Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

giovedì 17 dicembre 2009

A beleza do Advento

A beleza do advento está na espera, na tensão viva rumo a algo que está por vir; a vida não depende de nós para chegar, mas a nós cabe reconhecê-la e apostar nela, para que não passe despercebida e talvez nunca mais volte.

Os evangelhos do advento focam bem essa tarefa: vigilância, atitude, compromisso, tempo de arrumar nossa casa para que Deus se sinta a vontade e permaneça conosco.
Esse último domingo antes do Natal convoca duas mulheres, expertas na espera da vida, para nos deixar as últimas dicas.
De Maria e Isabel aprendemos três lições: caminhar, encontrar-se e admirar.

Caminhar: Maria caminha às pressas para visitar Isabel, assim como nosso povo nordestino gosta muito de caminhar e se visitar. Como é bonito andar nas ruas em busca do outro! E como é bonito ficar em casa esperando e sabendo que alguém está vindo te visitar!
Foi a experiência das últimas missões populares no interior: o dia todo andando debaixo do sol, com o desafio de não deixar nenhuma casa sem visita. Assim se repete a cada dia, a cada ano, a fecundação de esperança em nosso povo.
No caminho de Maria reflete-se também o caminho de dona Rosa: ela a cada mês percorre 13 Km para participar dos encontros de nossos grupos de direitos humanos. Dona Rosa perdeu uma filha de 13 anos, atropelada pelo trem de minério, que corre por cima dos direitos do povo à beira da ferrovia. A romaria por justiça de dona Rosa está semeando vigor e confiança no resto do povo: para reconhecer a vida que vem, é preciso de teimosia.

Encontrar-se: deve ter sido um vazio, misto de medo e confusão, a empurrar Maria para visitar logo Isabel. Hoje também nosso povo confuso e enfraquecido precisa muito de encontrar-se.
No começo parece ser um esforço contra corrente, mas quem supera a resistência do isolamento e individualismo sente o gosto e a beleza do encontro. Ao longo do ano, nosso povo encontrou-se nas casas muitas vezes para rezar e partilhar a Palavra de Deus, em pequenos e simples círculos bíblicos. Repetiu, nas Judéias de hoje, a irrupção do Espírito Santo nas casas das pessoas mais simples.

Admirar é deixar-se surpreender pela beleza inesperada e escondida que de repente descobrimos nos fatos da vida; é qualidade das crianças, para as quais tudo é novo e especial. Assim, a criança no ventre de Isabel pula de alegria e nos convida a reconhecer simples, cotidianos sinais de esperança. Quando junto ao povo tentamos resgatar os maiores sinais dignos de admiração, muitos apontam à resistência dos pequenos. Selma é um exemplo disso: lutadora por semanas em busca de um seu direito (a hemodiálise gratuita), ao limite físico da sobrevivência, juntou um grupo de mulheres ao seu redor. Quem cozinhava para ela, quem lavava as roupas... e quem brigava em nome dela com os serviços públicos ensurdecidos e indiferentes.
A resistência das mulheres venceu a hipocrisia de nosso sistema municipal de saúde: será Natal também para Selma, será Natal porque ainda crianças e sonhos pulam no ventre dos pequenos, que caminham, se visitam e aquecem a esperança!

giovedì 12 novembre 2009

O fim do mundo!

Há trechos no evangelho (como esse de Mc 13,24ss) que podem amedrontar pela profecia de uma aparente destruição, improvisa, da terra e da vida.
E há pessoas que, tendo assumido mais ou menos conscientemente essa perspectiva, resignam-se: estamos acabando... Nossa cultura -pensam- estragou-se definitivamente, não há mais costumes, a sociedade está indo rumo à autodestruição.
Essas pessoas vivem desapegadas, descomprometidas e desiludidas. Desanimaram-se na luta e perderam todo interesse; ou melhor: ficaram só com seu próprio interesse individual, na lógica que, “se for para acabar mesmo, melhor eu aproveitar logo; os outros que se virem!”

Mas o evangelho é sempre boa notícia, Palavra de esperança. Não proclama o fim do mundo, mas sonha com o fim desse mundo.
Quer dizer, afirma com termos e imagens fortes que há ainda muito em nossas sociedades votado à morte; é urgente mudar, regenerar a realidade.

Jesus nos desafia a interpretarmos com sabedoria os sinais do tempo. Quais são as doenças que enxergamos na realidade de hoje?
Essas doenças, alerta o Senhor, não são para a morte, não são condenação, mas chamado urgente à cura e à transformação.
“Quando os ramos da figueira ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto”. Essa é a beleza do evangelho: aproxima a uma profecia carregada de dor e destruição uma imagem tão linda de vida e esperança (brotos, ramos verdes, folhas e verão).

Procurando mais de perto para as doenças de hoje, escuta-se logo o grito sufocado da terra violentada.
Em nossas terras amazônicas, por exemplo, no último ano desmataram-se 7mil Km² de floresta. Há sinais de diminuição, mas ainda acompanhados por ameaças de morte aos defensores dos direitos humanos e ambientais, monoculturas arrasadoras que expulsam a agricultura familiar, impunidade para quem viola as regras (especialmente os mais ricos e poderosos), violência e arrogância policial contra os que clamam pelo direito à terra.

“Haverá grande tribulação, as estrelas começarão a cair do céu”: essas estrelas são muitos companheiros/as, lideranças na luta, que ainda hoje tombam ou fogem por causa da perseguição e por conta de seus teimosos sonhos.

As doenças de hoje não têm terapia imediata. Como não lembrar, porém, o importante encontro de Copenhagen, na Dinamarca? A 15ª Conferência do Clima acontecerá entre os dias 7 e 18 de dezembro e será ocasião de uma leitura atenta dos sinais dos tempos, no esforço coletivo de preservar 'o verão da vida' e permitir aos brotos de continuar a germinar.
Os maiores líderes mundiais vão tentar fechar um acordo que irá substituir em 2012 o Protocolo de Kyoto (compromisso de preservar o meio ambiente firmado entre 84 países).

“Esta geração não passará até que tudo isso aconteça”: realmente há mudanças urgentes, que devemos fazer acontecer agora.
Cabe a nós escolher entre o fim desse mundo... ou o fim do mundo!

giovedì 29 ottobre 2009

Ao mercado dos sonhos, a Vale perde cotações

Vivo em Açailândia, Maranhão. Dizem que é uma terra abençoada pelo desenvolvimento, mas nesses meses de crise nosso povo também está migrando, cada vez mais para oeste. Muitos tentam a sorte em Marabá ou Parauapebas, a casa da Vale.
Estivemos lá para tentar entender porque nosso povo se muda para aquelas regiões, em busca de que, com que sonhos... e que resultados.

Parauapebas cresce a cada três dias, quando chega o trem passageiros da Vale. Das pessoas que descem cada vez, uma média de 40 veio já convencido de ficar, enquanto um número bem maior irá pesquisar e, provavelmente, permanecer.
Assim, a cidade cresce com um ritmo de 22% ao ano, mais do que a China!
Logo um dado esclarece quem foi que chamou todo esse povo: nos últimos 12 meses a Vale gastou R$ 178,8 milhões em publicidade. Uma propaganda que dá orgulho ao Brasil, mas ilusão para muitos sonhadores em busca de trabalho e vida!

Onde é semeado o sonho de quem vem a Parauapebas em busca de futuro? Nos primeiros 10-20 dias o povo fica em casa de amigos ou parentes; logo depois muda para bairros de invasão, nas periferias. Fomos lá: morros enlameados com dezenas de casas penduradas até o próximo inverno, quando com certeza muitas irão cair. Palafitas unidas por pontes de madeira podre, em cima de água parada onde o povo faz também suas necessidades. Poços de água rasa que pescam da mesma fonte onde há descargas...

Há muito dinheiro pelas royalties da Vale nesse município. A administração precisa aplicá-lo com respeito e prioridade absoluta para com esses últimos da terra.
Há muito brilho na imagem da Vale. A empresa precisa se ocupar mais desse povo, que tem mais valor de qualquer minério ou projeto de desenvolvimento.

giovedì 15 ottobre 2009

Servos sim, escravos não!

“Escravo nem Pensar!” foi o lema que trouxe uma centena de lideranças até Açailândia (MA). Era a caravana interestadual contra o trabalho escravo, atualização bem arquitetada da escravidão do passado.
O evangelho desse domingo, porém, traz palavras aparentemente contraditórias: “Quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos”.
A história da Bíblia inteira é uma longa e teimosa caminhada pela libertação de um povo escravo; o próprio Jesus assumiu isto como cerne de sua vida: “O Espírito do Senhor está sobre mim, (…) enviou-me para proclamar a libertação aos presos, (…) para libertar os oprimidos” (Lc 4).
Por que, então, Jesus usa essas palavras hoje?

Estamos no momento mais difícil da vida de Jesus: ele acabou de anunciar por três vezes que será preso, torturado, condenado e morto. O Senhor está buscando apoio dos seus discípulos; nesse momento de fragilidade, precisa que o grupo permaneça muito unido ao seu redor.
Ao contrário, mais uma vez Jesus descobre que a conversa dos discípulos é bem outra: sentindo que se aproxima o momento final, em que o Cristo se manifestará como rei da história, os doze querem se garantir um pedaço dessa história e reinado. Quem é o maior? Quem terá direito de governar com o Messias? Quem pode ficar à direita e esquerda dele?

