeito de relacionar-se com a terra, os recursos naturais e a criação inteira.
Justiça nos Trilhos desde o começo envolveu toda nossa província Brasil Nordeste, que a apóia e nela se identifica; mais uma vez, nesse caso, houve a participação de vários combonianos, em diferentes iniciativas preparatórias.

Foi redigida uma revista, com o título “Não Vale”, contendo vários artigos bem fundamentados a respeito das mazelas da companhia, especialmente no corredor de Carajás. A revista suporta e complementa o trabalho artístico de um conhecido diretor cinematográfico italiano, Silvestro Montanaro, que realizou durante os últimos meses um filme de 75 minutos sobre os maiores conflitos e resistências populares ao longo do mesmo corredor.
Filme e revista serão divulgados em breve nas comunidades atingidas, em ocasião de lançamentos e seminários de formação tanto no Pará como no Maranhão. Os membros da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e outros parceiros internacionais já receberam esse material, útil para a formação de suas comunidades e lideranças.
Tudo, enfim, estava pronto para a realização do encontro internacional dos atingidos; o evento foi precedido, de 5 a 11 de abril, pela Caravana dos Povos no sistema norte da Vale.

Em parceria com comunidades, movimentos e sindicatos de Pará e Maranhão, foram preparadas três etapas, prontas a acolher um público de vários países do mundo.
Trinta pessoas alcançaram, assim, Barcarena (PA), Marabá (PA) e Açailândia (MA) e realizaram um intercâmbio precioso entre comunidades atingidas de várias regiões do planeta. Era gente do Pará, Maranhão, Ceará, Rio de Janeiro, Brasília, Argentina, Chile, Peru, Canadá e Moçambique.
Puderam encontrar comunidades rurais e urbanas, associações de moradores, movimentos, comunidades cristãs, políticos, promotores de justiça, jornalistas, sindicatos, movimentos de defesa dos direitos humanos, atores, famílias, jovens, mulheres...

É impossível resumir em poucas linhas a riqueza desses encontros (encontra-se algo a mais nos blogs que acompanharam o evento). Podemos resgatar, simplesmente, a dinâmica de enriquecimento recíproco que permitiu aos membros locais e internacionais de ‘espelhar-se’ uns nos outros. Evidenciaram-se, em todo lugar, sempre as mesmas estratégias da empresa: a conquista do território, o marketing para defender uma imagem socialmente e ambientalmente responsável, a cooptação do poder político e judiciário; em relação às lideranças, a tendência a aliciar, negociar isoladamente para dividir as comunidades, ameaçar ou criminalizar, conforme o nível de organização e enfrentamento dos grupos locais.
Também apareceram interessantes respostas de resistência popular: o esforço de dar visibilidade ao conflito (publicações, relatórios, dossiês), as ações diretas de oposição à agressividade da empresa (ocupar terras, fechar estradas, manifestar), as ações judiciais pedindo indenização ou compensação ambiental, a produção de conhecimento juntando o saber local e a pesquisa universitária, a articulação em redes (internacionais, nacionais, regionais), o envolvimento de atores e parceiros chave, especialmente na área jurídica.

Nos dias seguintes, de 12 a 15 de abril, a caravana norte encontrou-se com outra caravana, vindo do sistema sul da Vale (Minas Gerais e Espírito Santo), além de várias outras pessoas todas convergindo no Rio de Janeiro, onde existe a sede da Vale e onde, todo mês de abril, a Vale convoca seus acionistas para a assembléia anual.
Reuniram-se 160 pessoas, de 80 associações e entidades diferentes, representando 12 países. Ocasião única: pela primeira vez os povos atingidos e as lideranças que os acompanham fizeram o esforço de sistematizar suas lutas e aprender uns com os outros.

