Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
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@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

giovedì 20 novembre 2008


Cortina de fumaça

O poder mediático da grande companhia Vale do Rio Doce
e o árduo trabalho e desvendamento da verdade

 

O Brasil, terra de gigantes adormecidos, entregou seus recursos à segunda maior companhia de mineração do mundo: a Vale do Rio Doce (Vale). Para muitos isto é um orgulho. A Vale, recentemente, ganhou, pela revista brasileira Carta Capital, o título de “Empresa mais admirada do País”.

Outros (uma minoria) refletem que não se pode medir a grandeza de uma empresa simplesmente pelo lucro que fatura, ou pela imagem que ela mesma consegue transmitir ao público.

Com certeza, a Vale sabe “vender bem o seu peixe”, como se diz em nossas terras amazônicas. Nos países ocidentais diriam “greenwashing”: lavar o rosto e as mãos da companhia através de uma persistente campanha publicitária.

 Mas quem é a Vale? 

É uma “empresa brasileira global”, como ela mesma gosta de se apresentar.  Atua nos cinco continentes: Américas, Europa, África, Ásia e Oceania. Possui atividades nos seguintes países: Estados Unidos, Peru, Chile, Argentina, Venezuela, Bélgica, França, Noruega, China, Japão, Barein, Gabão, Moçambique, Mongólia, Angola, África do Sul e Austrália.

Constitui-se de um complexo sistema formado por mais de 50 importantes empresas, algumas coligadas, outras simplesmente controladas, e outras que dão apoio estratégico e operativo.

Líder de minério no mercado de ferro, a Vale é a segunda maior produtora de manganês e ferroligas. Comercializa seus produtos para indústrias siderúrgicas do mundo inteiro

No ano passado extraiu 100 milhões de toneladas da melhor mina de minério de ferro do planeta (Carajás). Ao todo, produziu 300 milhões de toneladas de minério. Somando ao preço do minério o enorme lucro dos fretes, a Vale ganhou só em 2007 e só na região de Carajás US$ 5 bilhões brutos (sua receita global deve ter superado US$ 32 bilhões).

No Brasil, a Vale atua em 14 estados da federação e é a maior consumidora de energia elétrica do país. Possui 9 mil quilômetros de estrada de ferro e é proprietária de 10 portos

Os seus empregados são 147mil, mas somente 56mil são empregos diretos da Vale. A estratégia da terceirização permite de livrar-se das responsabilidades diretas com os próprios funcionários; só na região de Carajás (sede das minas de ferro) há mais de 8.000 causas trabalhistas contra ela.

Afinal, o modelo que a Vale promove é uma ‘economia de enclave’, que não dinamiza a economia local, mas apenas extrai a riqueza natural: pouco mais do que um saque de recursos, cujo eixo principal atualmente é a Estrada de Ferro Carajás (nos estados de Maranhão e Pará). O lucro vai embora e o que fica é a poluição e o desmatamento, fruto perverso da cadeia de produção siderúrgica.

Além disso, a ferrovia é incômoda e perigosa: atropela e mata uma pessoa a cada mês. As despesas da Companhia Vale do Rio Doce, nesses casos, limitam-se, até agora, à simples compra do caixão.
Em maio de 2008 o Tribunal Permanente dos Povos condenou a Vale por crimes ambientais e violações aos direitos trabalhistas e humanos na Baía de Sepetiba (Rio de Janeiro).
A máquina de propaganda da multinacional, porém, é poderosa e sua estratégia sutil. No recente “círio”, a festa religiosa mais popular em Belém, os outdoors rezavam: “A Vale valoriza a cultura e a fé da nossa gente” ... até ajuda a sepultá-la!
Em 2007 uma grande iniciativa popular em todo o território brasileiro apresentou um plebiscito contra a privatização da companhia. Muitos segmentos da sociedade civil organizada estavam envolvidos, esforçando-se para promover conscientização e comunicação ‘horizontal’, através de encontros, assembléias, seminários que demonstrassem a injustiça e o conflito provocados pela multinacional.

