Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

domenica 28 gennaio 2024

Brumadinho: fazer memória para defender a vida

 

Chegando em Brumadinho para celebrar os cinco anos da tragédia-crime que matou 272 pessoas e contaminou a bacia do rio Paraopeba, muitos de nós recebemos uma rosa amarela e uma placa com um dos nomes das vítimas.

Carreguei estes símbolos ao longo de todas as celebrações: a missa, a procissão, o ato em memória das vítimas e o abraço final. Durante a missa, uma senhora aproximou-se a mim, chorando e pedindo se podia trocar o nome que ela carregava com aquele que eu tinha, pois se tratava do filho dela. Abraçamo-nos longamente e deixei que ela se encontrasse mais uma vez com a memória viva do filho, que foi sepultado pela lama tóxica e maldita.

A memória
“É graças a vocês, famílias de Brumadinho, que a memória deste crime ainda não se apagou. É graças a vocês que se reduziu o risco de repetição, porque fazer memória é exigir justiça, é cobrar garantias de não repetição!”. Dom Francisco Cota, bispo de Sete Lagoas e membro da Comissão para Ecologia Integral e Mineração da CNBB, tomou posição forte e profética na celebração eucarística, a cinco anos do desastre.
“Não foi acidente! A Vale mata rio, mata peixe e mata gente!” – gritavam, tomados de dor e indignação, os romeiros.

A memória é um primeiro passo de ressurreição, de esperança na vida que não morre. “Não vamos esquecer!” – repetiu-se muitas vezes no ato de denúncia. E foram citados muitos fatos graves que ninguém quer esquecer: “a covardia da mineradora Vale e da empresa certificadora Tuv Sud”; “as mentiras sobre segurança do trabalho”; “a frase do presidente da Vale, Sr. Fábio Schwartsman, que não se deveria culpar a Vale porque esta empresa é uma joia brasileira”; “o executivo da Tuv Sud, que disse que mandaria seu filho sair imediatamente da mina quando soube do perigo – e não fez nada para os outros”; “os tratamentos de saúde para depressão, com psicólogo, psiquiatra e medicamentos ansiolítico que tivemos que tomar”; “o voto do desembargador relator que foi favorável ao habeas corpus do Sr. Fábio Schwartsman para retirá-lo do processo criminal”; “a manutenção do refeitório, do centro administrativo e do posto médico logo abaixo da barragem que desmoronou, sem nenhuma preocupação com os trabalhadores”; “as sirenas que não tocaram para salvar vidas”; “o fato que a Vale soubesse, meses antes, que quem estivesse a menos de dois quilômetros de distância da barragem não teria tempo para sobreviver”; “a negligência do presidente da Vale que, ao receber denúncia anônima via e-mail relatando a insegurança da barragem 16 dias antes da queda, a ignorou e, ao contrário,  buscou o denunciante para puni-lo, chamando-o de ‘cancro’”.

Pode parecer exagero das famílias, ainda carregadas de indignação e raiva. Mas poucos dias antes, o delegado da Polícia Federal Cristiano Campidelli denunciou tudo isso nos mesmos tons, durante um seminário  contra a impunidade, organizado pela associação das famílias das vítimas, a Avabrum: “A verdade é que a Vale fez muito esforço para matar essas pessoas em Brumadinho; as pessoas morreram porque elas foram enganadas”, disse o delegado, confirmando a persistência criminosa da empresa e o simulado mentiroso, pelo qual ao tocar a sirene de emergência haveria para todos 15 minutos de tempo para saírem da área de perigo. Não houve toque de sirene, e as pessoas foram cobertas pela lama um minuto depois da queda da barragem.

As mentiras
Assim como foram mentiras os planos de segurança e a preocupação da empresa pelos trabalhadores/as e moradores/as de Brumadinho, é mentira afirmar que a mineração é sustentável, porque não tem segunda safra após o extrativismo predatório.
É mentira afirmar que traz desenvolvimento, porque este desenvolvimento é para poucos e a preços muito altos para a grande maioria das outras pessoas.
É mentira que esta mineração é inevitável, porque até agora acumulou bens financeiros nos bolsos de poucos e impediu soluções econômicas alternativas que beneficiariam muito mais pessoas.
É mentira acreditar que a solução à crise climática se dará simplesmente pela transição ao novo modelo de “energias limpas”, que continuam precisando de mineração maciça nas áreas de sacrifício de tantas partes do mundo.