Foram quatro dias intensos, principalmente de estudo e aprimoramento das estratégias coletivas. Destacaram-se várias áreas de conflito: modelo de desenvolvimento e saque dos recursos, conflitos ambientais e poluição, conflitos trabalhistas e resistências sindicais, conflitos com as comunidades e pela terra, conflitos econômicos e desequilíbrios por lucros desmedidos (a Vale é a maior empresa da América Latina e a mais rentável do mundo!)

Os encaminhamentos maiores tiveram a ver com a crítica à imagem socialmente solidária e ambientalmente responsável da Vale: os atingidos assumiram o compromisso de desmontar sistematicamente esse quadro, mostrando e divulgando os impactos de que são vítimas. Um dossiê detalhado, com 120 páginas e 21 casos específicos foi lançado na assembléia legislativa do Rio de Janeiro, entregue à imprensa e à assembléia dos acionistas.
Um movimento internacional assumiu o compromisso de produzir constantemente um relatório alternativo, apontando as omissões do Relatório Anual de Sustentabilidade da própria empresa. A partir disso, deslancham-se novas dinâmicas de denúncia, conscientização das comunidades, reivindicações dos próprios direitos e construção de formas mais sustentáveis de economia e desenvolvimento local.
Intuímos, também, novas potencialidades e alianças entre comunidades e províncias missionárias onde se encontram os mesmos conflitos por mineração e saque dos recursos naturais: Moçambique, Chile, Peru, Equador...

Será que os sinais dos tempos estejam provocando nossa sensibilidade para com o cuidado ambiental e o respeito dos mais pobres a avançar até águas mais profundas?

domenica 11 aprile 2010

Qual é o teu nome?

A Caravana Internacional dos Atingidos pela Vale continua sua caminhada através do Pará e Maranhão, chegando a Açailândia.

Em cada etapa centenas de pessoas encontradas, mas sempre a mesma atenção para as pessoas, suas historias e seus nomes. Os nomes concentram em si a identidade, o passado e os sonhos de pessoas e territórios.
É engraçada, nesse sentido, a decepção do membro canadense da caravana: esperou uma semana para chegar a Açailândia e tomar sorvete de açaí... mas descobriu que o assalto às terras da região pelas empresas e o latifúndio despejou há tempo os açaís centenas de quilômetros adentro!
Ou a surpresa dos moçambicanos ao saber que Pequiá não é mais o nome da árvore bonita que tinham encontrado no Pará: agora, aqui, é simplesmente o acrônimo de “PEtrol-QUímico Açailândia”!

Assim, as terras e as pessoas mudam seus nomes pela violenta influência desse modelo de desenvolvimento.
Aliás: precisaria esclarecer também o sentido de expressões como “desenvolvimento sustentável”, “progresso”, “crescimento”. Para alguns poucos essas palavras têm extremo valor, para muitos têm somente conseqüências e efeitos colaterais.

Em Açailândia o efeito colateral do progresso é poluição, exclusão de centenas de famílias cercadas pelas firmas e cobertas de poeira (“o negócio é pó, meu irmão!”), monocultura de eucalipto que expulsa as famílias do campo...

A Caravana encontra novos conflitos, ligados diretamente à linha de ferro que atravessa povoados e cidades no Maranhão todo: atropelamentos de pessoas (mediamente uma vítima por mês, sem alguma indenização), “meninos do trem” andarilhos nos vagões de minérios de uma ponta a outra dos 900 Km de ferrovia, enorme desproporção do lucro.
Por cima da ponte do progresso corre o combóio de ferro para exportação (um valor bruto, a cada dia, de cerca de 50 milhões de reais!). Debaixo, há mais de trinta anos, permanecem os barracos do povo que parece só atrapalhar os negócios dos ‘grandes’.

Mas é esse povo que mantém a cabeça erguida e agüenta na luta de resistência e busca de alternativas: a caravana encontra a mobilização popular de Piquiá de Baixo e assina um documento de solidariedade internacional que será entregue às autoridades dos três poderes, locais e estaduais.
Num ato simbólico, na praça pública, a caravana suja suas mãos e roupas com a mesma poeira que contamina a cada dia os pulmões do povo; há quem chora, ao deixar-se tocar pelas crianças nesse gesto de solidariedade, de joelho enquanto o trem passa numa corrida desinteressada.

