Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

domenica 11 aprile 2010

Qual é o teu nome?

A Caravana Internacional dos Atingidos pela Vale continua sua caminhada através do Pará e Maranhão, chegando a Açailândia.

Em cada etapa centenas de pessoas encontradas, mas sempre a mesma atenção para as pessoas, suas historias e seus nomes. Os nomes concentram em si a identidade, o passado e os sonhos de pessoas e territórios.
É engraçada, nesse sentido, a decepção do membro canadense da caravana: esperou uma semana para chegar a Açailândia e tomar sorvete de açaí... mas descobriu que o assalto às terras da região pelas empresas e o latifúndio despejou há tempo os açaís centenas de quilômetros adentro!
Ou a surpresa dos moçambicanos ao saber que Pequiá não é mais o nome da árvore bonita que tinham encontrado no Pará: agora, aqui, é simplesmente o acrônimo de “PEtrol-QUímico Açailândia”!

Assim, as terras e as pessoas mudam seus nomes pela violenta influência desse modelo de desenvolvimento.
Aliás: precisaria esclarecer também o sentido de expressões como “desenvolvimento sustentável”, “progresso”, “crescimento”. Para alguns poucos essas palavras têm extremo valor, para muitos têm somente conseqüências e efeitos colaterais.

Em Açailândia o efeito colateral do progresso é poluição, exclusão de centenas de famílias cercadas pelas firmas e cobertas de poeira (“o negócio é pó, meu irmão!”), monocultura de eucalipto que expulsa as famílias do campo...

A Caravana encontra novos conflitos, ligados diretamente à linha de ferro que atravessa povoados e cidades no Maranhão todo: atropelamentos de pessoas (mediamente uma vítima por mês, sem alguma indenização), “meninos do trem” andarilhos nos vagões de minérios de uma ponta a outra dos 900 Km de ferrovia, enorme desproporção do lucro.
Por cima da ponte do progresso corre o combóio de ferro para exportação (um valor bruto, a cada dia, de cerca de 50 milhões de reais!). Debaixo, há mais de trinta anos, permanecem os barracos do povo que parece só atrapalhar os negócios dos ‘grandes’.

Mas é esse povo que mantém a cabeça erguida e agüenta na luta de resistência e busca de alternativas: a caravana encontra a mobilização popular de Piquiá de Baixo e assina um documento de solidariedade internacional que será entregue às autoridades dos três poderes, locais e estaduais.
Num ato simbólico, na praça pública, a caravana suja suas mãos e roupas com a mesma poeira que contamina a cada dia os pulmões do povo; há quem chora, ao deixar-se tocar pelas crianças nesse gesto de solidariedade, de joelho enquanto o trem passa numa corrida desinteressada.

Outro ato simbólico amarra dezenas de máscaras contra a fumaça na porta da carvoaria da Vale, após uma caminhada de denúncia e solidariedade ao povoado de Califórnia. Cada pessoa grita sem medo seu nome e país: quem se esconde e não assume suas responsabilidades, em Açailândia, é a empresa, não o povo.

Atrás da empresa, refém de seu poder econômico e sua influência mediática, esconde-se também o poder político. A caravana faz questão de encontrar a população num seminário na Câmara Municipal, mas ninguém dos vereadores ou da administração pública participa ativamente do evento.

A etapa de Açailândia fala uma linguagem desconhecida aos ritmos do progresso: o teatro, a mística, a arte são meios de expressão popular que talvez nos permitam evitar o seqüestro de outros nomes e significados.
A vida acima do lucro! Nossos nomes e histórias valem muito mais dos interesses exclusivos das empresas.
Aliás: alguém nos explique o que significa “Responsabilidade Social das Empresas”...

giovedì 8 aprile 2010

Atingidos pela Vale

A sapucaia é uma árvore cuja castanha, quando estiver madura, destampa e deixa cair no chão suas sementes, prontas para germinar.

Debaixo de um pé de sapucaia a caravana internacional dos atingidos pela Vale encontra o povo do ‘Bairro da Paz’, uma das muitas ocupações de Marabá-PA. Milhares de famílias instaladas numa desordem total: chegaram em busca de trabalho, na ‘cidade do desenvolvimento industrial’, mas encontraram poucas perspectivas. Como a sapucaia, ao longo da conversa tira-se a tampa do silêncio e da adaptação resignada: as pessoas narram suas histórias e assim jogam pequenas sementes para um futuro diferente.

