Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

venerdì 15 luglio 2011

Quebradeiras de coco

Passo um dia inteiro à sombra das palhas de babaçu, conversando com mulheres que acordam às cinco e trabalham lá em baixo até quando vira escuro.
Poucos dias depois estou num avião, muito acima desse chão sagrado de nosso povo: convocação para preparar com outras dezenas de grupos a agenda, clara e concreta, dos movimentos socioambientais no enfrentamento dos grandes projetos de ‘desenvolvimento’.

Que vida estranha, essa dos missionários: um dom e uma tarefa!
Missão é antes de tudo escutar, compreender a partir de quem está em baixo, sentar-se e aceitar de ficar ao ritmo do povo. De vez em quando tento fazê-lo... e logo depois me encontro a defender esperanças e denúncias de nosso povo a níveis mais distantes, onde outros acabam decidindo o futuro dos pequenos.

As quebradeiras de coco são um perfeito modelo de reciclagem rural: nada se perde. Com machado no pé e martelo na mão, separam a amêndoa para o óleo de babaçu e o mesocarpo para a farinha.
Não têm terra, forçadas a buscar espaços de sobrevivência cada vez mais limitados pela monocultura de eucalipto. As empresas queimam toneladas de madeira geneticamente modificada para produzir carvão; essas mulheres recortam os frutos da mãe terra até seu miolo, carregado de vida.

Trabalham quebrando amêndoas o dia todo. Fragmentam em mil pedaços a casca, para que saia a vida presa dentro dela.
Acontece o mesmo na construção do mundo novo que estamos intuindo e traçando a pequenos passos: há algo de vivo debaixo da dura casca desse mundo de morte e injustiça. O mundo de hoje está grávido, mas algo tem que se quebrar, rapidamente, para que recomece a vida e não sejamos engolidos pelo degrado e a ganância.

Apocalipse chama isso de ‘desvendamento’: quebram-se as águas de um novo nascimento. Essa quebra não vem de grandes revoluções, mas, acredito, dos gestos simples, repetidos e teimosos dos pequenos, que nunca deixam de defender suas tradições, suas raízes fincadas no chão, sua confiança em memórias e práticas que receberam de seus pais e que querem ensinar a seus filhos.

Se soubermos defender a iniciativa das pequenas comunidades, a agricultura familiar, os direitos dos grupos indígenas e quilombolas, o trabalho e a arte das quebradeiras de coco, estaremos quebrando –com gestos essenciais e eficazes- a casca dos velhos mecanismos de escravidão e saque, chamados hoje de ‘progresso’.
Não significa negar o futuro, mas devolvê-lo nas mãos e ao tempo dos pequenos.

Deus dança ao ritmo do martelo dos pobres, que quebra a casca da exclusão. Vamos sentar e dançar com eles, ou preferimos tocar a música de outras orquestras?

Terra

Terra.
A cada dia puxada das entranhas do Pará, separando o lucro do lixo, despejando resíduos nas águas e nas matas.
Terra fundida, em nossas cinco siderúrgicas, na cadeia do aço que deixa fumaça e carvão e vidas queimadas.
Terra que corre no trem de minério, deixando atrás de si buracos e direitos violados, acumulando vantagens e dinheiro fácil para poucos.
Um povo que quer fugir: falta-lhe ar e dignidade, também a terra dele lhe foi subtraída, em concessão à Vale e às siderúrgicas.

Muitas vezes comparamos Piquiá de Baixo ao povo de Deus em fuga do Egito, em busca de “nova terra e novo céu”, de uma nova relação entre as pessoas, a criação e o Deus-mãe que geme pela dor de tudo o que pariu.
Em Piquiá de Baixo, profundo interior do Maranhão, vivem trezentos famílias; devia ser, mais ou menos, o tamanho de um dos grupos rebeldes e ousados que quiseram desafiar o deserto, abandonando o sistema do Egito que aproveitava de sua mão-de-obra barata e comprava seu silêncio e resignação com poucos pães.

Essa pequena comunidade começou a sonhar com uma nova terra. Revelou a falência desse modelo de desenvolvimento, que condena as regiões de Carajás e Açailândia à exaustão. Mas não se rendeu à agressão do ‘progresso dos outros’: há cinco anos luta para sair dessa escravidão. Êxodo ao contrário: fuga de suas próprias raízes, porque contaminadas.

Hoje essa comunidade celebra uma conquista: após muita luta, finalmente houve um Decreto, fruto de pressão e articulação local, nacional e internacional. Decreto de desapropriação de propriedade: uma nova terra foi reservada para o povo de Piquiá de Baixo.
Começa uma nova história.

A Doutrina Social da Igreja e a própria Constituição brasileira dizem que a terra tem uma função social: “em caso de necessidade, todas as coisas sãos comuns”.
Hoje um pedacinho de direito concretiza-se nas mãos de quem amassou por anos suor e luta. Falta ainda muito, mas um marco de dignidade está posto: essa terra é do povo.
Sim à dignidade das comunidades, não à contaminação que expulsa inteiras famílias, arranca raízes e fecha as portas do futuro.