Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

martedì 25 dicembre 2012

Para celebrar esse Natal


Ainda não sei o nome dela.
A notícia chegou até nós faz pouco, quase por acaso: a morte parece uma normalidade, mesmo se agarra uma criança de nove anos.
Mesmo se aconteceu numa lenta agonia.
Mesmo se a família não tinha culpa. Mesmo se, de novo, são os gases e a fumaça das siderúrgicas a rasgar pedacinhos de vida do povo de Piquiá de Baixo.

Fiz questão de escrever poucas linhas, como uma oração, nessa noite de Natal. Antes de celebrar a vida, precisamos manter os pés bem no chão do sofrimento de nosso povo.
O evangelho insiste que Jesus foi envolvido em faixas, logo ao nascer, para indicar a morte de que devia morrer: entregue ao colo da mãe pelos soldados que o mataram, envolvido em faixas no sepulcro que poderá prendê-lo só por três dias.
A morte e a vida estão tão próximas, na existência de nosso povo...

No silêncio da noite de Natal contemplaremos uma Vida que nasce e mais uma que morreu vítima da condenação moderna do ‘progresso’: a poluição, a exclusão, o sacrifício de alguns para que –dizem- outros possam se desenvolver.

A Paz que nos desejamos tanto nesses dias nos deixe inquietos e apaixonados, até quando se tornar, de verdade, Paz para todos e todas.
Foto: Marcelo Cruz

giovedì 13 dicembre 2012

Vidas pela Vida

Entenda o porquê do compromisso sócio-ambiental dos Missionários Combonianos: um breve vídeo de 4', a partir do chão da luta de Piquiá e do Maranhão, aprofunda as raízes de nossa presença ao lado do povo.

mercoledì 31 ottobre 2012

Um Deus falso, mudo, sem coração


Encontrei o presidente da segunda maior mineradora do mundo.
16º andar de um prédio que cresce tão alto quantos profundos são os buracos que a empresa cava nos territórios e os impactos que deixa na vida das populações.

Lembrei-me de Moisés quando encontrou Faraó. Tremia a voz, mas a fala era firme, porque apresentava o sofrimento de um povo inteiro, escravizado, seduzido, enganado.
Faraó significa ‘Casa Grande’, centro do poder e do controle da economia e dos territórios.
Não há Casa Grande sem Senzalas. Não há riqueza acumulada sem consequências escondidas, ‘zonas de sacrifício’, impactos ‘inevitáveis e necessários’, que alguém deve sofrer para que muitos, supostamente, possam crescer.

O Deus de Moisés habita nesses retalhos de mundo sacrificados para a vida dos senhores da economia. Impulsiona, lá em baixo, a revolta organizada dos pobres.

O Deus de Faraó, que é um ídolo, para se manter em pé precisa da mentira. Não é uma mentira deslavada, nua, evidente. É a sedutora e disfarçada distância entre a propaganda, os ‘valores corporativos’, os ‘mantra da empresa’... e a prática real.

O Deus de Faraó, que é mudo, para se fazer escutar precisa de arrogância. Não é arrogância explícita, direta. É a violência simbólica de quem impõe seu poder em cima de comunidades que não têm elementos ou força para se contrapor.

O Deus de Faraó, que não tem coração, para se fazer amar precisa de sedução. Sedução feita de promessas raramente cumpridas, de milhões de dólares de marketing, de muita maquiagem que torna a empresa e o progresso bonitos de longe e fedidos de perto.

Como foi que Moisés e seu povo conseguiram afastar-se de Faraó e por-se a caminho em busca de uma nova terra, em construção permanente de novas relações e de uma nova sociedade?
Acho que a chave da libertação está nessa visita de Moisés à casa de Faraó: o israelita, mesmo gaguejando, não se deixou seduzir pela lábia de Faraó, não introjetou a fala do senhor do Egito e não desistiu do Deus frágil e pequeno que estava se manifestando aos escravos.

De alguma forma, intuiu e acreditou que havia mais verdade na voz daquelas vítimas e que a vida fazia mais sentido se vivida ao lado de seu próprio povo, e não na mansão de Faraó.

Moisés é cada um/a de nós que vivemos nas comunidades atingidas por esse modelo de desenvolvimento.
Todo dia sofremos a tentação que a lógica de Faraó conquiste nosso coração, ou um amigo nosso, uma liderança que de repente abandona o trabalho coletivo, a resistência, o povoado...

