Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

mercoledì 15 luglio 2009

Amizade

Uma leitura de Mc 6, 30-34
Há uma chave que abre os textos da Palavra de Deus. Às vezes a gente lê e volta a ler, sem que o Evangelho nos diga muito... e de repente encontra-se uma chave que desvenda um sentido novo e rico.
O mais interessante é que essa mesma chave abre também nosso coração, revela necessidades, sentimentos, sonhos ou intuições talvez inconscientes e escondidos, que a Palavra de Deus 'cotucou' e despertou. É nesses casos que sentimos a Bíblia tão perto de nossas existências, fio de costura de nossas ações e escolhas.

Minha palavra chave, no texto do Evangelho desse domingo, é “Amizade”.
O trecho imediatamente antecedente narrava a perda de uma grande referência para Jesus: João Batista condenado e executado brutalmente. É o momento em que Jesus cai em si, entende que chegou a sua hora, endurece o coração e se decide a enfrentar até o fim a cumplicidade entre hipocrisia e violência no poder religioso/político.
Mas, dentro de si, Jesus deve ter sentido frio e uma grande necessidade de amigos, companheiros, apoio.

Bem nessa hora os discípulos voltam da missão, celebrando a beleza de um envio de dois em dois, o orgulho de uma missão cumprida, o desejo de partilhar as coisas boas com o amigo e mestre que os enviou. E Jesus os convida a ficar um pouco sozinhos, num lugar deserto, para fortalecer nos laços de amizade tudo o que a vida ensinou e renovar alianças para enfrentar a injustiça.

Quanto fazem falta, às vezes, momentos como esse, de verdade e profunda humanidade, em que a gente renova o compromisso, desce até as motivações mais íntimas e verdadeiras de nossas escolhas e descobre que são as mesmas que animam nossos amigos!
Esses elos são mais fortes de qualquer decepção, de toda violência que a realidade pode cuspir em nossa cara. Mais resistentes da distância que nos separa ou do tempo que tenta apagar os marcos de referência de nossa vida.
Se conseguimos manter viva essa ligação profunda com nossos amigos, criar e recriar ocasiões e espaços para que ela se cultive e desenvolva, iremos nos “salvar” (que é o contrário de se perder, desorientados na correria sem rumo das urgências da vida ou na rotina acinzentada do dia-a-dia).

Trata-se uma necessidade coletiva, pelo que segue no texto do evangelho: “muitos os viram partir e correram a pé em busca deles”. Nesse trecho Marcos não relata de doentes em busca de cura ou endemoninhados procurando libertação: só fala de gente procurando um rumo, ovelhas sem pastor sedentas de palavras de vida, ilhas em busca de relação e compaixão (que é a capacidade de “sentir juntos” o que é mais profundo).
Na grama verde daquele lugar, Jesus mandará todos sentar e formar grupos para a partilha; a tarde toda, ensinando, dirá que sua religião não é mais de servos, hierarquias, obediência e temor, mas de amizade, utopia, aliança de sangue e paixão.

martedì 7 luglio 2009

Na casa do gigante dos pés de barro

A Vale em Parauapebas

Parauapebas, sudoeste do Pará, ponto de partida para os 892 Km da Estrada de Ferro Carajás.
Os moradores das redondezas apelidaram a cidade de 'Peba', mais familiar e simples. Estamos no coração dos investimentos da Vale: o ferro de Carajás, o níquel do Vermelho, o cobre do Projeto 118, as minas de Sossego (Canaã), Cristalino, Serra Pelada e Serra Leste (Ourionópolis), Salobo no município de Marabá e o projeto da Serra Sul.
Um radialista da região descreve assim essas terras: “Rios de leite e ribanceiras de cuscuz”, aparentemente o novo Eldorado para centenas de milhares de migrantes. Mediamente 300mil pessoas por ano desembargam pelo trem da Vale no município de 'Peba': são maranhenses, piauenses, goianos, em busca de trabalho e sorte.
“A cidade está imbuchando”, é a expressão na boca de muitos. Já existem em Parauapebas 40mil famílias sem casa, alojadas em ocupações, morros, áreas de preservação permanente...
Prevê-se que em cinco anos a cidade chegue a ter um milhão e meio de habitantes, mas desde já falta saneamento básico e abastecimento de água. Marabá apresenta os mesmos problemas, amplificados. E o minério, única fonte de renda da região, garante em Carajás os próximos 200 anos, mas nas outras minas um tempo bem menor (de 15 a 40 anos).
O povo comenta: “Estamos carregando um bomba a relógio debaixo de nossos pés”.