Nesse momento delicado, Jesus percebe não só que está sozinho, sem a compreensão dos outros, mas também que até agora não conseguiu ensinar nada aos doze: eles continuam na lógica do poder, da opressão e da competição.
Não adianta continuar a falar em palavras, o único jeito para que eles entendam é ir até às últimas consequências de sua atitude de Serviço à Vida.
Com paciência, Jesus repete o centro de sua mensagem de vida: “O Filho do Homem veio para servir e dar a sua vida”.
O esforço constante de Jesus é para que nós entendamos a diferença entre servo e escravo. Somos chamados a ser servos da vida, para que nunca mais haja escravidão!
O servo é aquele que se coloca por último, ao lado dos mais excluídos, sem que ninguém fique debaixo dele. Daquele ponto de vista, o servo entende quanto seja necessária a libertação dos escravos, das vítimas de muitas formas de opressão.
Servir é uma opção de vida: em qualquer momento, em qualquer lugar, eu assumo a posição dos menores, dos mais fracos. Falo, penso e decido a partir da situação de vida deles. Tenho a coragem de chegar até as últimas consequências com eles.
“O que quereis que eu faça?”, pergunta Jesus. Cabe a nós responder se queremos um Deus que nos promova e se ocupe só da gente, ou se somamos com um Deus preocupado para que todos tenham vida, e vida plena!

mercoledì 30 settembre 2009

Chamavam-se Maria

Conheci Maria Bernardina no hospital. Custava a respirar, exalando lentamente, um atrás do outro, os seus 95 anos.
Poucos dias depois ligaram para que eu abençoasse o corpo dela, antes da despedida. Chego e encontro somente três pessoas ao seu redor... poucas demais, pelos muitos anos em que amou e serviu!
Aproveito para escutar a história dessa mulher: foi casada aos 12 anos com um homem adulto, escolhido para ela pelos pais. Máquina de sexo e filhos, Maria logo pegou sífilis.
Concebia e paria uma criança atrás da outra, mas por causa da doença elas nasciam deformes, com graves problemas, e morriam logo nos primeiros dias.
Por quinze vezes foi assim, até encontrar um médico que teve mais cuidado e competência; graças a Deus e a ele, os últimos cinco filhos sobreviveram.
Maria amava rezar o terço: acho que repassava as 'Ave-Maria' como as gotas de vida e de dor de seus vinte partos.

No mesmo dia, tarde à noite, mais uma ligação. Morreu Maria Luiza, é preciso que um padre venha para 'batizá-la' (para os pobres realmente a fé é o único sustento, mesmo se simples, popular, talvez ingênua...)
Alcançar a casa de Maria Luiza é difícil, no escuro da rua estreita e escorregadia, na periferia da cidade. Algumas tábuas no chão tampam os buracos do quintal, um sofá arrumado às pressas fora de casa recebe com carinho as visitas de quem não couber dentro de casa.
Lá na porta muitos abraços... mas quanta tristeza quando, de repente, abrindo-se o espaço, dá para ver no meio do quarto silencioso o pequeno caixão cor de rosa...
Nove meses na barriga da mãe, tempo de uma longa espera em que se cultivam sonhos, projetos, expectativas. Logo depois, o trauma de horas de hospital: a pequena parece não querer sair, os médicos demoram a fazer o cesariano.

Cada cirurgia custa tempo e incomoda, há muito percebemos essa resistência dos médicos: muitas mães ao nono mês preferem correr para o outro hospital, 70 Km mais longe. O perigo é que nossa maternidade, em lugar de ser o berço da vida, se torne uma usina de morte!
Às vezes imaginamos que os médicos se conformam, “pois os pobres não levantam a voz... e, no caso, têm como rapidamente fazer mais um filho”.

Chamavam-se Maria.

Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta

Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonhos sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida.

(Milton Nascimento)

mercoledì 16 settembre 2009

O que passa em teu coração?

Comentário ao trecho de
Mc 9, 30-37


Às vezes ficamos por horas na parada do ônibus, na fila do banco ou do posto de saúde; nesses casos, me invade a tentação de passear pelas cabeças e os corações de todas aquelas pessoas juntas no mesmo lugar.
O que estão pensando? O que estão sentindo?

Com certeza deve ter um emaranhado de paixões, projetos, medos, fragilidades, esperanças... muito disso permanece fechado dentro de cada indivíduo, inexpresso e confuso.

Numa certa altura, no evangelho de Marcos, Jesus sente a necessidade de isolar-se com seus amigos e amigas e aprofundar as relações dentro do grupo, com uma releitura dos acontecimentos vividos até o momento.
Ele não queria que ninguém soubesse para onde iam, pois era preciso dar um passo mais fundo nas motivações que animavam cada companheiro/a de caminhada.
Isso também se faz necessário para cada um: exigir de nós mesmos o tempo e as condições para sair um momento da história de vida e de luta e nos perguntar: “Por que estou fazendo tudo isso?”

Marcos também para e observa o grupo que caminha, descrevendo o que cada pessoa sente e pensa em seu profundo.
De um lado temos Jesus, pressentindo o futuro, intuindo para onde leva sua radicalidade de atitudes e palavras. O mestre tem uma visão histórica e ampla da situação, sabe interpretar os eventos.
Em seu caminho não perde a sensibilidade do dia-a-dia, a atenção para com os companheiros, mas também mantém os olhos fixos sobre o horizonte e enxerga com clareza os objetivos e o itinerário necessário.
Orienta-se no labirinto das diversas possibilidades, compreende o sentido de suas escolhas e define o que quer na vida, até o fim. Sabe que, se for fiel aos valores assumidos desde o começo, a morte não será a última palavra: “o Filho do Homem ressuscitará”. Esse estilo de vida, esse jeito de ser radicalmente humano e decidido não pode morrer: vai ser entregue em herança aos discípulos.

Já, os discípulos... Marcos presta atenção também ao que passa no coração deles, durante a caminhada. Os pensamentos deles são bem mais limitados e de curto alcance: “quem é o maior entre nós?”
Há um abismo entre a visão lúcida, cheia de esperança de Jesus e as “curtas paixões” dos discípulos. Eles procuram interesses instantâneos, não orientam suas escolhas a partir de valores maiores, buscam sucesso, apreciação, crescimento rápido e retorno imediato.
Que contraste! Não é contraste entre Deus e os homens e mulheres: são duas propostas diferentes de conduzir nossa caminhada histórica, bem aqui na terra!
Cabe a nós construir passo a passo uma vida pautada por grandes horizontes, alimentada por uma leitura sábia e experiente da existência, ou... deixar-nos conduzir pelas curtas paixões que satisfazem somente a fome de cada dia.

Às vezes, olhando para a invasão do dito 'progresso' de nossas regiões no norte do Brasil, vejo quanto isso se parece ao pensamento pobre e imediato dos discípulos: suas palavras de ordem são crescimento, sucesso, lucro, mais e mais. Jesus nos alerta que não é esse o caminho que garante a vida e a ressurreição.

giovedì 10 settembre 2009

Missionário porque?

Conhecia um outro Brasil: passei quatro anos na megalópole de São Paulo, vivendo na periferia com o povo simples, sofredor, vítima da violência urbana, do medo e do desemprego. Sonhei com as Comunidades Eclesiais de Base nos bairros, trabalhei com crianças e adolescentes em conflito com a lei.
O coração de um missionário é populado de gente e de histórias; quando chegou o dia de sair e deixar o povo caminhar, algo também se rasgou no coração. Por essas feridas passa a saudade, sentimento bonito e dolorido que mistura memória, amizade, distância, desejo de re-encontro, sonho, aprendizado a partir dos erros passados e... vontade de recomeçar, talvez com novos erros!
Deixei o Brasil com a promessa de voltar logo; e assim foi.

Dessa vez, porém, a destinação era bem diferente: Açailândia, profundo interior do Maranhão, no nordeste desse País-Continente. As perguntas se amontoavam na cabeça: o que vou encontrar lá? Estarei à altura das expectativas? O povo tem o mesmo jeito dos meus amigos do sul do Brasil?

Já ao chegar tive a primeira resposta: dez horas de trem quente e supercheio viajando com dezenas de paradas de São Luís até Açailândia. Quilômetros e quilômetros de chão livre, grandes fazendas, povoados bem pobres com casas de barro e telhado de palha: aqui não é São Paulo!
Na estação, o por-do-sol esticava as sombras de poucas plantas magras e altas: o trem me descarregou num lugar deserto, afastado da cidade. Desci e parei, sozinho. Essa é minha nova terra; silenciosa, vasta e misteriosa, carregada de perguntas que senti pesar sobre mim todas de uma vez. “Missionário: você veio para quê?”
É a pergunta que continuo me repetindo dia após dia: o que significa, hoje, aqui, ser missionário?

Aquela terra já falava em seu silêncio sofrido, me dei conta disso poucos meses depois.
Uma região que perdeu a palavra e a identidade: era o portal da Amazônia, mas toda árvore acabou derrubada no chão para deixar espaço ao gado; ainda tem, pontuando os pastos de capim, muitos tocos enormes de árvores ceifados. Só fica o cheiro de queimado e um silêncio ensurdecedor: “O que fizeram da irmã natureza?” - parece perguntar...