Outro ato simbólico amarra dezenas de máscaras contra a fumaça na porta da carvoaria da Vale, após uma caminhada de denúncia e solidariedade ao povoado de Califórnia. Cada pessoa grita sem medo seu nome e país: quem se esconde e não assume suas responsabilidades, em Açailândia, é a empresa, não o povo.

Atrás da empresa, refém de seu poder econômico e sua influência mediática, esconde-se também o poder político. A caravana faz questão de encontrar a população num seminário na Câmara Municipal, mas ninguém dos vereadores ou da administração pública participa ativamente do evento.

A etapa de Açailândia fala uma linguagem desconhecida aos ritmos do progresso: o teatro, a mística, a arte são meios de expressão popular que talvez nos permitam evitar o seqüestro de outros nomes e significados.
A vida acima do lucro! Nossos nomes e histórias valem muito mais dos interesses exclusivos das empresas.
Aliás: alguém nos explique o que significa “Responsabilidade Social das Empresas”...

giovedì 8 aprile 2010

Atingidos pela Vale

A sapucaia é uma árvore cuja castanha, quando estiver madura, destampa e deixa cair no chão suas sementes, prontas para germinar.

Debaixo de um pé de sapucaia a caravana internacional dos atingidos pela Vale encontra o povo do ‘Bairro da Paz’, uma das muitas ocupações de Marabá-PA. Milhares de famílias instaladas numa desordem total: chegaram em busca de trabalho, na ‘cidade do desenvolvimento industrial’, mas encontraram poucas perspectivas. Como a sapucaia, ao longo da conversa tira-se a tampa do silêncio e da adaptação resignada: as pessoas narram suas histórias e assim jogam pequenas sementes para um futuro diferente.

Na sombra dessa árvore acompanhamos as pessoas que passam, a pé ou de bicicleta. Somos atravessados pelo povo que anda e percebemos a densidade de vida no bairro: 2.246 famílias, muitas delas vivendo ainda em barracos e caminhando por ruas cheias de barro.

O ciclo de mineração e siderurgia desestrutura a base produtiva do povo e expulsa as pessoas de seu chão. O mínimo, nesses casos, seria oferecer melhores condições de existência e moradia a quem de repente fica arrancado de sua terra. Ao contrário: desenraizadas e deslocadas, as pessoas encontram-se amassadas em áreas violentas, sem acesso à educação e com baixa qualidade de vida. Ao seu redor, cada vez mais gente chega em busca da sorte (dizem que nos próximos anos Marabá aumentará do 50%!).
Aumenta a prostituição, diminui o emprego conforme as etapas do projeto (muitos trabalhadores para construir o empreendimento, bem menos quando começa a produção... e os desempregados ficam na região).

Atingidos pela Vale: percebe-se que são bem mais daquilo que aparece!

Mais uma vez tecem-se laços de partilha entre a caravana e o povo: cada membro em visita tira da bagagem de sua experiência comparações, conselhos, propostas.
Fernando, do Moçambique, comenta que na sua terra as casas que a Vale construiu para os desalojados por mineração são ainda piores! Feitas em três dias (!) por pedreiros capacitados em 45 dias (!).
Luís, advogado da causa popular no Peru, incentiva o povo a não desanimar: nenhum despejo pode tirar quem ocupou a terra sem violência, em boa fé e por necessidade.

Logo antes, pela manhã, o seminário entre a caravana e as lideranças locais tinha sido extremamente rico. Os participantes tinham descrito vários tipos de conflitos: a luta pela terra e a expulsão das famílias camponesas, o impacto ambiental da mineração, o inchaço das cidades ‘em desenvolvimento’, a discriminação contra os trabalhadores lesionados e ‘inúteis’, as próprias artimanhas da Vale em cooptar lideranças e aliciar o povo.

