Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

lunedì 24 agosto 2009

Trabalho sim, Poluição não!

Carta aberta à cidade de Açailândia e às autoridades
sobre a nova aciaria em construção no Piquiá

A sabedoria popular de nossa gente ensina que o passado é lição de vida para trilhar o futuro de um povo.

Somos moradores da periferia de Açailândia, chegamos no Piquiá quando ainda tudo era um açaizal, rios e córregos cartão postal da cidade: trinta, quarenta anos atrás. Tempos depois, as empresas siderúrgicas implantaram-se ao lado de nossas casas.
Prometeram trabalho e desenvolvimento, mas com isso trouxeram também poluição e morte.
O povo mais humilde tinha um maravilhoso local de lazer, o Banho do Tito, que também foi fechado para a indústria, sem oferecer alternativas.

Somos sindicatos e movimentos defensores dos direitos humanos, trabalhistas e ambientais na cidade e região; há muitos anos acompanhamos, entre outros, o conflito no Piquiá em busca de dignidade de vida e moradia.

Somos uma Paróquia, comunidade de comunidades, há vinte anos comprometida com a justiça, a paz e a integridade da criação na região de Açailândia. Celebrando e visitando o povo, tocamos com mão as consequências do desrespeito da legislação ambiental por parte dos empreendimentos industriais no Piquiá.

Nos perguntamos: até quando a sede de trabalho e a necessidade de sobrevivência manterão o povo refém desse modelo de desenvolvimento que destrói o meio ambiente?

Será que não é possível um modelo de produção industrial em que trabalho e respeito à vida caminhem juntos, mesmo se fosse necessário reduzir de um pouco os enormes patamares de lucro alcançados até agora pelos donos das empresas?
Para nós, progresso é quando todos e todas ganham, quando o direito a uma vida saudável e digna é respeitado, quando o ser humano é posto em primeiro lugar e, harmonizado com o meio ambiente, é capaz de repassar às gerações presentes e futuras valores éticos e morais.

Depois de vinte anos de difícil convivência com as siderúrgicas (ainda sem filtros de manga nem tratamento das águas de defluxo), chega agora a notícia da implantação em nossa região de uma aciaria (firma para a produção de aço).
Que bom! Verticalizar a produção, valorizar nosso trabalho e nossos recursos sempre foi um objetivo comum.

Estamos porém muito preocupados e inquietos, com as seguintes grandes duvidas, às quais ninguém até agora deu resposta:

- Por que antes de investir em novos empreendimentos que terão mais um impacto ambiental não se usou parte do investimento da aciaria para minimizar a poluição dos altofornos, instalar filtros anti-partículas, canalizar e reutilizar a água do resfriamento, reter a poeira da trituração do material, transferir o depósito do “pó de balão” em lugares protegidos e distantes das casas?

- Qual será o impacto da aciaria sobre nossas famílias e cidade? Não queremos ser vítimas, mais uma vez, de novos gigantes poluidores além dos catorze altofornos descontrolados das siderúrgicas!
Juntamente a essa carta aberta, nossas entidades entregaram ao Ministério Público o pedido para a convocação de uma audiência pública na qual possa ser detalhado para o povo o impacto ambiental da aciaria e as condicionantes assumidas no licenciamento ambiental para o funcionamento da mesma.

- O Poder Público tem um projeto político e urbanístico para a gestão desses novos implantes industriais? Qual será o impacto dessa e de outras indústrias sobre as casas e a rede viária de Piquiá e Açailândia? Que tipo de formação está sendo prevista para que nossos trabalhadores possam ter acesso às vagas de trabalho e os empreendimentos sejam genuinamente açailandenses, e não (mais uma vez) dependentes de pessoal especializado vindo de fora?


A história nos mostrou quanto é sofrida a convivência com as siderúrgicas. Não queremos esperar mais para exigir nossos direitos.

Seja bem-vinda a aciaria, mas com garantias seguras de respeito para o meio ambiente, com imediatas providências contra a poluição das siderúrgicas, com solicitude no processo de deslocamento do povoado de Piquiá de Baixo para uma nova terra e dignidade de moradia.