Por isso, de lá para cá, nos esforçamos de construir uma comunidade cristã atenta à defesa dos direitos humanos, especialmente o direito ao meio ambiente.
Tentamos ler e proclamar o evangelho mostrando quanto ele nos convide à preservação da vida. E toda vez que anunciamos alguma coisa, estamos também denunciando outras, às vezes criando conflitos.
Uma pergunta grande desde essas terras feridas, por exemplo, é a respeito do desenvolvimento: o que significa crescimento? Que tipo de progresso queremos? O que desejamos e vamos entregar para os nossos filhos?
Ao fazer essa pergunta, nem sempre somos bem recebidos: ao denunciar a violência da maior mineradora de nossa região, a Vale, fomos caluniados por artigos de jornais evidentemente do lado da grande multinacional.
Em alternativa, há a estratégia cativante das firmas que querem vender bem sua imagem: quando começamos a criticar as siderúrgicas de nossas regiões pelo impacto ambiental que causam, logo no mesmo dia o dono nos ligou e convidou para conversar com ele, se justificar, explicar que está fazendo todo tipo de esforço...
Frente a esses conflitos, aprendemos que não pode-se avançar sozinhos. Está no DNA de um missionário comboniano: a transformação acontece e o evangelho 'pega' somente onde há protagonismo popular, onde todos e todas se sentem parte de um processo lento de regeneração da vida, das relações.
Assim, o missionário seria com a agulha que passa e repassa um sutil fio de costura entre as pessoas e os grupos, caminhando de uma comunidade para outra, fortalecendo lideranças, unindo a fé com a vida. Um fio de costura que atravessa e une a necessidade de sagrado, de consolo, de paz interior e relação com Deus com a luta apaixonada para que esse mundo seja 'a medida do sonho de Deus'.

Foi o que aconteceu com a comunidade de Califórnia, um assentamento de camponeses que tomaram a terra de um grande fazendeiro que não tinha posse legal. Os assentados conservaram o nome da fazenda Califórnia, talvez para não cancelar o marco simbólico da colonização de nossas terras. Mas outra colonização estava prestes a chegar: pouco depois de construírem suas casas e cultivarem a terra, chegou mais uma vez 'a gigante', a Vale, e instalou bem atrás do povoado 72 fornos industriais para produzir carvão e alimentar as siderúrgicas.
O conflito passou da terra para o ar: de nada adianta possuir o chão, se alguém mais controla e polui o ar por cima dele!
De repente, como missionários, fomos desafiados a acompanhar essa comunidade não mais somente com a missa e a catequese: a urgência e a necessidade do povo era outra.
Nosso testemunho do evangelho passava por atitudes de parceria na luta contra gigantes (logo nos lembramos daquela passagem profética que garante que todos os poderosos têm os pés de barro... e mesmo se ainda não conseguimos derrubá-los, isso nos dá esperança e resistência!).
As nossas celebrações começaram a ser bem mais concretas, na homilia e no diálogo com o povo trazíamos ao altar os problemas, as derrotas e as vitórias no confronto com a grande multinacional. As pessoas sentiam que Deus estava do lado delas e tomavam coragem (as vezes até demais, como naquele dia em que, não aguentando mais, atearam fogo em algumas toras de eucalipto da empresa e bloquearam a rodovia!).
Assim, costurando a oração e a luta, os pequenos conseguem se fazer escutar: no caso de Califórnia, a empresa fechou metade de seus fornos para limitar a fumaça e não quebrar as relações com o povo.

Conseguirão essa rede frágil e esses fios sutis de costura e resistência aguentar o impacto e a pressão dos poderosos?
O sonho de Deus vai se traduzir numa realidade de maior respeito da vida, de cuidado e de ternura entre nós e com a natureza?
São as perguntas de cada manhã e de cada noite, que um missionário entrega ao Pai com humildade e grande esperança.

lunedì 24 agosto 2009

Trabalho sim, Poluição não!

Carta aberta à cidade de Açailândia e às autoridades
sobre a nova aciaria em construção no Piquiá

A sabedoria popular de nossa gente ensina que o passado é lição de vida para trilhar o futuro de um povo.

Somos moradores da periferia de Açailândia, chegamos no Piquiá quando ainda tudo era um açaizal, rios e córregos cartão postal da cidade: trinta, quarenta anos atrás. Tempos depois, as empresas siderúrgicas implantaram-se ao lado de nossas casas.
Prometeram trabalho e desenvolvimento, mas com isso trouxeram também poluição e morte.
O povo mais humilde tinha um maravilhoso local de lazer, o Banho do Tito, que também foi fechado para a indústria, sem oferecer alternativas.

Somos sindicatos e movimentos defensores dos direitos humanos, trabalhistas e ambientais na cidade e região; há muitos anos acompanhamos, entre outros, o conflito no Piquiá em busca de dignidade de vida e moradia.

Somos uma Paróquia, comunidade de comunidades, há vinte anos comprometida com a justiça, a paz e a integridade da criação na região de Açailândia. Celebrando e visitando o povo, tocamos com mão as consequências do desrespeito da legislação ambiental por parte dos empreendimentos industriais no Piquiá.

Nos perguntamos: até quando a sede de trabalho e a necessidade de sobrevivência manterão o povo refém desse modelo de desenvolvimento que destrói o meio ambiente?

Será que não é possível um modelo de produção industrial em que trabalho e respeito à vida caminhem juntos, mesmo se fosse necessário reduzir de um pouco os enormes patamares de lucro alcançados até agora pelos donos das empresas?
Para nós, progresso é quando todos e todas ganham, quando o direito a uma vida saudável e digna é respeitado, quando o ser humano é posto em primeiro lugar e, harmonizado com o meio ambiente, é capaz de repassar às gerações presentes e futuras valores éticos e morais.

Depois de vinte anos de difícil convivência com as siderúrgicas (ainda sem filtros de manga nem tratamento das águas de defluxo), chega agora a notícia da implantação em nossa região de uma aciaria (firma para a produção de aço).
Que bom! Verticalizar a produção, valorizar nosso trabalho e nossos recursos sempre foi um objetivo comum.

Estamos porém muito preocupados e inquietos, com as seguintes grandes duvidas, às quais ninguém até agora deu resposta:

- Por que antes de investir em novos empreendimentos que terão mais um impacto ambiental não se usou parte do investimento da aciaria para minimizar a poluição dos altofornos, instalar filtros anti-partículas, canalizar e reutilizar a água do resfriamento, reter a poeira da trituração do material, transferir o depósito do “pó de balão” em lugares protegidos e distantes das casas?

- Qual será o impacto da aciaria sobre nossas famílias e cidade? Não queremos ser vítimas, mais uma vez, de novos gigantes poluidores além dos catorze altofornos descontrolados das siderúrgicas!
Juntamente a essa carta aberta, nossas entidades entregaram ao Ministério Público o pedido para a convocação de uma audiência pública na qual possa ser detalhado para o povo o impacto ambiental da aciaria e as condicionantes assumidas no licenciamento ambiental para o funcionamento da mesma.

- O Poder Público tem um projeto político e urbanístico para a gestão desses novos implantes industriais? Qual será o impacto dessa e de outras indústrias sobre as casas e a rede viária de Piquiá e Açailândia? Que tipo de formação está sendo prevista para que nossos trabalhadores possam ter acesso às vagas de trabalho e os empreendimentos sejam genuinamente açailandenses, e não (mais uma vez) dependentes de pessoal especializado vindo de fora?


A história nos mostrou quanto é sofrida a convivência com as siderúrgicas. Não queremos esperar mais para exigir nossos direitos.

Seja bem-vinda a aciaria, mas com garantias seguras de respeito para o meio ambiente, com imediatas providências contra a poluição das siderúrgicas, com solicitude no processo de deslocamento do povoado de Piquiá de Baixo para uma nova terra e dignidade de moradia.


Paróquia São João Batista
Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos
Sindicato dos Metalúrgicos
Associação dos Moradores de Piquiá
Centro Comunitário Frei Tito
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
Sintrasema
Sindimotaa
Associação Rádio Comunitária Açailândia

lunedì 10 agosto 2009

Uma mulher assim não pode morrer!

Festa da Assunção de Maria

No Fórum Social Mundial recebi uma camisa com o rosto de ir. Dorothy; muitas vezes a visto com orgulho no dia-a-dia das relações com o povo. Percebi que também as pessoas mais anônimas, com comentários inesperados, reconhecem o rosto dessa mártir da Amazônia e quase a cumprimentam com palavras de respeito e dignidade.
Dorothy não morreu, é evidente. Como pode morrer um sinal de esperança, uma companheira de luta? O povo não deixa!

Maria é modelo de todas essas mulheres e testemunhas.
Em Maria, Deus nos garante que a vida faz sentido até através da morte... e que realmente quem vive por Deus nunca morrerá. A assunção é isso: garantia que a gente não morre!

Por que Maria, Dorothy, Margarida e muitas mártires e testemunhas não morreram? É a pergunta mais importante, pois cabe a nós também tentar imitá-las.
Não morreram porque foram pessoas grávidas. Essa é a mensagem do evangelho: quem for grávido de vida não vai morrer nunca.

As leituras desse domingo confirmam: “Apareceu uma mulher vestida como o sol, estava grávida e gritava entre as dores do parto” (Ap 11).
“Isabel exclamou com um grande grito: a criança saltou de alegria no meu ventre” (Lc 1)
Há perfume de gravidez nesses breves trechos, vibração de vida em contínua concepção.

Entre nós também podemos distinguir pessoas estéreis, que vivem somente por si, e pessoas grávidas, que procuram a cada dia conceber novas formas de vida na rede de suas relações.
Somos grávidos quando damos espaço à criatividade, à intuição, à busca de alternativas para que o povo possa crescer e viver dignamente.
Somos grávidos quando vivemos inquietos, preocupados para que vença a vida, fincados na opção fundamental da defesa dos pequenos. Os grávidos não vão morrer, Deus a cada dia os 'assume' na sua mesma opção pela vida.