Amadurecem estratégias e selam-se alianças: fruto de um cultivo de rede que vem de longe, o movimento parece cada vez mais integrado.
Há quem sente necessárias ações diretas de denúncia e tem quem já trabalha na formação popular e na conscientização a respeito do racismo ambiental, promovendo seminários e pesquisas nos povoados.
Há comunidades que já buscam a integração através de Fórum locais ou redes de articulação regional, primeiro e segundo passo rumo ao processo de consulta popular que os peruanos nos descreveram.
Sente-se o desafio de recolher as informações e colocá-las a disposição de todos/as em espaços de acesso comum (sites ou redes de comunicação).
Permanece, enfim, a relação importante mas às vezes inconsistente com o Ministério Público, interlocutor essencial para a fiscalização das empresas e, em casos desesperados, para as necessárias ações indenizatórias, individuais e coletivas.

A sapucaia ‘destampou’ e as sementinhas estão jogadas no chão. A caravana avança mais um passo, em busca de novas terras e cultivos.

Por que choras?

Há povos que se movem pela sobrevivência, empresas que se deslocam pelo lucro. Nós, caravana dos atingidos pela Vale, percorremos a região norte do País movidos pelo choro do povo e da natureza.

Em Barcarena-Vila do Conde, região industrial e grande porto de exportação do Pará, encontramos várias comunidades e pessoas chorando. A Vale tem vários empreendimentos lá: Alunorte, Alubrás, Pará Pigmentos e um projeto de nova termoelétrica.

As comunidades não tem vergonha de lamentar, na frente de amigos de outros países, sua precariedade em situações de despejo, extrema poluição, falta de perspectivas. Com um abraço manifesta-se a solidariedade dos companheiros do Chile, Peru, Canadá, Ceará, Rio, Pará e Maranhão. Os moçambicanos comentam: “Em nossa região, pelos despejos que a Vale está provocando, o povo está começando a odiar os brasileiros. Mas, vendo estas suas lágrimas, entendemos que é a empresa quem merece nosso repudio!”

Na terra dos cabanos, todos percebem que a luta dos antepassados não foi em vão, mas continua firme e precisa de muita articulação.

“Eu sou um matuto do campo”, diz Alexandre, representante da comunidade indígena Anacé-CE. “Eu choro quando escuto camponeses querendo deixar suas terras. Morre nossa alma e nossa história. Essas firmas estão arrancando nossas raízes. Estou com medo que isso aconteça comigo também, lá em Pecém: estão levantando de uma vez, ao nosso redor, uma siderúrgica, uma termelétrica e uma refinaria!”

Uma vereadora poucos dias antes tinha falado às claras: “Sentimos muito por esses pequenos grupos, mas o interesse da gente é maior, está com as empresas”.
E a caravana vai, em busca de uma política inclusiva. “Nós não somos contra as empresas -diz o povo- mas elas não podem acabar com a gente!”

Luís, advogado peruano, sonha a olhos abertos: em vários povoados, lá no Peru, tiveram processos de consulta popular. Assim como o povo escolhe seus representantes políticos, pôde escolher seu futuro. 90% defenderam, para suas regiões, a agricultura familiar.
Os governos deveriam garantir autoridade e poder a essas formas de autodeterminação popular. De que maneira os povos atingidos ou ameaçados pela cadeia minero-siderúrgica podem participar à construção do futuro em suas terras? Serão um dia protagonistas dos planos de investimentos em seus territórios?

A caravana deixa Barcarena com essas perguntas na cabeça e com o choro do povo nas entranhas. Nos olhos, porém, o brilho da esperança e da organização.
“Nossa luta para os próximos três anos é continuar animando a rede de 250 associações que se articulam no enfrentamento das empresas. Estamos construindo o Fórum de Políticas Públicas de Barcarena, onde sentem juntos representantes populares, da administração pública e das empresas. Agora que o dano está posto e não tem como voltar atrás, pelo menos precisamos reconhecer o povo como ator principal de seu futuro.
Buscamos gerenciar um Fundo Social para o desenvolvimento popular de Barcarena”.