Libertação, ainda antes de sairmos da dominação, é não deixar entrar o dominador dentro de nós.

domenica 14 ottobre 2012

Missionários Combonianos na defesa da justiça ambiental


Outubro de 2012: o bispo dom Michele Russo, missionário comboniano, é expulso do Chade, um dos mais pobres países africanos.
Numa de suas homilias, desafiou o Governo a respeito dos lucros do petróleo: na opinião do bispo, não há transparência na destinação desse dinheiro, há suspeita de enriquecimentos ilícitos de poucos, enquanto os impactos socioambientais afetam a camada mais pobre da população.
O Governo do Chade considera que o missionário “se dedicou a atividades incompatíveis com seu cargo”.

Julho de 2012: no Peru, o responsável dos missionários combonianos por Justiça e Paz, pe. Juan Goicochea, denuncia centenas de conflitos socioambientais em seu país, ligados à resistência dos povos peruanos contra as empresas de mineração. Em três dias de violência na região de Cajamarca, houve 5 mortos e vários feridos. Outro padre, Marco Arana, foi preso e torturado. A igreja peruana negociou ativamente com o governo para encontrar uma saída no diálogo com as comunidades de Cajamarca.
Em novembro, uma delegação de Vivat (ONG dos missionários/as que denunciam na ONU as violações de direitos e buscam proteção às vítimas) visitará a região em solidariedade.

Brasil: na região mais rica do mundo em jazidas de ferro, Carajás, os Missionários Combonianos Brasil Nordeste estão desde 2007 denunciando inúmeras violações dos direitos socioambientais de povos quilombolas, indígenas, comunidades rurais e urbanas. A rede Justiça nos Trilhos, fundada pelos combonianos e outras entidades, depara-se a cada dia com diversos conflitos provocados pelos empreendimentos daquela que foi eleita ‘Pior multinacional do mundo’ em 2012, a mineradora Vale S.A.
Enquanto isso, o governo brasileiro continua financiando os investimentos de Vale e ‘abençoando’ seus planos agressivos de expansão.

As indústrias extrativas de minérios e petróleo estão intensificando mundialmente seus investimentos e grandes obras, para aproveitar em poucos anos, a um ritmo violento e arrasador, da conjuntura favorável de preços e necessidade de matérias primas.
Em muitas regiões do mundo, o boom da extração passa por cima dos direitos das comunidades locais, agride o meio ambiente e os equilíbrios até então estabelecidos nos ritmos e relações tradicionais de existência. Os governos locais apóiam essa política econômica ditada por grandes multinacionais, iludidos que o ‘progresso’ que se instala nas regiões ricas de jazidas seja permanente e instale um ciclo progressivo de crescimento.
Até prova contrária, o destino de todo projeto extrativo foi abandonar os territórios logo que aparecer escassez de recursos e transferir os investimentos em novas regiões a serem agredidas. Para as populações locais só sobram buracos e os elefantes brancos de infraestruturas e cidades construídas no momento de pique da produção.

Desde sempre, os missionários dedicaram-se à vida e libertação dos mais pobres e abandonados.
Cristo ressuscitado os envia e espera no meio das vítimas, para que, reconhecendo-o presente, os pobres levantem a cabeça e a voz e reconstruam relações à medida de seus sonhos.

Observando esses grandes empreendimentos extrativos, os missionários reconhecem que há neles uma cínica forma de ‘racismo ambiental’: as vítimas dos impactos socioambientais são sempre os mais pobres e excluídos. Os povos do sul do mundo, onde são instalados os projetos mais agressivos e poluentes; as comunidades das periferias urbanas, que recebem os descartes da produção e convivem diariamente com o lixo do progresso; as populações indígenas, quilombolas e os pequenos produtores rurais, que acabam sendo cada vez mais isolados pelo avanço do desmatamento, da concentração das terras, da exploração de minas e jazidas.