E Maria, com seu canto, vai além: “Doravante todas as gerações”, entoa. Doravante ela sente de não poder viver mais sozinha: dentro dela vivem gerações de pessoas; Maria se sente mãe de todos os viventes, e o grito de seu parto é o canto dos humilhados, dos famintos, dos humildes.

Maria é mulher-povo que ensaia, em comunhão com todos os sonhadores de vida, o grito de muitas ressurreições cotidianas, feitas de resistência, de esperança, de pequenos nascimentos e de corações grávidos.

Assim nós desde já podemos fazer experiência de 'assunção': Deus que nos assume em si, nos confirma, garante que a vida vai bem além de nossa pequena existência.
Nós também podemos aprender, com Maria, a hospedar gerações dentro de nós. Há pessoas que vivem sozinhas consigo mesmas, e essas morrem logo. Há outras que acolhem dentro de si muita gente: sentem em todo momento a preocupação e o cuidado para com a vida de outros. Logo que conhecem um grupo ou uma situação, assumem seus anseios e lutas, convivem com a história dos demais, nelas existe um 'nós' rico e plural. Essas pessoas sobrevivem à sua própria morte. Desde já, com Maria, nos mostram que a vida é maior de nosso eu.

Romaria da Terra e da Água: mãos à obra!

Emprego ou saúde? Há vinte anos, os trabalhadores das siderúrgicas de Açailândia, extremamente poluidoras, encontram-se obrigados a decidirem entre o meio ambiente e o desenvolvimento.
Em Caixias o veneno despejado nos imensos canaviais acaba contaminando os rios da região. A polícia faz batidas nos povoados só para averiguar que o povo não coma os peixes mortos que boiam nas águas poluídas, nem que as crianças tomem banho. A segurança está garantida!
Balsas: grossas correntes puxadas por dois tratores arrasam com tudo o que estiver de pé; a soja domina o horizonte, mais uma cor verde para os desertos do Maranhão...

São somente alguns dos gritos da terra e do povo de Deus reunido no seminário de Codó (MA), preparando a décima Romaria da Terra e das Águas: “Um clamor de justiça”.
A Palavra de Deus orienta o debate: “A própria criação espera com impaciência a manifestação dos filhos de Deus. (...) Sabemos que a criação toda geme e sofre dores de parto até agora” (Rm 8).
Os seres vivos olham para a humanidade, irmã maior na criação de Deus, esperando que revele finalmente seu coração compassivo e reconheça que nunca foi filha única do Senhor da Vida.
A natureza está à nossa espera, mas não pode esperar muito mais. É preciso deixar nascer o novo, antes que as dores do parto sufoquem-se num aborto.
De todos os cantos do Maranhão, homens e mulheres convocados ao seminário sentem-se enviados de volta a suas comunidades, para engravidar o povo na conscientização, levantar forte o grito de dor e esperança e parir juntos a justiça socioambiental.

A análise de conjuntura é ampla e enfrenta temas urgentes nesse Maranhão machucado pelo desenvolvimento.
O agronegócio é chamado de 'agrobanditismo', pela violência da monocultura, a poluição e o saque das águas: 70% da água consumida pela humanidade é sugada por esse modelo extensivo de agricultura. Em 2009 o Governo destinou R$ 421 milhões do PAC somente para a irrigação, voltada aos grandes projetos. Em várias regiões do Maranhão, ao conjugar o verbo “sugar”, o povo responde brincando “Eu-calipto, Tu-caliptas...”
O Fórum Humanitário Global (presidido por Kofi Annan) declarou no mês de Junho que 300 mil pessoas morrem a cada ano por consequências diretas das mudanças climáticas, enquanto 325 milhões sofrem pelas suas consequências indiretas. Tudo isso nos custou, em 2005, 200 bilhões de dólares! A crise é sistêmica, estrutural: estamos prejudicando as próprias bases da sobrevivência!
Os poderes constituídos são funcionais a esse sistema, quando não são diretamente por ele controlados: por exemplo, somente a Companhia Vale do Rio Doce está lucrando nesses anos cerca de 3 vezes o dinheiro a disposição do Governo do Estado do Maranhão! A desproporção mostra quem, de fato, manda em nossas terras.
O próprio poder do judiciário é apelidado de “prejudiciário” pelo povo vítima das decisões injustas de juízes que apoiam os colegas fazendeiros ou confirmam a regra comum da impunidade.
Um poder podre, que protege os correligionários, como no caso recente do juiz Marcelo Baldochi acusado de trabalho escravo e grilagem, mas 'justificado' pelos colegas desembargadores.
O povo se pergunta: “O que é legalidade? A qual lei é justo obedecer?”
O Tribunal do judiciário é um movimento articulado nas quatro regiões do Maranhão para colocar os juizes do outro lado da mesa processual; um poder aparentemente intocável vai ser avaliado pelo povo ao longo dos próximos meses, até o julgamento definitivo em São Luís, em dezembro.

Na análise do seminário pela terra e pelas águas do Maranhão, a luta é impar: é verdade que todo gigante tem pés de barro, mas mesmo assim é extremamente difícil enfrentá-lo.
O primeiro passo, essencial, é identificar o conflito, esclarecer os nomes desses gigantes e assumir coletivamente o embate: não é suficiente refugiar-se em pequenas experiências alternativas e escondidos nichos, ecologicamente corretos. A ecologia está na moda e as grandes firmas são as primeiras a vestir a camisa de uma aparente preocupação 'verde'. Mas vem delas esse consumo violento de recursos, energia e pessoas: veja-se, por exemplo, até só o desmatamento para a produção de carvão vegetal, em função do ferro-gusa: em 2007 o Brasil derrubou para isso 400 milhões de árvores, metade das quais eram mata nativa.
Ou enfrentamos diretamente esses gigantes, ou continuaremos a silenciar nossas consciências com poucas miúdas práticas isoladas.
As duas próximas campanhas da fraternidade (Economia e Vida em 2010 e Mudanças Climáticas em 2011) serão a pauta de reflexão e reação das comunidades e dos movimentos, visando um enfrentamento consciente e corajoso.
Em 2010 haverá também outro instrumento importante para o enfrentamento do agro e hidronegócio: a campanha pelo limite da propriedade da terra, lançada por igrejas, sindicatos rurais e CUT. A reflexão e a agenda estão postas: mãos à obra!

mercoledì 15 luglio 2009

Amizade

Uma leitura de Mc 6, 30-34
Há uma chave que abre os textos da Palavra de Deus. Às vezes a gente lê e volta a ler, sem que o Evangelho nos diga muito... e de repente encontra-se uma chave que desvenda um sentido novo e rico.
O mais interessante é que essa mesma chave abre também nosso coração, revela necessidades, sentimentos, sonhos ou intuições talvez inconscientes e escondidos, que a Palavra de Deus 'cotucou' e despertou. É nesses casos que sentimos a Bíblia tão perto de nossas existências, fio de costura de nossas ações e escolhas.

Minha palavra chave, no texto do Evangelho desse domingo, é “Amizade”.
O trecho imediatamente antecedente narrava a perda de uma grande referência para Jesus: João Batista condenado e executado brutalmente. É o momento em que Jesus cai em si, entende que chegou a sua hora, endurece o coração e se decide a enfrentar até o fim a cumplicidade entre hipocrisia e violência no poder religioso/político.
Mas, dentro de si, Jesus deve ter sentido frio e uma grande necessidade de amigos, companheiros, apoio.

Bem nessa hora os discípulos voltam da missão, celebrando a beleza de um envio de dois em dois, o orgulho de uma missão cumprida, o desejo de partilhar as coisas boas com o amigo e mestre que os enviou. E Jesus os convida a ficar um pouco sozinhos, num lugar deserto, para fortalecer nos laços de amizade tudo o que a vida ensinou e renovar alianças para enfrentar a injustiça.

Quanto fazem falta, às vezes, momentos como esse, de verdade e profunda humanidade, em que a gente renova o compromisso, desce até as motivações mais íntimas e verdadeiras de nossas escolhas e descobre que são as mesmas que animam nossos amigos!
Esses elos são mais fortes de qualquer decepção, de toda violência que a realidade pode cuspir em nossa cara. Mais resistentes da distância que nos separa ou do tempo que tenta apagar os marcos de referência de nossa vida.
Se conseguimos manter viva essa ligação profunda com nossos amigos, criar e recriar ocasiões e espaços para que ela se cultive e desenvolva, iremos nos “salvar” (que é o contrário de se perder, desorientados na correria sem rumo das urgências da vida ou na rotina acinzentada do dia-a-dia).