Foi suficiente essa mobilização para motivar a empresa a multiplicar a propaganda televisiva, apresentando alguns projetos sociais ‘promovidos’ aqui e acolá por ela e repetindo, com um jogo de palavras, que há um “Brasil que Vale”. Quase a significar que “vale só quem acreditar na Vale”.
Repare-se o poder de persuasão da propaganda: foi um dos elementos decisivos que enfraqueceram o plebiscito. Coincidentemente ou não, foi no mesmo período que a Vale mudou o seu logo, como se isto significasse mudança de atitudes! 

O jornalista Rogério Almeida relata mais um dos muitos exemplos: “No município de Barcarena, Pará, a Vale mantém duas fábricas da cadeia produtiva do alumínio (Alunorte e ALBRAS). Uma associação em defesa dos operários e ex-operários das fábricas tenta a todo custo encaminhar passivos na área da saúde laboral. Há registros de problemas neurológicos e cardíacos entre outros. Ao se constatar os problemas de saúde, a demissão tem sido o atalho mais comum. Nos estados onde a empresa atua não se noticia nada contra ela que, graças a uma eficiente política de marketing, neutraliza a imprensa”.

Um bom exemplo disso foi no ano passado, quando a Vale patrocinou em Belém o lançamento do Fórum Amazônia Sustentável com a participação de algumas entre as maiores ONGs do setor. Poucos tiveram a autoridade moral ou a força de gritar “o rei está nu!”, desmascarando assim o poder de cooptação da Vale.

Assim, o poder de distorção da realidade continua crescendo e influenciando a opinião pública. Não se trata de um caso ou concomitância de eventos: há uma estratégia sutil e bem estudada atrás das decisões públicas da empresa. E há um grande poder de persuasão e até cooptação da população... 

Em final de 2007 várias associações e entidades da sociedade civil organizada estruturaram-se em rede para medir o nível de conflito entre a Vale e as pessoas, a Vale e o meio-ambiente. O objetivo foi organizar esse mal-estar, direcioná-lo e conscientizá-lo, para depois estruturar uma forma de denúncia e luta não-violenta, rumo a mais “Justiça nos Trilhos”. O pagamento das indenizações, das compensações ambientais e a reconstituição do Fundo de Desenvolvimento da região de Carajás por parte da Vale tornaram-se objetivos inadiáveis. A campanha já possui um site próprio (www.justicanostrilhos.org) e vem desenvolvendo um trabalho intenso de articulação com outros grupos no Brasil e no mundo impactados pela Vale. No próximo FSM, ‘Justiça nos Trilhos’ organiza um seminário internacional e três oficinas (sócio-jurídico-ambiental). No entanto, visita os povoados e municípios ao longo dos trilhos da ferrovia de Carajás (de São Luís do Maranhão até o Pará: 892 Km) e organiza seminários de formação e debate.