Enfrentar o racismo ambiental, em nome de Cristo ressuscitado, inverte os padrões de crescimento e futuro e impele os missionários/as a tomarem posições cada vez mais corajosas: não à agressão descontrolada das indústrias extrativas, não à cumplicidade dos estados para um progresso que continuará a ser de poucos. Sim à vida das comunidades que determinam sua própria gestão dos territórios, dos bens e do futuro.
Essa nos parece ser uma nova leitura das bem-aventuranças de Jesus no mundo faminto de hoje.

venerdì 31 agosto 2012

Mais um pai que nos deixa

Me disse “Shalom” e me abraçou. Era logo depois do rito de ordenação sacerdotal, última vez para ele como bispo de Milano. O cardeal Martini abraçou cada um de nós e nos desejou paz, no idioma bíblico: estava prestes a sair para Jerusalém, onde poderia contemplar os últimos sopros da Palavra de Deus.

Mesmo coordenando a diocese mais populosa do mundo, se lembrava de cada um de seus padres e de muitos dos leigos e leigas, com os quais construiu um novo jeito de ser igreja. Ainda dez anos depois, tinha a delicadeza de ler minhas cartas e me responder, brevemente mas com atenção.

Aprendi muito com ele: ainda me lembro das noites passadas com outras centenas de jovens, sentados no chão da catedral de Milano, lotada de gente que celebrava com ele as vigílias de Lectio Divina “in traditione Symboli”. Falava devagar, com voz profunda, não queria conquistar a atenção com expressões chamativas, mas pela verdade que evocava em quem ia escutando.

Ainda hoje me pergunto como podia manter a serenidade e a lucidez, na administração de uma igreja inserida no mundo tão complexo e contraditório do norte da Itália. Sempre me surpreendia a capacidade que tinha de suspender os problemas e as correrias e tirar um dia inteiro para si e para Deus. Era toda quarta-feira, me parece; costumava sair da cidade e ir caminhar nas montanhas, sozinho, como Moisés em busca de Deus.

A última vez que o vi estava celebrando numa pequena igreja perto de minha cidadezinha. No final, entrou na sacristia e eu não tive coragem de ir cumprimentá-lo. Era já frágil e cansado. Queria lembrar-me dele com essa distância respeitosa, não era necessário para mim buscar uma intimidade maior. Prefiro ser íntimo daquilo que escreveu, que me ensinou, da firmeza e profunda serenidade que me transmitiu.

Mais um pai que nos deixa com o desafio de viver plenamente. Como toda cerimônia de passagem, acredito profundamente que, pela imposição das mãos, um pouco do espírito de nossos antepassados passa a viver dentro de nós. Não vou te deixar morrer, então...

lunedì 30 luglio 2012

Quando a gente levanta as mãos


Quando a gente vê alguém levantar as mãos, logo pensa que está se rendendo.
Não foi isso ontem, na porta das siderúrgicas de Piquiá de Baixo, profundo interior do Maranhão.
Cerca de cem pessoas estavam de mãos levantadas e sujas, parando os caminhões de carvão e minério de ferro que queriam entrar, para alimentar a fome incandescente dos fornos das guseiras.

Eram jovens de Parauapebas, Marabá, Canaã dos Carajás, Açailândia, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu. Eram idosos e doentes do Piquiá, gritando de novo com voz humilde e cansada, mas firme, contra aquela poluição que respiram a cada dia.
Juventudes e comunidades atingidas pela mineração e sua cadeia produtiva estavam encerrando mais um encontro regional de estudo.
Os moradores levaram um saco do pó preto que cai dia e noite dentro de suas casas; os jovens sujaram as mãos e as levantaram, envergonhados e solidários, em denúncia. Tem gestos que falam mesmo com seu silencio: dezenas de jovens, idosos e crianças mostrando suas mãos e esbarrando o caminho.
Era um basta à violência ambiental, um bloqueio ao fluxo agressivo do lucro, que passa por cima de direitos e vidas.
Lembro de um gesto desse tipo mais de dez anos atrás, no grande encontro dos G8 em Genova, na Itália. Manifestantes levantavam suas mãos, pintadas de branco, para bloquear as incursões violentas da polícia e dos black-blocks terroristas. Hoje é outra violência, igualmente mortal, que nos obriga a sujar as mãos de pó preto.

Uma das estratégias da luta não-violenta é envergonhar publicamente o adversário. Eu senti vergonha, ontem, quando um morador do bairro poluído, em sua simplicidade, desabafava no microfone: “a gente pede justiça às siderúrgicas e elas dizem que precisa falar com a Vale; a gente denuncia a Vale e ela diz que a responsabilidade é das siderúrgicas... vai ver que agora os culpados de tudo isso somos nós!”