A esperança
Mesmo se carregadas de dor e revolta, celebrações como aquela de Brumadinho devolvem esperança. É a esperança de famílias que não aceitam esquecer, não abaixam a cabeça, não se rendem aos acontecimentos, exigem dignidade, reparação, memória e garantias de não repetição!
Dá esperança ver diversas expressões religiosas (católica, evangélica, de matriz africana, indígena) caminharem juntos, cantarem e chorarem, invocarem os espíritos em defesa da Vida e aliar-se frente a gigantes inimigos que estão atacando seus territórios.

Comungar na Eucaristia foi “fazer isso em memória de Jesus”, repetir o compromisso e o dom total de muitas pessoas, para que vença a vida e não se imponham as forças de morte. Foi comungar com as vítimas e sentir presentes, nelas, o corpo ferido e ressuscitado de Jesus, que continua caminhando conosco!

Fé e política hoje

Vamos dialogar informalmente sobre a relação entre fé e política?
Hoje, existem dois extremos: muitas pessoas têm um certo “nojo” da política, como se fosse só um espaço de corrupção e de alianças mafiosas.
Não faltam exemplos que corroborem isso, mas... não acham que esta insistência sobre a corrupção poderia também ser uma estratégia de quem tem o poder, para manter todos os outros distantes dele, desiludidos e desinteressados, e assim seguir administrando, dentro de um círculo restrito de controle da política representativa?
Precisamos voltar a acreditar na política, a melhor das políticas, como diz Papa Francisco!

Ao outro extremo, tem aqueles que manipulam a fé por interesses políticos. Perceberam que a religião pode ser um ótimo instrumento para agregar pessoas em volta de um pensamento fundamentalista, que quer impor somente sua doutrina e não se abre ao diálogo da cidadania, caindo inclusive na discriminação religiosa e chegando frequentemente a adorar Mamona, em lugar de Deus.

Na exortação Evangelii Gaudium, porém, Papa Francisco retoma uma frase de Papa Pio XII: a política é a melhor forma de amar (EG 205).
Para ser mais claro, volta a explicar-se na encíclica Fratelli Tutti: “Alguém ajuda um idoso a atravessar um rio, e isto é caridade primorosa; mas o político constrói-lhe uma ponte, e isto também é caridade. É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua ação política” (FT 186).
Portanto, a política tem tudo a ver com a fé. Não devemos fugir dela, nem permitir que ela use nossa religião de forma manipulada.
Precisamos habitar com o Evangelho todos os espaços políticos! Por isso existe a Doutrina Social da Igreja, que é um ensinamento, um magistério muito sólido e consistente da Igreja, para que nosso jeito de ser cristãos e cristãs leve à transformação da sociedade, inspirando-nos no Reino de Deus.
Precisamos estudar mais a Doutrina Social da Igreja! A CNBB está propondo alguns cursos sobre isso, como é importante aprofundar e comprometer-se!
Precisamos de mais cristãos e cristãs que se envolvam com honestidade e paixão na política.

Mas, atenção: não estamos falando só de política representativa, aquela que elege algumas pessoas e depois, por 4 anos, as esquece no cargo que lhes foi confiado. Estamos falando de participação!
Todas as formas de se organizar na sociedade para proteger e garantir o bem comum são política. O bem comum, o bem viver, a ecologia integral: são todas expressões de uma visão ampla, inclusiva, como a utopia do Reino de Deus.
E são todas perspectivas que começam a ser organizadas e construídas a partir dos territórios. Papa Francisco, por exemplo, valoriza muito o diálogo da Igreja com os movimentos populares, que ele chama de “semeadores da mudança, poetas sociais” (FT 169). Portanto, é a partir dos territórios que nossa fé se torna política.
Pela fé, os cristãos denunciam uma injustiça, uma situação de exclusão, desigualdade ou falta de oportunidades.
Pela fé, os cristãos se organizam e participam nos conselhos e assembleias que debatem o bem comum e projetos coletivos num bairro, numa cidade, numa região...
Pela fé, defendem seus territórios, como fez recentemente uma comunidade cristã urbana, que se organizou contra a especulação imobiliária e conseguiu defender uma área verde em seu bairro. Ou como está fazendo a Pastoral da Moradia, que luta pelos direitos a saneamento básico, transporte, saúde e educação nas favelas e grandes periferias. Ou, ainda, como faz o CIMI, Conselho Indigenista Missionário, que repudia o Marco Temporal porque condena os povos indígenas e faz os interesses do agronegócio invasor.

Pois é, a política não está tão distante de nós. Todos e todas nós podemos ser “artesãos da paz”, recorda Papa Francisco em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz em 2022.
A paz e a melhor política estão em nossas mãos e se constroem a partir dos territórios onde vivemos.