A viagem continua rumo Marabá e o debate no ônibus se esquenta entre os 30 membros da caravana: dialogamos sobre Fundo de Desenvolvimento, Análise de Equidade Ambiental, luta paralelas no Moçambique e no Canadá, formação sindical... a caminhada é longa, mas o laboratório de alternativas está posto e a caravana vai fazendo fermentar modelos e perspectivas diferentes: um outro desenvolvimento é possível!

martedì 9 marzo 2010

Três círculos para a vida

(leitura do evangelho de Jo 8, 1ss)

Naquela manhã, no pátio do templo de Jerusalém, tinha três círculos.

O primeiro, bem cedinho, formou-se quando Jesus sentou-se no meio e começou a ensinar. O mestre tinha passado a noite no monte das oliveiras, pressentindo o que ia acontecer com ele, confirmando sua escolha de doar a vida até o fim.
Ao seu redor, juntou-se o povo no círculo de quem sabe de não saber, precisa atingir à água da sabedoria de Deus, à sua luz, dispondo-se à escuta permanente da Palavra e à aprendizagem constante da vida. Como é bonito, ao amanhecer de cada dia, voltar a formar esse círculo, humildemente, para depois sair e doar também a vida aos outros!

Logo, porém, forma-se o segundo círculo. Escribas e fariseus levam no meio do templo, numa gritaria violenta, uma mulher adúltera. A lei ordenava de conduzi-los ambos, homem e mulher, à porta da cidade para o julgamento. Cadê o homem? Cadê a lei?
Não é a justiça o que escribas e fariseus procuram. Querem provocar o mestre, desejam eliminá-lo e não fazem questão, se necessário, de eliminar também a mulher, pobre instrumento das acusações deles. É o círculo da lei violentada, nem mais fiel às prescrições de Moisés: homens influentes da época tinham convertido essa lei num sistema de garantias para seu poder machista e arrogante.
Como desfazer esse círculo sufocante e opressor? É a pergunta de muitos, hoje também: sentimo-nos cercados por uma injustiça institucionalizada, uma lei que já não defende mais o ser humano. Percebemo-nos até cúmplices, às vezes, desse sistema; perfeitamente integrados no círculo dos justos, que ainda acha de condenar com razão os que não se incluírem nele.
Jesus não utiliza muitas palavras, aliás, provoca com seu silêncio. Olhando para o chão, talvez desafie cada um a olhar dentro de si. Pela insistência deles, lança uma provocação pessoal: deixe falar sua consciência, esqueça do barulho e da coesão de quem se acha certo e interrogue sua vida. Desmonte a rigidez de suas convicções, deixe cair da mão as pedras que até agora o faziam sentir forte, desmanche as leis injustas sobre as quais se funda seu poder.
Talvez Jesus no chão desenhasse a derrota do machismo dentro das consciências e das relações sociais... talvez outras leis violentas também poderiam cair pelo mesmo profundo apelo à nossa consciência e humanidade (agora, mais do que nunca, a lei que garante a acumulação da propriedade privada)...

Os acusadores vão-se embora, silenciosamente, cada um olhando para o chão de suas vidas. E no pátio fica o terceiro círculo, pedras em volta de uma mulher sozinha e livre.
A acusação caiu, no meio do templo nasce uma nova vida para essa mulher que errou mas não encontra condenação. As pedras em círculo parecem proteger essa vida que brota; o próprio Jesus levanta-se para encontrá-la, confirmá-la e enviá-la.
Esse terceiro círculo, pedras de uma nova lei que tocou as consciências, é para lembrar-nos que a lei não é feita para os poderosos acusarem e condenarem os pobres; ao contrário, deve ser barreira e proteção, amparo ao redor da vida das vítimas.

mercoledì 17 febbraio 2010

Quaresma: o que NÃO fazer?