Com certeza, de hoje para frente, muito mais pessoas assumiram essa causa. Uma voz, cantando ao longo do ato, perguntava: “Quem é você?”. E dezenas de jovens, crianças e outros moradores gritavam em resposta: “Sou Piquiá!”.
Somos todos Piquiá, de mãos levantadas, não para nos render, mas em denúncia, pedindo respeito, exigindo que a corrida louca do progresso pare para nos escutar!
(foto Marcelo Cruz)

domenica 1 aprile 2012

A terceira margem do rio


O rio Pindaré desce devagar e amplo, nesse inverno, beirando os povoados do interior de Buriticupu, Maranhão profundo.
Grupos de famílias instalaram-se nas terras à sua beira, numa reforma agrária que interrompe , a manchas de leopardo, terras de fazendeiros.
À margem do rio corre outro fluxo de escoamento: a linha de ferro da Vale, que transporta a cada dia cerca de 300mil toneladas de mineiro de ferro fora do País. Esse trem do lucro não para, nem conhece obstáculos. Atropela, mata, acorda com o seu barulho e racha pelas vibrações as casas encostadas aos trilhos.
À outra margem, há pastos de uma fazenda, que aos poucos deve ter comprado e juntado os lotes dos assentados. Nova acumulação, reforma agrária ao contrário: ainda há condições de mudar essa história, inverter os fluxos, modificar o curso da correnteza, voltar a sentir o rio, a terra, os recursos como patrimônio de todos?

Há, se formos olhar bem, uma “terceira margem do rio”: atravessamos o Pindaré numa canoa de sapucaia, com a água beirando a borda pelo peso da gente. Subimos o morro com o facão na mão e o fôlego que vem faltando.
Finalmente um pedaço de chão livre, onde o povo está experimentando um outro tipo de cultivo.
É a primeira roça agro-ecológica dessa região, sem fogo, sem química, à medida das forças e do dinheiro das famílias rurais.
É uma pequena mancha de esperança, um fluxo frágil de alternativa; nem sabemos se os agricultores familiares irão se convencer dessa potencialidade.
Mas a terceira margem do rio está posta e queremos acreditar que tem chance de mudar um pouco o curso da história desses pequenos!

Obs: a imagem da terceira margem do rio é de Guimarães Rosa; há um livro bonito com o mesmo título, ensaios sobre o Maranhão no novo milênio.

domenica 11 marzo 2012

Mudança!


“Mais um que se vai embora...”
Os vizinhos comentam resignados, debaixo de um pé de caju, enquanto do outro lado da rua esburacada o caminhão da mudança acaba de ser carregado.
Um sofá, a cama, roupas amontoadas e esse vai-vem de dentro para fora da casa, para que nada fique esquecido. As crianças observam pensativas: será mesmo melhor o lugar para onde estamos indo?

Piquiá de Baixo luta há mais de cinco anos para um reassentamento coletivo, em fuga da poluição das siderúrgicas que se instalaram praticamente dentro do quintal de 350 famílias.
A resistência é coletiva, já houve levante que chegou a fechar a BR ou receber a Governadora do Maranhão com máscaras anti-fumaça no rosto. Mas cada vez que mais uma família tem que se afastar para preservar a saúde das crianças ou fugir do barulho ensurdecedor da termo-elétrica, o coletivo se enfraquece.
A mudança é precária. Uma casa a mais vai ficar trancada e vazia. Uma família a mais vai arriscar a vida com um novo aluguel nas costas. “Não estamos fugindo, padre. Pode crer, quando o povo chamar para a luta, estaremos aqui!” – me garante o pai de família.

Fora da igreja, um velho cruzeiro que a poluição acinzentou tem aos poucos se inclinado, como se estivesse cansado debaixo de tanta injustiça. Três homens, enquanto a mudança termina, estão tentando endireitá-lo, antes que comece a missa de toda semana.
Quando poderemos celebrar a dignidade desse povo, de cabeça erguida, sem mais medo nem obrigação de fugir? Quando é que, em lugar das cruzes e das cinzas dessa quaresma permanente, nós também experimentaremos a vertigem de quem pode sonhar e construir sua história?