Paróquia São João Batista
Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos
Sindicato dos Metalúrgicos
Associação dos Moradores de Piquiá
Centro Comunitário Frei Tito
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
Sintrasema
Sindimotaa
Associação Rádio Comunitária Açailândia

lunedì 10 agosto 2009

Uma mulher assim não pode morrer!

Festa da Assunção de Maria

No Fórum Social Mundial recebi uma camisa com o rosto de ir. Dorothy; muitas vezes a visto com orgulho no dia-a-dia das relações com o povo. Percebi que também as pessoas mais anônimas, com comentários inesperados, reconhecem o rosto dessa mártir da Amazônia e quase a cumprimentam com palavras de respeito e dignidade.
Dorothy não morreu, é evidente. Como pode morrer um sinal de esperança, uma companheira de luta? O povo não deixa!

Maria é modelo de todas essas mulheres e testemunhas.
Em Maria, Deus nos garante que a vida faz sentido até através da morte... e que realmente quem vive por Deus nunca morrerá. A assunção é isso: garantia que a gente não morre!

Por que Maria, Dorothy, Margarida e muitas mártires e testemunhas não morreram? É a pergunta mais importante, pois cabe a nós também tentar imitá-las.
Não morreram porque foram pessoas grávidas. Essa é a mensagem do evangelho: quem for grávido de vida não vai morrer nunca.

As leituras desse domingo confirmam: “Apareceu uma mulher vestida como o sol, estava grávida e gritava entre as dores do parto” (Ap 11).
“Isabel exclamou com um grande grito: a criança saltou de alegria no meu ventre” (Lc 1)
Há perfume de gravidez nesses breves trechos, vibração de vida em contínua concepção.

Entre nós também podemos distinguir pessoas estéreis, que vivem somente por si, e pessoas grávidas, que procuram a cada dia conceber novas formas de vida na rede de suas relações.
Somos grávidos quando damos espaço à criatividade, à intuição, à busca de alternativas para que o povo possa crescer e viver dignamente.
Somos grávidos quando vivemos inquietos, preocupados para que vença a vida, fincados na opção fundamental da defesa dos pequenos. Os grávidos não vão morrer, Deus a cada dia os 'assume' na sua mesma opção pela vida.

E Maria, com seu canto, vai além: “Doravante todas as gerações”, entoa. Doravante ela sente de não poder viver mais sozinha: dentro dela vivem gerações de pessoas; Maria se sente mãe de todos os viventes, e o grito de seu parto é o canto dos humilhados, dos famintos, dos humildes.

Maria é mulher-povo que ensaia, em comunhão com todos os sonhadores de vida, o grito de muitas ressurreições cotidianas, feitas de resistência, de esperança, de pequenos nascimentos e de corações grávidos.

Assim nós desde já podemos fazer experiência de 'assunção': Deus que nos assume em si, nos confirma, garante que a vida vai bem além de nossa pequena existência.
Nós também podemos aprender, com Maria, a hospedar gerações dentro de nós. Há pessoas que vivem sozinhas consigo mesmas, e essas morrem logo. Há outras que acolhem dentro de si muita gente: sentem em todo momento a preocupação e o cuidado para com a vida de outros. Logo que conhecem um grupo ou uma situação, assumem seus anseios e lutas, convivem com a história dos demais, nelas existe um 'nós' rico e plural. Essas pessoas sobrevivem à sua própria morte. Desde já, com Maria, nos mostram que a vida é maior de nosso eu.

Romaria da Terra e da Água: mãos à obra!

Emprego ou saúde? Há vinte anos, os trabalhadores das siderúrgicas de Açailândia, extremamente poluidoras, encontram-se obrigados a decidirem entre o meio ambiente e o desenvolvimento.
Em Caixias o veneno despejado nos imensos canaviais acaba contaminando os rios da região. A polícia faz batidas nos povoados só para averiguar que o povo não coma os peixes mortos que boiam nas águas poluídas, nem que as crianças tomem banho. A segurança está garantida!
Balsas: grossas correntes puxadas por dois tratores arrasam com tudo o que estiver de pé; a soja domina o horizonte, mais uma cor verde para os desertos do Maranhão...