Trata-se uma necessidade coletiva, pelo que segue no texto do evangelho: “muitos os viram partir e correram a pé em busca deles”. Nesse trecho Marcos não relata de doentes em busca de cura ou endemoninhados procurando libertação: só fala de gente procurando um rumo, ovelhas sem pastor sedentas de palavras de vida, ilhas em busca de relação e compaixão (que é a capacidade de “sentir juntos” o que é mais profundo).
Na grama verde daquele lugar, Jesus mandará todos sentar e formar grupos para a partilha; a tarde toda, ensinando, dirá que sua religião não é mais de servos, hierarquias, obediência e temor, mas de amizade, utopia, aliança de sangue e paixão.

martedì 7 luglio 2009

Na casa do gigante dos pés de barro

A Vale em Parauapebas

Parauapebas, sudoeste do Pará, ponto de partida para os 892 Km da Estrada de Ferro Carajás.
Os moradores das redondezas apelidaram a cidade de 'Peba', mais familiar e simples. Estamos no coração dos investimentos da Vale: o ferro de Carajás, o níquel do Vermelho, o cobre do Projeto 118, as minas de Sossego (Canaã), Cristalino, Serra Pelada e Serra Leste (Ourionópolis), Salobo no município de Marabá e o projeto da Serra Sul.
Um radialista da região descreve assim essas terras: “Rios de leite e ribanceiras de cuscuz”, aparentemente o novo Eldorado para centenas de milhares de migrantes. Mediamente 300mil pessoas por ano desembargam pelo trem da Vale no município de 'Peba': são maranhenses, piauenses, goianos, em busca de trabalho e sorte.
“A cidade está imbuchando”, é a expressão na boca de muitos. Já existem em Parauapebas 40mil famílias sem casa, alojadas em ocupações, morros, áreas de preservação permanente...
Prevê-se que em cinco anos a cidade chegue a ter um milhão e meio de habitantes, mas desde já falta saneamento básico e abastecimento de água. Marabá apresenta os mesmos problemas, amplificados. E o minério, única fonte de renda da região, garante em Carajás os próximos 200 anos, mas nas outras minas um tempo bem menor (de 15 a 40 anos).
O povo comenta: “Estamos carregando um bomba a relógio debaixo de nossos pés”.

Também o trabalho não é propriamente o Eldorado, para quem o consegue: a Vale oferece 26mil vagas de trabalho, das quais somente 4mil são empregos diretos: terceirizar é a solução para evitar à Companhia o peso dos processos trabalhistas (hoje mais de 7000 só no Município de Parauapebas!).
As condições de trabalho são infra-humanas: as pessoas acordam antes das cinco de madrugada (o deslocamento é demorado e, sobretudo no inverno, muito difícil) e voltam aos alojamentos somente à noite; alguns trabalham em turnos, tendo que dormir durante a tarde em quartos de 3x4 metros, com outras três pessoas, debaixo de forro baixo e telhado de eternit. No mês de Junho um grupo de trabalhadores exasperados ateou fogo a um desses alojamentos, protestando contra condições insuportáveis.
Além disso, nesse tempo de crise a Vale demitiu na região 6mil pessoas e a Prefeitura outras 2mil. O gigante começa a mostrar seus pés de barro.

O encontro dos afetados por mineração no sudoeste do Pará (3-5 de julho) juntou vários grupos e movimentos desse extremo da Estrada de Ferro de Carajás; o sentimento comum era preocupação, medo, urgência da articulação e mobilização. Vários chegaram a definir as práticas da Vale como “terrorismo” em relação às populações locais: os novos projetos de mineração na região estão construindo estradas, desviando outras, isolando povoados e famílias, cobiçando a terra dos pequenos agricultores.
Em muitos casos as famílias são conquistadas com indenizações baratas, convencidas a vender suas terras e encontradas, meses depois, a varrer ruas no centro de Parauapebas. Há desproporção entre os meios da Companhia e a resistência do povo: em qualquer encontro público a Vale leva dois ou três advogados e manifesta explicita ou implicitamente seu controle geográfico, econômico, político, mediático e sua fortíssima influência sobre o próprio sistema jurídico.
Em Cristalino, por exemplo, o processo de desterritorialização mexe com famílias que moraram na região por mais de vinte anos: há raízes cortadas violentamente, sem falar da dificuldade de encontrar novas terras para reassentar coletivamente as famílias deslocadas.
Em Sossego, as explosões para abrir novas crateras no chão afetam os moradores da área: rachaduras nas casas, cheiro de química no ar, poluição da falda aquífera, estresse dos animais, sem falar das inundações devidas ao acúmulo dos materiais de sobra.
Em Salobo uma nova vila de trabalhadores acolherá mais de 3mil homens ao lado de um povoado pobre de assentados: já se prevê o crescimento imediato de prostituição infantil, violência, álcool e drogas. A Vale investiu qualidade e dinheiro na construção da vila para seus funcionários de alto escalão, mas nenhum centavo foi destinado à melhoria das condições do povoado próximo. Ao contrário: para a implementação do projeto Salobo foi necessário derrubar trezentos castanheiras na área do povo indígena Xikrin, que vive primariamente de extrativismo vegetal.
Em Ourionópolis a Vale mudou a posição de um marco geodético (marco SL1) para poder englobar em seus projetos de exploração minerária mais uma área (1.800 x 10.000 metros) de direito dos garimpeiros.
Muitos outros exemplos levam o povo à saudade do tempo em que ninguém cobiçava suas terras: até 50 anos atrás, na região só moravam indígenas, extrativistas e posseiros. Foi o golpe militar que proporcionou investimentos fortes nas terras do sudoeste paraense, abrindo o caminho aos madeireiros, latifundiário e ao monopólio da mineração.
A sucessiva recuperação das terras através parcelas de reforma agrária na região parece ser somente funcional ao sistema: os pequenos agricultores abrem caminho, desmatam e limpam as terras, logo o grande capital volta a recuperá-las juntando aos poucos os cacos de seu grande mosaico de conquista. Desde os anos '60 o mapeamento minerário da região evidenciou onde vale a pena investir: é só questão de tempo, e todas as terras mais preciosas voltarão nas mãos do sistema do saque.
É urgente, portanto, recuperar o controle sobre o território, reforçar as alianças entre movimentos, estudar estratégias de conjunto, levantar o nível do conflito e divulgá-lo para cima do silêncio da mídia convencional.
A campanha Justiça nos Trilhos junta-se à articulação local em função de um novo projeto de desenvolvimento na região, que garanta vida e respeito das pessoas, do meio-ambiente e do futuro de nossas terras.

mercoledì 17 giugno 2009

Vamos para outra margem!

Jesus convida os discípulos a desafiarem a cultura do tempo, mudarem a situação dada, atravessar as divisas e chegar ao outro lado do mar de Galileia, na Decápole, terra de estrangeiros. Para um hebreu misturar-se com os estrangeiros, pagãos da outra margem, significava contaminar-se e trair sua própria identidade.
Hoje também muitas divisas e barreiras limitam nossa visão e paralisam nossos gestos de amor: celebramos dia 20 de junho o Dia Mundial do Refugiado, mas ainda hoje muitos Países ditos 'desenvolvidos' levantam cercas para se protegerem dos estrangeiros, dizendo para eles “Voltem para sua margem!”.
Ao mesmo tempo, outras 'migrações' se fazem urgentes para nós e nossos estilos de vida: há anos gritamos que um outro mundo é possível, mas quantos de nós já entraram no barco para navegar efetivamente até a outra margem, outro modelo de vida e desenvolvimento, feito de economia solidária, pegadas leves no impacto ambiental, valorização da produção local, da cultura dos povos, da participação na gestão dos bens comuns?
Há uma outra margem econômica, cultural, política que nos espera, mas ainda a preguiça, o medo ou o interesse nos mantêm bem aquém daquilo que Deus aponta com paixão.
Muitas vezes a própria igreja parece mais um clube de amigos no solzinho da praia e deixa de enfrentar corajosamente a travessia e teimar na transformação...

É verdade que ir à outra margem custa, é perigoso e violento. Os discípulos sabem bem disso, seu medo é compreensível; hoje também o vento e a tempestade se lançam contra quem busca outras terras. Nessas últimas semanas, por exemplo, mais dois companheiros da luta pela terra no Pará tombaram, mortos pelos guardas do sistema, que não permite ultrapassar suas cercas. Honramos a fé de Raimundo Nonato, dirigente sindical, e de Luís, coordenador da Liga dos Camponeses Pobres: tentaram obedecer a Jesus e lutaram para o acesso à outra margem da história, onde todos tenham vida.

Muitas vezes nos sentimos impotentes frente às forças da morte, à máquina da propaganda oficial que esconde a verdade e celebra os injustos, a essa corrupção escancarada...
“Senhor, não te importa que morremos?!”
Em alguns momentos parece que até Deus fica distante e não abre caminho. Mas não temamos: quem tiver a coragem de subir nesse barco, vai fazer experiência de um Deus ao qual o vento e o mar obedecem, e mesmo no tormento da travessia, vai perceber na profundeza de sua existência uma grande calmaria, a paz de quem sabe de estar na caminhada certa.

Foto: http://www.flickr.com/photos/31598370@N08/2990595305/

martedì 16 giugno 2009

A beleza nos salvará












Ecos da tarde cultural na festa de São João Batista

Trabalho infantil, erosões, desemprego, filas nos postos de saúde, droga, assassinatos, batidas policiais e tiroteios cotidianos... no bairro do Jacu esses são alguns dos temas mais conversados pelo povo.
E a Paróquia, com o Centro de Defesa, resolve promover uma tarde cultural?! Mais um circo para distrair os sofredores das periferias? Não: dessa vez o espetáculo tem como protagonistas os próprios filhos e filhas dessa periferia!
Por mais de três horas crianças, adolescentes e jovens se alternam no palco e no pátio da igreja São João dançando a vida, mostrando que são capazes de beleza e arte, apesar do contexto em que vivem.
O padroeiro lá do alto abençoa e acompanha, as famílias numerosas permanecem até a noite nesse espaço de dignidade e esperança. Realmente a beleza nos salvará, quando ela vem dos pobres, quando é construída com suor e teimosia, quando é fruto de um trabalho de conjunto.
A Igreja de São João Batista compreende mais uma vez que as celebrações podem acontecer também na rua, nos ritmos da vida. O Centro de Defesa renova sua escolha: a cultura é um meio poderoso de conscientização e fortalecimento dos pequenos.
Mais um pedacinho de Reino de Deus está posto!

mercoledì 20 maggio 2009

Crise, desemprego e Palavra de Deus

Carta aberta de algumas comunidades da Igreja Católica de Açailândia

«O Reino do Céu é como um patrão, que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha. Combinou com os trabalhadores uma moeda de prata por dia, e os mandou para a vinha. Às nove horas da manhã,o patrão saiu de novo. Viu outros que estavam desocupados na praça, e lhes disse: ‘Vão vocês também para a minha vinha. Eu lhes pagarei o que for justo’. E eles foram. O patrão saiu de novo ao meio-dia e às três horas da tarde, e fez a mesma coisa.