Assim chegou mais uma quaresma...
De certa forma, é até fácil prefixar e delimitar o tempo da quaresma, decidindo em que momento do ano vai chegar e quanto vai demorar.
Até conseguimos colocá-la na moldura do carnaval e das festas da Páscoa, adoçando assim o sabor amargo desse tempo ‘enxuto’.
A quaresma é caminho ritual de escuta interior, num clima austero de deserto.
Esse ritmo na vida da gente é importante, ajuda a afastar-se da correria e da folia das muitas coisas.

Mas a quaresma verdadeira, aquela mais concreta que pega na carne da gente, é bem outra coisa: tempo de fome, vazio interior, drama e escuridão da existência, quando não enxergamos saídas e desejamos ardentemente ressurreição e luz.
Por exemplo, esse domingo 21 de fevereiro, primeiro de quaresma, é também 25º aniversário da morte (por crucifixão!) dos camponeses de Xeatzan, vítimas da perseguição na Guatemala.
E nesse tempo do ano experimentamos com ainda mais rigor, nas periferias do Brasil, as conseqüências da crise: agora o auxílio desemprego terminou, por muitos ex-trabalhadores!
Até a própria natureza está atravessando um seu tempo de quaresma, condenada à penitência pela humanidade gananciosa, que já declarou sua condenação à morte.

Esses (e muitos outros) são os desertos reais da vida, que nos deixam sem respostas, apavorados, numa espera urgente e difícil por ressurreição.
È preciso acolher também essas etapas da vida, pois a Palavra nos garante que elas têm um término, um limite além do qual encontraremos de novo a luz e que alcançaremos de mãos dadas com Jesus, irmão e companheiro dos sofredores.
É possível, ainda hoje, passar da morte à vida, da violência a um equilíbrio renovado entre todas as criaturas.

O evangelho desse domingo nos diz como NÃO funciona. Caberá depois ao resto da quaresma indicar caminhos eficazes de restauração da esperança.
Como não devemos preparar a Páscoa? Com o estilo consagrado pelos poderosos (o próprio diabo é considerado pelo evangelho como o dono do poder).

Há alguns instrumentos que desde sempre iludiram as massas e que Jesus rejeita definitivamente:

- transformar as pedras em pão.
Dedicamos esse versículo a uma das operadoras mais famosas dessa façanha: a Vale do Rio Doce. A mineradora (segunda mais poderosa do mundo) proclama acima de todos os telhados sua missão milagrosa, que fará ressuscitar o povo amazônida e nordestino.
Pena que as pedras preciosas extraídas de nossa terra se tornam pão quase exclusivamente para os acionistas e administradores dos níveis mais altos. Há pão em abundância, mas para poucos: isso não é Páscoa.

- conseguir o poder no meio do bloco carnavalesco dos políticos atuais.
Nesse ano eleitoral, como fazer ressuscitar a política, enquanto muitos ‘diabos’ ainda aspiram aos lugares mais altos, se prostram e se vendem aceitando qualquer condição?
Mais do que dentro dos partidos, precisamos urgentemente preparar a Páscoa com um controle social bem organizado e a participação responsável: ressuscite a honestidade!

- fazer da religião um espaço de milagres.
Até a igreja pode ‘satanizar-se’, se cair na tentação de buscar os milagres e a visibilidade, que ilude as pessoas e conquista as massas com rituais exteriores e eventos chamativos.
Que bonito, ao contrário, preparar a Páscoa a cada ano através do itinerário exigente e comprometido da Campanha da Fraternidade! Não se trata somente de uma coleta: é diálogo corajoso com a sociedade, enfrentando juntos as contradições e compondo o mosaico do Reino de Deus na terra! Quantas comunidades fazem da CF seu itinerário de vida e compromisso ao longo do ano inteiro?