Também o trabalho não é propriamente o Eldorado, para quem o consegue: a Vale oferece 26mil vagas de trabalho, das quais somente 4mil são empregos diretos: terceirizar é a solução para evitar à Companhia o peso dos processos trabalhistas (hoje mais de 7000 só no Município de Parauapebas!).
As condições de trabalho são infra-humanas: as pessoas acordam antes das cinco de madrugada (o deslocamento é demorado e, sobretudo no inverno, muito difícil) e voltam aos alojamentos somente à noite; alguns trabalham em turnos, tendo que dormir durante a tarde em quartos de 3x4 metros, com outras três pessoas, debaixo de forro baixo e telhado de eternit. No mês de Junho um grupo de trabalhadores exasperados ateou fogo a um desses alojamentos, protestando contra condições insuportáveis.
Além disso, nesse tempo de crise a Vale demitiu na região 6mil pessoas e a Prefeitura outras 2mil. O gigante começa a mostrar seus pés de barro.

O encontro dos afetados por mineração no sudoeste do Pará (3-5 de julho) juntou vários grupos e movimentos desse extremo da Estrada de Ferro de Carajás; o sentimento comum era preocupação, medo, urgência da articulação e mobilização. Vários chegaram a definir as práticas da Vale como “terrorismo” em relação às populações locais: os novos projetos de mineração na região estão construindo estradas, desviando outras, isolando povoados e famílias, cobiçando a terra dos pequenos agricultores.
Em muitos casos as famílias são conquistadas com indenizações baratas, convencidas a vender suas terras e encontradas, meses depois, a varrer ruas no centro de Parauapebas. Há desproporção entre os meios da Companhia e a resistência do povo: em qualquer encontro público a Vale leva dois ou três advogados e manifesta explicita ou implicitamente seu controle geográfico, econômico, político, mediático e sua fortíssima influência sobre o próprio sistema jurídico.
Em Cristalino, por exemplo, o processo de desterritorialização mexe com famílias que moraram na região por mais de vinte anos: há raízes cortadas violentamente, sem falar da dificuldade de encontrar novas terras para reassentar coletivamente as famílias deslocadas.
Em Sossego, as explosões para abrir novas crateras no chão afetam os moradores da área: rachaduras nas casas, cheiro de química no ar, poluição da falda aquífera, estresse dos animais, sem falar das inundações devidas ao acúmulo dos materiais de sobra.
Em Salobo uma nova vila de trabalhadores acolherá mais de 3mil homens ao lado de um povoado pobre de assentados: já se prevê o crescimento imediato de prostituição infantil, violência, álcool e drogas. A Vale investiu qualidade e dinheiro na construção da vila para seus funcionários de alto escalão, mas nenhum centavo foi destinado à melhoria das condições do povoado próximo. Ao contrário: para a implementação do projeto Salobo foi necessário derrubar trezentos castanheiras na área do povo indígena Xikrin, que vive primariamente de extrativismo vegetal.
Em Ourionópolis a Vale mudou a posição de um marco geodético (marco SL1) para poder englobar em seus projetos de exploração minerária mais uma área (1.800 x 10.000 metros) de direito dos garimpeiros.
Muitos outros exemplos levam o povo à saudade do tempo em que ninguém cobiçava suas terras: até 50 anos atrás, na região só moravam indígenas, extrativistas e posseiros. Foi o golpe militar que proporcionou investimentos fortes nas terras do sudoeste paraense, abrindo o caminho aos madeireiros, latifundiário e ao monopólio da mineração.
A sucessiva recuperação das terras através parcelas de reforma agrária na região parece ser somente funcional ao sistema: os pequenos agricultores abrem caminho, desmatam e limpam as terras, logo o grande capital volta a recuperá-las juntando aos poucos os cacos de seu grande mosaico de conquista. Desde os anos '60 o mapeamento minerário da região evidenciou onde vale a pena investir: é só questão de tempo, e todas as terras mais preciosas voltarão nas mãos do sistema do saque.
É urgente, portanto, recuperar o controle sobre o território, reforçar as alianças entre movimentos, estudar estratégias de conjunto, levantar o nível do conflito e divulgá-lo para cima do silêncio da mídia convencional.
A campanha Justiça nos Trilhos junta-se à articulação local em função de um novo projeto de desenvolvimento na região, que garanta vida e respeito das pessoas, do meio-ambiente e do futuro de nossas terras.