Saindo outra vez pelas cinco horas da tarde, encontrou outros que estavam na praça, e lhes disse: ‘Por que vocês estão aí o dia inteiro desocupados?’
Eles responderam: ‘Porque ninguém nos contratou’. O patrão lhes disse: ‘Vão vocês também para a minha vinha’.
Quando chegou a tarde, o patrão disse ao administrador: ‘Chame os trabalhadores, e pague uma diária a todos. Comece pelos últimos, e termine pelos primeiros’.
Chegaram aqueles que tinham sido contratados pelas cinco da tarde, e cada um recebeu uma moeda de prata. Em seguida chegaram os que foram contratados primeiro, e pensavam que iam receber mais. No entanto, cada um deles recebeu também uma moeda de prata.
Ao receberem o pagamento, começaram a resmungar contra o patrão: ‘Esses últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro!’
E o patrão disse a um deles: ‘Amigo, eu não fui injusto com você. Não combinamos uma moeda de prata? Tome o que é seu, e volte para casa. Eu quero dar também a esse, que foi contratado por último, o mesmo que dei a você.
Por acaso não tenho o direito de fazer o que eu quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque estou sendo generoso?
Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.» (Mt 20, 1-15)

Por que vocês estão desempregados?”

É Deus mesmo que faz essa pergunta, preocupado pela situação de tantas famílias que vivem à mercê de um sistema econômico que tem seus alicerces na procura insaciável de lucro. Também a igreja católica, hoje, tem o dever de repetir a mesma pergunta, num momento difícil de crise mundial e local.
Por que há desemprego? Quem foi que o gerou? De onde vem a crise? Quais as responsabilidades locais?
Como se fazem importantes, em cada cidade e região de nosso nordeste, momentos coletivos de debate sobre a crise, audiências públicas e diálogo construtivo, em busca de saídas.

Como Igreja, auspicamos que cada segmento envolvido nesse esforço tenha a coragem e a transparência de reconhecer os erros e as responsabilidades: não podemos aceitar, simplesmente, que nesse momentos de dificuldade todos os pesos e as consequências acabem sendo descarregadas nas costas dos trabalhadores.

O patrão saiu e saiu de novo...”

Deus, na parábola do Evangelho, não se limita às perguntas, não analisa o fenômeno atrás da mesa de seu escritório ou somente pelos artigos de um jornal: sai ao encontro dos trabalhadores repetidas vezes, dialoga com eles, busca soluções e encaminhamentos.
A preocupação de Deus é que, ao final da tarde, cada um tenha sua moedinha de prata para levar para casa, alimentar sua família e garantir a dignidade do dia-a-dia.

Essa também é a preocupação de nossas Paróquias e dos movimentos sociais: dar oportunidade a todos de ganharem seu pão de cada dia. Trata-se do papel mais importante da Política: oferecer condições e oportunidades de vida para todos e todas!
Que todos/as tenham direito a uma educação de qualidade, à formação profissional, a oportunidades diferenciadas de trabalho. Que os pequenos produtores possam ter acesso ao mercado, ao escoamento de seus produtos, a financiamentos acessíveis para pequenos empreendimentos.

O crescimento econômico desordenado e sem planejamento de nossas regiões pre-Amazônicas deve-se a políticas irresponsáveis de financiamentos para grandes empreendimentos e proprietários, além da ‘economia do saque’ que ao longo dos anos sugou os recursos locais gerando poucas oportunidades e favorecendo uma minoria que só tem acumulado (veja-se o ciclo das madeireiras, das serrarias, da pecuária, das mineradoras, das guseiras).
O capital defende sempre seu interesse; é a Política quem deve defender os interesses dos trabalhadores e o diálogo entre as partes. Lamentavelmente os profissionais da política em lugar de sair às praças em busca dos que precisam de trabalho e pão, ficam em seus gabinetes fazendo dobradinha com os donos do capital.

A igreja, por ter como missão a defesa da dignidade da pessoa toda e de todas as pessoas, principalmente os mais ameaçados em sua existência, defende de forma intransigente os direitos dos mais esquecidos e os convoca para que eles mesmos se tornem atores responsáveis por seu próprio bem-estar.
Com Deus, hoje de novo repetimos decididamente as palavras do Evangelho:
Eu quero dar a esse último o mesmo que dei a você” visando a plena justiça e iguais oportunidades para todos. Neste sentido propomos que haja uma inversão social de opções, ou seja, que “Os últimos sejam os primeiros, e os primeiros os últimos”, a fim de que quem precise mais receba mais e quem possui muito receba menos.

A Igreja quer participar ativamente do diálogo permanente entre a sociedade civil organizada, os poderes públicos e os empreendedores em busca de caminhos que amenizem essa crise e construam progressivamente uma sociedade em que não haja primeiros e últimos, mas simplesmente, humanamente, irmãos e irmãs.


giovedì 14 maggio 2009

Corre, missionário!

Sou um missionário que gosta de trabalhar.
Ao meu ver (talvez seja a cultura europeia) o trabalho traz frutos; o próprio evangelho desse domingo o confirma: “Vos designei para irdes e para que produzais fruto”.
Nisso, há muito tempo, reponho minha confiança e minhas expectativas de felicidade: poder olhar para atrás e reconhecer tudo que fiz de bom... e me satisfazer disso.

Qual o perigo? Acreditar que somos nós os protagonistas de tudo e repor nossa alegria na expectativa dos resultados.
Produzir resultados, encher nossa mochila de avanços e conquistas: a cultura de hoje premia quem consegue mais frutos. As grandes empresas têm sucesso e crescem em suas cotações quando continuam aumentando sua margem de lucro, mas raramente isso promove integralmente o bem e a vida do povo. Juízes e promotores são avaliados em base à sua 'produtividade', e nem sempre isso coincide com o 'fazer justiça'.

O que é que vale, então? Qual é o fruto que não apodrece e que garante a verdadeira alegria?
Pra que gastar toda uma vida?

O evangelho de João (15) vai fundo na pergunta mais importante de nossa vida: Jesus está pronunciando o discurso de despedida para seus discípulos e com a imagem da videira vai em busca daquilo que dá sentido profundo à existência.
Usa um verbo que hoje em dia não está mais na moda: permanecer.

A correria de hoje, os inúmeros estímulos, o brilho da propaganda, a rapidez das provocações, os sentimentos inconstantes, a insatisfação contínua que precisa ser saciada imediatamente são todas situações que não sabem conjugar o verbo 'permanecer': até no amor o verbo 'ficar' chegou a ter prazo de máximo uma ou duas semanas!

Permanecer no amor é tentar assumir a cada dia os sentimentos de Deus; mais que do fruto, preocupar-se de seu amadurecimento na ternura; antes dos resultados, assumir o compromisso de trabalhar amando.

Esse missionário que escreve ainda deve aprender muito do estilo de Jesus.
Bem antes de absolutizar o trabalho, os frutos e resultados, elijo hoje como máxima de minha vida a passagem do livro de Miquéias (6,8), coração da existência cristã e seiva que corre nos ramos da videira que é nossa vida:
“Caminhar humildemente na história com Deus, praticando a justiça e amando com ternura”

martedì 7 aprile 2009

Pode um perfume remover as pedras?


Páscoa 2009 em Açailândia – Maranhão 

“Era uma pedra muito grande”. As mulheres queriam voltar a ver Jesus, pelo menos seu corpo, e relembrar dele, de tudo aquilo que tinha-se sonhado juntos.
Era uma pedra muito grande, e elas só tinham... um pouco de perfume. Perfume não remove pedras.
“Quem tirará para nós a pedra do túmulo?”: ficaram a noite inteira com essa pergunta na cabeça. Hoje também a mesma pergunta martela por dentro de nós e de nossas comunidades, durante muitas noites.

As pedras para remover são muitas, por aqui:
-    a corrupção de quem comprou o poder e agora vende seus favores;
-    a sensação de sermos o lixão industrial das grandes firmas com a cara limpa (no norte do mundo) e os pés sujos, pisando nos pobres;
-    o álcool e a violência sexual (até contra crianças e adolescentes), espelho de um vazio de valores e perspectivas: em lugar de esvaziar os túmulos, estão se esvaziando nossos sonhos.
Quem tirará para nós essas pedras? Graças a Deus, três mulheres não ficaram paradas à pergunta e aceitaram o desafio: ir até a pedra de todo jeito, 'armadas' somente com seus perfumes. 

Quais são nossos perfumes? 
Gostaria que percebessem o perfume dos 60 grupos de rua e oração nas casas, que por cinco semanas reuniram-se para ler e entender juntos a Bíblia e a realidade.
O perfume de celebrações em que nosso povo toca com mão a ressurreição, cantando a vida, contando suas histórias, apertando as mãos. É pouco, bem sei, mas o perfume é para se usar em pequenas doses. E ainda: o aroma de alguns jovens que estão se apaixonando pela mesma causa que nós missionários defendemos; são para nós filhos e irmãos mais novos. 