Um desses seminários aconteceu em Belém, capital do Pará, e deve ter apavorado um pouco mais a Vale. Tratava-se de um seminário como os outros, na sede da Conferência dos Bispos do Brasil: apresentação da realidade ao longo dos trilhos, da situação do povo, experiência das lideranças que acompanham esse povo e organização da campanha Justiça nos Trilhos até o FSM e vislumbrar ações para a sua continuidade. Tudo à luz do sol, com distribuição de folders sobre a campanha e divulgação do site e dos artigos sobre a pesquisa realizada até agora. Nunca se acenou a algum tipo de ação violenta, nem se cogitou alguma interdição dos trilhos. Mas a máquina poderosa da difamação, reforçada pela aliança entre a Vale e o maior jornal cotidiano da capital do Pará (“O Liberal”), deu o melhor de si:“Há evidências - fortes e várias - de que está em andamento uma nova interdição da Estrada de Ferro de Carajás, que liga o Estado do Pará ao Maranhão e é operada pela mineradora Vale. Até aí, nenhuma novidade. Patrimônios privados, inclusive e sobretudo os da Vale, sempre estiveram na mira de bandidos travestidos de atores sociais, a expressão que a intelectualidade - ou parte dela - cunhou para se referir a criminosos.
A novidade, desta feita, são três: a primeira é de que o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) não agirá sozinho, mas auxiliado por outras entidades e movimentos sociais; a segunda é que se pretende interditar a ferrovia em duas frentes, uma no Pará, outra no Maranhão; e a terceira é que os preparativos para a mobilização que precede a interdição aconteceram, segundo informou O LIBERAL em sua edição de ontem, dentro de instalações onde funciona a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)”.
Graças à ‘fantástica criatividade’ do jornalista, a campanha está organizando contra ele uma denúncia por calúnia. Por outro lado, não adianta correr muito atrás dos peixes pequenos: o que interessa é entender os jogos de poder que estão atrás de mais esse foguete barulhento dos meios de comunicação de massa.

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, há vinte anos impiedoso observador das contradições da Vale, conclui: “O Liberal mais uma vez desserviu a opinião pública com seu procedimento leviano no trato com as informações. Uma coisa é bloquear a ferrovia de Carajás, uma concessão pública outorgada à Companhia Vale do Rio Doce por 50 anos, como ocorreu seis vezes nos últimos meses, e outra é tentar avaliar o impacto que o grande empreendimento representa para a população, e tirar mais benefícios do que os disponíveis, notoriamente insuficientes e injustos (daí o título da campanha: “justiça nos trilhos”).
Nenhum dado concreto sequer insinuou essa intenção durante o encontro realizado na sede da CNBB. Ao anunciá-lo de forma estrepitosa e superficial, sem uma fonte de crédito, O Liberal mostra que seu propósito não é manter os paraenses bem informados, mas valer-se da informação para objetivos não declarados. Propósito semelhante ao daqueles que sonegam as informações do público ou as manipulam para tirar proveito do poder que têm. No caso do jornal dos Maiorana, essa já é uma prática rotineira e, por isso mesmo, lesiva aos interesses superiores da sociedade”.
Mais uma vez, a Vale demonstra a força de quem pode se aliar aos maiores meios de comunicação.

Mas o movimento “Justiça nos Trilhos” não se rende a esses desequilíbrios de poder e ainda acredita na eficácia da formação popular, com meios alternativos. É recente o projeto da campanha de estruturar um centro de comunicação popular na região de Açailândia (ao longo da Estrada de Ferro Carajás). Trata-se de uma rádio comunitária, criada por uma equipe de jovens e lideranças dos movimentos e comunidades de base. O grupo está se capacitando e exercitando numa leitura crítica da realidade, exatamente a partir dos conflitos, censuras e distorções da comunicação de massa. Em seguida, o centro de comunicação popular poderá expressar seu pensamento e multiplicar informações e análises da realidade não somente pela rádio, mas também através de um jornal popular (“Nossa Voz”) e da produção de pequenos documentários filmados (alguns dos quais já estão a disposição no site da campanha).

A distribuição de DVD nas escolas, comunidades, entidades e movimentos da região, associada à circulação de testemunhas e capacitadores locais, é ainda um instrumento eficaz para uma cultura alternativa e a formação de novos militantes sociais. Uma utilização experiente da web, enfim, pode divulgar a campanha e os objetivos da luta do povo, conectando em rede muitas outras pessoas e grupos interessados.

Dizia Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha nazista: “Repitam cem, mil, um milhão de vezes uma mentira... e ela tornar-se-á uma verdade”. Cabe a nós desconstruir essas ‘verdades’, envolvendo pessoalmente nesse processo de desvendamento cem, mil, um milhão de pessoas vítimas do poder mediático das multinacionais. Precisamos de ajuda!