São somente alguns dos gritos da terra e do povo de Deus reunido no seminário de Codó (MA), preparando a décima Romaria da Terra e das Águas: “Um clamor de justiça”.
A Palavra de Deus orienta o debate: “A própria criação espera com impaciência a manifestação dos filhos de Deus. (...) Sabemos que a criação toda geme e sofre dores de parto até agora” (Rm 8).
Os seres vivos olham para a humanidade, irmã maior na criação de Deus, esperando que revele finalmente seu coração compassivo e reconheça que nunca foi filha única do Senhor da Vida.
A natureza está à nossa espera, mas não pode esperar muito mais. É preciso deixar nascer o novo, antes que as dores do parto sufoquem-se num aborto.
De todos os cantos do Maranhão, homens e mulheres convocados ao seminário sentem-se enviados de volta a suas comunidades, para engravidar o povo na conscientização, levantar forte o grito de dor e esperança e parir juntos a justiça socioambiental.

A análise de conjuntura é ampla e enfrenta temas urgentes nesse Maranhão machucado pelo desenvolvimento.
O agronegócio é chamado de 'agrobanditismo', pela violência da monocultura, a poluição e o saque das águas: 70% da água consumida pela humanidade é sugada por esse modelo extensivo de agricultura. Em 2009 o Governo destinou R$ 421 milhões do PAC somente para a irrigação, voltada aos grandes projetos. Em várias regiões do Maranhão, ao conjugar o verbo “sugar”, o povo responde brincando “Eu-calipto, Tu-caliptas...”
O Fórum Humanitário Global (presidido por Kofi Annan) declarou no mês de Junho que 300 mil pessoas morrem a cada ano por consequências diretas das mudanças climáticas, enquanto 325 milhões sofrem pelas suas consequências indiretas. Tudo isso nos custou, em 2005, 200 bilhões de dólares! A crise é sistêmica, estrutural: estamos prejudicando as próprias bases da sobrevivência!
Os poderes constituídos são funcionais a esse sistema, quando não são diretamente por ele controlados: por exemplo, somente a Companhia Vale do Rio Doce está lucrando nesses anos cerca de 3 vezes o dinheiro a disposição do Governo do Estado do Maranhão! A desproporção mostra quem, de fato, manda em nossas terras.
O próprio poder do judiciário é apelidado de “prejudiciário” pelo povo vítima das decisões injustas de juízes que apoiam os colegas fazendeiros ou confirmam a regra comum da impunidade.
Um poder podre, que protege os correligionários, como no caso recente do juiz Marcelo Baldochi acusado de trabalho escravo e grilagem, mas 'justificado' pelos colegas desembargadores.
O povo se pergunta: “O que é legalidade? A qual lei é justo obedecer?”
O Tribunal do judiciário é um movimento articulado nas quatro regiões do Maranhão para colocar os juizes do outro lado da mesa processual; um poder aparentemente intocável vai ser avaliado pelo povo ao longo dos próximos meses, até o julgamento definitivo em São Luís, em dezembro.

Na análise do seminário pela terra e pelas águas do Maranhão, a luta é impar: é verdade que todo gigante tem pés de barro, mas mesmo assim é extremamente difícil enfrentá-lo.
O primeiro passo, essencial, é identificar o conflito, esclarecer os nomes desses gigantes e assumir coletivamente o embate: não é suficiente refugiar-se em pequenas experiências alternativas e escondidos nichos, ecologicamente corretos. A ecologia está na moda e as grandes firmas são as primeiras a vestir a camisa de uma aparente preocupação 'verde'. Mas vem delas esse consumo violento de recursos, energia e pessoas: veja-se, por exemplo, até só o desmatamento para a produção de carvão vegetal, em função do ferro-gusa: em 2007 o Brasil derrubou para isso 400 milhões de árvores, metade das quais eram mata nativa.
Ou enfrentamos diretamente esses gigantes, ou continuaremos a silenciar nossas consciências com poucas miúdas práticas isoladas.
As duas próximas campanhas da fraternidade (Economia e Vida em 2010 e Mudanças Climáticas em 2011) serão a pauta de reflexão e reação das comunidades e dos movimentos, visando um enfrentamento consciente e corajoso.
Em 2010 haverá também outro instrumento importante para o enfrentamento do agro e hidronegócio: a campanha pelo limite da propriedade da terra, lançada por igrejas, sindicatos rurais e CUT. A reflexão e a agenda estão postas: mãos à obra!