Pela sua fé e teimosia, as mulheres foram escutadas e a pedra removida, naquela manhã cedo, primeiro dia de uma história nova.
Precisava porém atravessar aquela porta: não é suficiente remover as pedras, se não temos nós também a coragem de entrar no túmulo, assumir o conflito, cara a cara com as forças de morte que ameaçam nosso povo... mesmo se, permanecendo nas contradições, a gente não enxergue ainda soluções ou mudanças imediatas.
Às vezes, enquanto uma pedra rola e vai embora, parece que outras dez se amontoem em nossa frente: sabemos porém que, com a coragem de entrar e permanecer no túmulo, poderemos enxergar a ressurreição. 

Assim vivemos hoje, na pré-Amazônia rica de violência e potencialidades: um pé no túmulo, enquanto o outro já corre para anunciar a todos que a vida não morre.

Boa Páscoa!

sabato 4 aprile 2009

Justiça Ambiental


“Cá entre nós, o Banco Mundial não deveria incentivar mais a migração de indústrias poluentes para os países menos desenvolvidos?”
Esse memorando de circulação restrita (relatório Summers, 1991) mostra com evidência a política ambiental do Banco Mundial, dos G8 e também dos grandes empreendimentos que deveriam promover “aceleração de crescimento” em nosso Brasil (os movimentos sociais definem o PAC como “Programa de Agressão às Comunidades”).

Em função de um progresso inevitável e cada vez mais acelerado, os países da periferia do mundo servem como reserva preciosa de recursos; de 1990 até hoje assistimos a um verdadeiro boom da mineração: a América Latina aumentou a cota de produção mundial de minério de 21% durante dez anos; na África houve um crescimento de 13% em 7 anos; alguns casos específicos como o Ghana são estarrecedores: +700% nos últimos vinte anos!

Do outro lado da cadeia produtiva, a produção de lixo e poluentes precisa também de canais de escoamento: novamente, os escolhidos são os países do sul do mundo (num artigo polêmico, em 1992, a revista inglesa The Economist titulava “Let them eat pollution”: “Deixem que comam poluição”).

O apoio das grandes instituições financeiras a esse modelo de progresso é cada vez mais objeto de críticas pelos movimentos ambientais. A Rede Brasileira de Justiça Ambiental escreveu uma carta aberta ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento, reunido em Medellin para sua 50ª sessão anual) criticando os financiamentos públicos a obras de grande impacto sócio-ambiental na América Latina e no Brasil.
É também muito grave a operação financeira do BNDES no mês de Março de 2009: aquisição com dinheiro público, a fim de investimento, de 12% da empresa particular LLX, de Eike Batista. Um Banco que deveria garantir os interesses públicos e financiar o desenvolvimento das camadas mais empobrecidas acaba, ao contrário, vinculando-se diretamente com empresas cujos conflitos ambientais são notórios em várias regiões do País.

O próprio Ministério de Meio Ambiente expediu em 2008 um número recorde de licenças ambientais (467, 100 a mais que em 2007, 70% das quais após a entrada do ministro Minc). O MMA está acelerando a liberação de licenças para o PAC, algumas das quais referidas a empreendimentos altamente impactantes e questionados pela justiça (as hidroelétricas de Santo Antônio e Jirau no rio Madeira (RO) e a Usina Nuclear de Angra 3 (BA).

A partir de tudo isso cresce a indignação e fortalece-se a organização dos movimentos ambientais, cuja maior articulação (a Rede Brasileira de Justiça Ambiental - RBJA) acabou de realizar seu encontro bienal de estudo e planejamento.
A Rede aprofunda e aplica no concreto da realidade brasileira os conceitos de Justiça Ambiental e Racismo Ambiental, categorias que mostram a assimetria da globalização, amplificando a Dívida Ecológica dos países 'desenvolvidos' com as periferias do mundo: “Nenhum grupo étnico, racial ou de classe deve suportar uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas resultantes da operação de empreendimentos industriais, comerciais ou municipais e da execução de políticas públicas”.

Uma das preocupações da RBJA nesse contexto de crise econômica é o perigo de flexibilização da legislação ambiental e trabalhista para 'correr em socorro' das empresas e do ciclo de produção e consumo, única solução que até hoje a cegueira neoliberal consegue enxergar.
Nesse sentido cresce o estudo e a aplicação de novos instrumentais, como a Análise de Equidade Ambiental: um mecanismo de avaliação do impacto ambiental que leve em conta não somente as consequências diretas sobre a natureza, mas também incorpore os efeitos sociais, culturais e econômicos de cada empreendimento sobre a população que reside na região atingida.

É sempre mais urgente um real envolvimento da população nos processos de licenciamento das obras, com audiências públicas prévias (ainda antes do Estudo de Impacto Ambiental) e uma constante mediação do Ministério Público para evitar ameaças e dinâmicas de corrupção das lideranças.

A sede de investimentos baratos e pouco vinculados está levando nesses últimos meses as grandes empresas a atitudes violentas e constrangedoras. Recentemente no RJ um líder das comunidades locais em conflito com a Thyssen Krupp e a Vale precisou ser inserido no programa de proteção a testemunhas, devido a ameaças documentadas numa audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio.

A Rede permite mecanismos de solidariedade e denúncia, alianças entre movimentos e a autoridade política suficiente para dar visibilidade às lutas e resistências do povo, que está se articulando e incentivando oposição organizada e alternativas viáveis ao atual modelo de desenvolvimento. A agricultura familiar, a agroecologia, a economia solidária, o turismo comunitário, o controle popular sobre as atividades de grandes empresas, a constituição de Fundos de Desenvolvimento gerenciados por conselhos participativos a partir de percentagens fixas do lucro das transnacionais da mineração, a assessoria jurídica popular das comunidades em conflito: estratégias e caminhos que já deslancharam-se e que não vai ser fácil bloquear!

lunedì 9 marzo 2009

Outra igreja é possível

Diante das polêmicas desses dias sobre o aborto realizado para a vida da criança estuprada de Recife, é importante que todos os cristãos expressem seu pensamento, contribuindo à construção de uma igreja plural em busca da verdade (que nunca ninguém possuirá por inteiro).

Como padre missionário dessa igreja, entendo e defendo sua preocupação na luta contra o aborto (sobretudo quando essa luta vai além da denúncia e se faz articulação concreta de uma rede de proteção às mães, de prevenção da violência sexual e de promoção da dignidade da mulher: graças a Deus hoje muitas pessoas na igreja trabalham silenciosamente para isso!)

Não entendo, ao contrário desaprovo a intervenção do bispo de Recife que excomungou os médicos autores do aborto em questão. A discussão seria demorada, limito-me a oferecer algumas provocações para a reflexão de todos.

  • nos deparamos com uma situação-limite, um caso extremo. Nunca se pode extrapolar de um caso limite uma lei geral e válida para todos. Nem considero legítimo fazer uso dessas situações extremas para divulgar a norma moral ordinária de uma instituição.
    Vou fazer um exemplo: é claro que de frente a um homicídio por legítima defesa ninguém pode clamar pelo desrespeito à vida e concluir que a sociedade está virando em favor do assassinato. Não pode um caso limite tornar-se referência da norma moral.
    Ao contrário, especialmente nesses casos limites cabe à Igreja a misericórdia, a compaixão, uma presença solidária e possivelmente silenciosa ao lado das vítimas e uma condenação dura das condições e pessoas que provocaram a violência.

  • a opinião de um bispo, mesmo se suportada por intervenções (menos polêmicas e violentas) do Vaticano e da CNBB, ainda não constitui doutrina moral oficial da Igreja. Quanto mais a igreja nas bases expressar sua visão complementar e não silenciar o dissenso, tanto mais contribuiremos à construção de uma comunidade de fé plural, em busca da verdade, capaz de diálogo e não necessariamente unida sobre todas as complexas questões de moral e ética. Hoje (mas já no Evangelho é assim) faz mais sentido uma pergunta humilde e sedenta de verdade do que uma resposta firme, mas arrogante e incapaz de diálogo.

  • É difícil estabelecer (cientifica e eticamente) quando começa a vida; não faz sentido colocar um ponto unívoco de referência, sendo a própria vida um processo. É complexo definir quem tem mais direito de viver, nos casos-limites como aquele ao qual nos referimos. A igreja e a ciência precisam de ajuda recíproca e de diálogo construtivo. Todas as vezes que o diálogo é interrompido pelo apelo a uma norma moral superior, o processo de respeito da vida e da humanidade regressa um pouco.

Outra igreja é possível e já deixou seu marco inapagável com dom Helder Câmara, na própria diocese de Recife, de onde o atual bispo soltou sua condenação inapelável à excomunhão.

Graças a Deus, há bispos e bispos. Nessa pluralidade, a igreja avança se tiver a coragem do diálogo e, sobretudo, se anunciar seus valores com a práxis humilde do serviço e do exemplo concreto.

Dom Helder, no centenário de seu nascimento, continua protegendo essa igreja-povo-de-Deus.

giovedì 19 febbraio 2009

Carregar a vida em nós (Mc 2)

Nesse tempo de crise e na lentidão de um ano que recomeça aos ritmos do Carnaval (mas porque será que tudo aqui só pode acontecer “depois do Carnaval”?)... em nossas cidades nordestinas e amazônidas estão aumentando as massas amontoadas às portas da saúde, da educação, das firmas em busca de emprego.