Nosso mundo atravessa uma quaresma difícil e globalizada: crise econômica, ecológica e ética. Os quarenta dias de oração, reflexão e compromisso que se abrem nos ajudem a buscar, com Deus e os irmãos/as de boa vontade, saídas rumo à ressurreição.

sabato 6 febbraio 2010

Ekoinonia: cuidar de nossa casa

Koinonia em grego significa comunhão.
Também “Economia” e “Ecologia” são palavras de origem grega: respectivamente “dar regras à casa” e “estudar a casa”. Há uma grande diferença, porém, entre quem considera essa casa ‘sua’, particular e egoisticamente, ou ‘nossa’, existente antes de nós, recebida em dono com o pedido de devolvê-la aos outros em mesmas ou melhores condições. É importante, então, insistir sobre essa pertença coletiva: eis a palavra “Ekoinonia”, que poderia significar “nossa casa comum”, à qual devemos cuidado e dedicação.

Ao abrirmos uma Campanha da Fraternidade sobre economia, escrevemos esse artigo desde uma realidade ecologicamente muito impactada por um modelo econômico violento: a região amazônica do oeste do Maranhão.
Gostaríamos de oferecer algumas pinceladas a respeito da estreita ligação entre economia e ecologia, buscar algumas referências evangélicas e apresentar pequenos ensaios para a gestação de novos modelos.

Injustiça econômica e injustiça ecológica

A maior injustiça econômica, ainda evidente em muitos contextos do mundo e do Brasil, é o distanciamento progressivo entre os ricos e os pobres, a conhecida ‘tesoura’ da disparidade, que vai se abrindo como diz o evangelho: “Há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós” (Lc 16,26). O ciclo de injustiça sócio-ambiental começa com a concentração de renda e das terras; a falta de oportunidades gera condições indignas de trabalho e migrações desregradas. Em conseqüência disso, os ‘grandes’ e os ‘pequenos’ aproximam-se ao meio ambiente com sua ganância ou extrema necessidade; paradoxalmente, assim, ambos agridem a criação sem medida nem planejamento. A terra não é mais percebida como ‘nosso chão’, mas como esponja a ser sugada o máximo possível e depois abandonada, rumo a novas frentes de exploração.

Isto aparece com clara evidência na cidade em que vivemos, Açailândia, oeste do Maranhão. Nossa região ainda pertence ao bioma amazônico, mas nada mais hoje lembra que aqui, até 30 anos atrás, era floresta. Houve uma rápida sucessão de ciclos econômicos desgastantes e desregrados: o ciclo da madeira nobre, das serrarias, do carvão, da pastagem e da siderurgia, da monocultura do eucalipto. Em três décadas, uma revolução econômica e ecológica comprometeu quase definitivamente um território que por milênios tinha hospedado a maior fonte de biodiversidade do mundo. Em toda nossa região pré-amazônica, o arco de desmatamento caminha rápida e inexoravelmente rumo ao norte.

A regra básica subentendida por essas violações é a negação do espaço: essa economia ‘joga as pessoas fora de casa’. É óbvio, portanto, que cada vez menos pessoas possam dizer ‘essa casa nos pertence, vamos cuidar dela’.
Ao contrário, grandes maiorias acabam vivendo à margem da vida econômica, invisíveis porque não produzem nem consomem, afastados de seus territórios de origem pela privação do espaço que tentamos descrever. Em nossa visão, essas massas de migrantes excluídos de suas terras engrossam as filas dos ‘prófugos ambientais’ em busca de um novo chão e novos equilíbrios de vida.
Compreendemos assim a profecia das palavras evangélicas que resgatam o tema da ‘ekoinonia’: “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fosse assim, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós”. (Jo 14,2). A preocupação constante de Jesus é devolver às pessoas seu espaço vital, uma moradia “assim na terra como no céu”, cuidando da casa comum.