Reuniram-se fora de casa tantas pessoas que já não havia lugar nem mesmo diante da porta”, diz o evangelho desse domingo. Não há lugar para quem busca um tratamento, não há verbas para uma escola de qualidade no campo, não há emprego nas siderúrgicas de nossa cidade, que até ontem utilizaram três mil pessoas na mão de obra barata e agora -por uma suposta crise da qual não querem pagar o preço- descontam seu prejuízo sobre as famílias dos trabalhadores.

Esse povo paralítico precisa se levantar, mas às vezes parece que nem ele mesmo acredite que isso seja possível. Havia outro paralítico em Jerusalém (Jo 5, 2s) que por trinta e oito anos ficou parado à beira da piscina de Betesda. Quando Jesus lhe perguntou porque, ele respondeu que não tinha ninguém que o levasse até a cura.

Alguém que me carregue, alguém que abra espaços novos frente a essas portas fechadas e a todas as barreiras que impedem ao povo de encontrar dignidade e vida: quanta sede de justiça grita no peito também dos paralíticos de hoje!
Na Campanha da Fraternidade desse ano clamamos por segurança: o que é isso, se não abrir as portas dos serviços públicos para que todos/as tenham acesso a seus direitos, na saúde, na educação, no trabalho? Fora daquela casa não há segurança, e as pessoas amassadas só acabam cultivando a violência, a competição e o clientelismo.

Por isso, ainda mais do que Jesus ou do próprio paralítico, os protagonistas desse trecho de evangelho são os quatro homens que carregam o doente: eles conseguem enxergar uma 'entrada' e abrem o caminho para que a cura aconteça. Parece que Jesus intervém exatamente a partir da fé e teimosia daqueles homens: o milagre começa conosco!

Nosso povo simples precisa de exemplos bem concretos: dá para brincar com a imagem desses quatro homens. Quem são essas pessoas que carregam o doente e assumem o desafio da cura?

O primeiro é a pessoa solidária: ao ver um irmão paralítico carrega sobre si sua situação. Hoje a solidariedade é urgente, contra a cultura do individualismo que isola os problemas de cada um; a visita, o diálogo, a confiança recíproca são o primeiro estágio da cura, que cada um de nós pode assumir no dia-a-dia.

Mas isso não é suficiente: precisamos da comunidade, que assuma as situações dos mais fracos em mutirão. Foi desde sempre o destaque das comunidades cristãs, capazes de se organizar e articular o serviço para com os mais pobres, doentes, famintos. Nossas comunidades hoje também precisam organizar a caridade, para despertar a contribuição de todos e educar-nos à recuperação do bem comum, que é feito de direitos e deveres comuns. É o segundo homem que sustenta a maca.

Muitos param por aqui, mas o evangelho mostra que somente duas pessoas não conseguem levantar esse doente. Aqui entra o terceiro papel do cristão: solicitar e fiscalizar o sistema público. Não adianta tamparmos os buracos que outros deveríam fechar, somente em nome da caridade cristã: a paz é fruto da justiça, ainda antes que da caridade! Assim, a comunidade cristã exercita-se cada vez mais na prática do controle social, da presença ativa na arena política (longe dos partidos, mas muito próxima da sociedade civil organizada, nos conselhos de direito, na formulação de políticas públicas, etc). Paulo VI dizia que essa é a forma mais completa de amar.

Ainda falta o último homem: quem será? Esse último homem representa uma dimensão ainda maior do que nossas lutas políticas no Município ou no Estado: pela nossa experiência no corredor de Carajás (a região mais rica do mundo em ferro e outros minerais e o eixo mais explorado pela exportação dos recursos do povo), o último poder que manda é a força econômica das transnacionais. Poder oculto, bem disfarçado: muitas vezes o povo se pergunta de quem é a responsabilidade da carência de políticas públicas adequadas, mas raramente a resposta chega a envolver esses atores escondidos. Assim, o saque das nossas riquezas continua silencioso (mineração, monoculturas de eucalipto, soja, pecuaria extensiva) e ainda o paralítico não chega a ser curado.

Só se esses quatro homens trabalharem juntos dentro de nossas comunidades cristãs, o paralítico conseguirá levantar-se, carregar sua cama e sair diante de todos.


lunedì 9 febbraio 2009

Cinco presidentes ao FSM


Maria das Graças, mulher indígena do Ecuador, acolheu-os com palavras bem claras, mostrando todas as expectativas que os povos originários repõem sobre eles, após anos de sofrimento e exclusão: “Não nos persigam mais! Respeitem-nos, é só isso que eu peço, nada mais...”
Graça, uma das coordenadoras do FSM, continuou com a mesma força de caráter, denunciando o perigo de render-se definitivamente ao modelo de desenvolvimento que devora as pessoas e a natureza: “percebemos um forte descompromisso das Instituições em relação aos recursos naturais e ao futuro de nossos povos. A deflorestação está destruindo também nossa gente, especialmente os povos originários”.

Mas o espaço para as críticas não foi muito (entre as doze mil pessoas do público, parece que um certo grupo 'pelego' foi introduzido no evento com o simples objetivo de apoiar Lula e evitar as vaias de 2005 ao FSM de Porto Alegre).
Mesmo tendo um presidente brasileiro “sócio-liberal”, como diz Michel Levi, não podemos negar que nos encontramos num momento histórico novo para América Latina; o povo percebe uma nova esperança no ar e acorreu numeroso no (provavelmente) maior evento do FSM.

Um torneiro mecânico, um bispo da teologia da libertação, um índio (“com cara de índio” -específica Lula), um jovem economista e um soldado que já foi preso por tentativa de golpe e que o povo depois escolheu e apoia: Lula, Fernando Lugo, Evo Morales, Rafael Correa e Hugo Chavez reunidos à mesma mesa organizada pelas entidades do FSM.
A conjuntura é nova e todos os presidentes ressaltam que essa etapa da história latinoamericana vem de longe e construiu-se há tempo, baseada na luta popular por democracia. “Eu sou fruto de sua luta contra o neoliberismo” -afirma Morales; “Somos reflexo da luta do povo. Uma América indígena, mestiça, negra: após séculos de sofrimento, tornou-se realidade” -acrescenta Correa.

Os povos da Bolívia e do Ecuador celebram nessa passagem histórica suas novas constituições (a boliviana foi aprovada por 60% da população no domingo precedente o encontro): uma Carta dos Direitos dos povos indígenas, na perspectiva de reconstruir a Pachamama, grande Mãe latinoamericana.
Todos os presidentes recomendam a urgência e a possibilidade histórica de integrar os povos da América Latina. Correa define isso “uma necessidade de sobrevivência” e pede que seja acelerado o processo para a criação do Banco del Sur. Também critica a Organizaciòn dos Estados Americanos (OEA), ainda muito dependente de Washington, e relança a idéia de uma autogestão latinoamericana, incluindo finalmente “nuestra hermana Cuba”.

Não faltam as dificuldades e alguns conflitos 'diplomáticos', como é o caso da poderosa central hidroelétrica de Itaipu, cujos lucros atualmente estão sendo desviados do Paraguai para o Brasil: Lugo não deixa de acenar ao problema e se diz muito otimista rumo a uma solução consensual entre os dois Países, para garantir o desenvolvimento do povo paraguaio.
O ex-bispo católico fala dos riquíssimos recursos naturais e das potencialidades da América Latina: está faltando o orgulho e a capacidade técnica de administrá-lo em autonomia.

É forte a revolta contra o neoliberalismo e o imperialismo dos EUA; Lula repõe muitas esperanças sobre “o negro Obama, filho de uma terra que só 40 anos atrás assassinou Martin Luther King”.
Mais de um presidente acena ao “socialismo do século XXI”: Chavez específica que não faz mais sentido o cliché 'capitalismo=eficiência, socialismo=justiça'. “Somos capazes de construir um socialismo justo e eficiente, com um papel equilibrado do Estado, uma atenção específica ao meio ambiente e a escolha de um modelo de desenvolvimento responsável e sustentável” -reforça Correa, que faz referência à Doutrina Social da Igreja mas grita sua raiva considerando que bem mesmo o País mais católico do mundo é também o mais desigual do mundo: “O gesto mais comum de Jesus, em muitos momentos de sua vida, foi partir o pão. Será possível que nós aqui não conseguimos partir e partilhar nossos recursos?”. Alguém, no Ecuador, lembre a cada dia essas palavras proféticas para o presidente.

Morales oferece algumas perspectivas para o futuro: “Precisamos assumir uma nova etapa de integração para nossos Países, contra a intrusão e a conspiração dos EUA”. Propõe quatro campanhas, quatro dimensões de compromisso:

  • uma campanha mundial para a paz e a justiça (lembra especialmente Palestina, Afghanistan, Iraq, esquecendo também ele as guerras escondidas de muitos países africanos). Isso exige uma reforma radical da ONU.

  • uma campanha para uma nova ordem econômica internacional: exige uma reforma radical de instituições como BM e FMI; o indicador de desenvolvimento não deverá ser mais o PIB, mas sim o índice de redistribuição da riqueza!

  • uma campanha para salvar o Planeta, mudando os modelos e níveis de consumo

  • uma campanha pela dignidade humana, contra o consumismo: valorizar a humanidade, sepultar o capitalismo. Um símbolo para esse trabalho de resgate das culturas populares e contra o consumo das pessoas poderia ser -para Morales- a folha de coca: é alimento e fonte de vida para os povos indígenas; não podemos deixar que se torne, assim como em todo o mundo do consumo, substância estupefaciente e destruidora de gente.