Crise econômica e crise ecológica: a noção de limite

O ano de 2009 trouxe dois sinais críticos: o desmoronamento da economia global e a falência do encontro de Copenhagen sobre as mudanças climáticas. Dois cataclismos simultâneos: o esgotamento do sistema econômico e o esgotamento dos recursos naturais.
Em poucos meses, percebemos com bastante evidência que esse modelo de ‘desenvolvimento’ não pode continuar assim. Apesar disso, parece que a oligarquia ao poder entenda somente replicar o mesmo modelo: “O desenvolvimento está em crise? A única saída é incentivar o crescimento”. Esse refrão constante chega a negar a noção de limite.

Em campo econômico os países ricos exportam a produção em regiões onde o custo do trabalho é menor e incentivam o consumo injetando recursos públicos nos sistemas em crise.
Em campo ecológico assistimos à mesma negação do limite, pela busca e abertura de novas fronteiras de exploração, a revisão dos limites de reserva legal, o desrespeito das condicionantes nos licenciamentos ambientais (cada vez mais numerosos, rápidos, com estudos de impacto ambiental preparados em poucas semanas), os novos projetos de mineração e produção de energia...

Para garantir sua riqueza contra o assédio dos pobres, muitos países devem erguer muros de defesa e separação. Ao mesmo tempo, porém, para manter esse patamar os ricos precisam abater outros muros, que a própria natureza coloca para se defender do assédio dos homens.
Admitimos a importância de nos proteger e colocar limites para outros não sugarem nossas riquezas, mas não aceitamos esses mesmos limites impostos à ganância de quem suga a natureza.
Quanto é evidente a correspondência entre concentração de renda e constante expansão da violência social e ambiental!

Os caminhos da ekoinonia

A Bíblia aponta à noção de “Jubileu”, um ano sagrado em que se juntam os valores do descanso e da redistribuição.
“O sétimo ano será um sábado, um descanso absoluto para a terra, um sábado em honra do Senhor: não semearás teu campo nem podarás tua vinha. (...) O que a terra der durante o ano de descanso servirá de alimento a ti, teu servo, tua serva, teu empregado e ao agregado que moram contigo” (Lv 25,3s).
Há uma incrível e fascinante correspondência: o tempo sagrado de Deus é ditado pelos ponteiros da economia e da ecologia, da distribuição dos bens e do respeito da terra!
Com razão o papa Bento denuncia que a atual crise global é expressão de uma bem mais profunda crise ética: está em discussão o inteiro modelo de desenvolvimento, o perigo da vida entendida como contínuo e irresponsável crescimento individual.

É urgente repensar o mundo à medida da profecia jubilar, que coloca limites e dá direções éticas ao desenvolvimento. As palavras-chave para declinar isto na história são “sobriedade” (equilíbrio com tudo que co-existe conosco) e “descentralização” (devolução do espaço e das oportunidades aos pequenos).
É possível através disso efetivar uma verdadeira “reciclagem da riqueza”: não mais voltada para o consumo, mas para a geração do bem comum. O próximo passo da evolução da espécie humana, portanto, será aquele da economia de acumulação à economia do dono.

Em nossa cidade de Açailândia e em toda a região de Carajás estamos tecendo redes de ação e propostas econômicas nesse estilo. Em parceria com outros movimentos, fazemos experiência da assim chamada “blue-green alliance”: sindicatos e movimentos ambientalistas finalmente unidos frente à Vale do Rio Doce, em busca de um sistema de trabalho, produção e relação com a natureza realmente sustentáveis. Objetivo é forçar a empresa a uma revisão dos parâmetros de investimento e lucro, onde sejam contempladas variáveis novas na avaliação de conveniência de cada empreendimento: não mais o lucro acima de tudo, mas a aplicação do paradigma de ekoinonia, para uma ‘nossa casa comum’ à medida do sonho de Deus.