Na sombra dessa árvore acompanhamos as pessoas que passam, a pé ou de bicicleta. Somos atravessados pelo povo que anda e percebemos a densidade de vida no bairro: 2.246 famílias, muitas delas vivendo ainda em barracos e caminhando por ruas cheias de barro.

O ciclo de mineração e siderurgia desestrutura a base produtiva do povo e expulsa as pessoas de seu chão. O mínimo, nesses casos, seria oferecer melhores condições de existência e moradia a quem de repente fica arrancado de sua terra. Ao contrário: desenraizadas e deslocadas, as pessoas encontram-se amassadas em áreas violentas, sem acesso à educação e com baixa qualidade de vida. Ao seu redor, cada vez mais gente chega em busca da sorte (dizem que nos próximos anos Marabá aumentará do 50%!).
Aumenta a prostituição, diminui o emprego conforme as etapas do projeto (muitos trabalhadores para construir o empreendimento, bem menos quando começa a produção... e os desempregados ficam na região).

Atingidos pela Vale: percebe-se que são bem mais daquilo que aparece!

Mais uma vez tecem-se laços de partilha entre a caravana e o povo: cada membro em visita tira da bagagem de sua experiência comparações, conselhos, propostas.
Fernando, do Moçambique, comenta que na sua terra as casas que a Vale construiu para os desalojados por mineração são ainda piores! Feitas em três dias (!) por pedreiros capacitados em 45 dias (!).
Luís, advogado da causa popular no Peru, incentiva o povo a não desanimar: nenhum despejo pode tirar quem ocupou a terra sem violência, em boa fé e por necessidade.

Logo antes, pela manhã, o seminário entre a caravana e as lideranças locais tinha sido extremamente rico. Os participantes tinham descrito vários tipos de conflitos: a luta pela terra e a expulsão das famílias camponesas, o impacto ambiental da mineração, o inchaço das cidades ‘em desenvolvimento’, a discriminação contra os trabalhadores lesionados e ‘inúteis’, as próprias artimanhas da Vale em cooptar lideranças e aliciar o povo.

Amadurecem estratégias e selam-se alianças: fruto de um cultivo de rede que vem de longe, o movimento parece cada vez mais integrado.
Há quem sente necessárias ações diretas de denúncia e tem quem já trabalha na formação popular e na conscientização a respeito do racismo ambiental, promovendo seminários e pesquisas nos povoados.
Há comunidades que já buscam a integração através de Fórum locais ou redes de articulação regional, primeiro e segundo passo rumo ao processo de consulta popular que os peruanos nos descreveram.
Sente-se o desafio de recolher as informações e colocá-las a disposição de todos/as em espaços de acesso comum (sites ou redes de comunicação).
Permanece, enfim, a relação importante mas às vezes inconsistente com o Ministério Público, interlocutor essencial para a fiscalização das empresas e, em casos desesperados, para as necessárias ações indenizatórias, individuais e coletivas.

A sapucaia ‘destampou’ e as sementinhas estão jogadas no chão. A caravana avança mais um passo, em busca de novas terras e cultivos.

Por que choras?

Há povos que se movem pela sobrevivência, empresas que se deslocam pelo lucro. Nós, caravana dos atingidos pela Vale, percorremos a região norte do País movidos pelo choro do povo e da natureza.

Em Barcarena-Vila do Conde, região industrial e grande porto de exportação do Pará, encontramos várias comunidades e pessoas chorando. A Vale tem vários empreendimentos lá: Alunorte, Alubrás, Pará Pigmentos e um projeto de nova termoelétrica.

As comunidades não tem vergonha de lamentar, na frente de amigos de outros países, sua precariedade em situações de despejo, extrema poluição, falta de perspectivas. Com um abraço manifesta-se a solidariedade dos companheiros do Chile, Peru, Canadá, Ceará, Rio, Pará e Maranhão. Os moçambicanos comentam: “Em nossa região, pelos despejos que a Vale está provocando, o povo está começando a odiar os brasileiros. Mas, vendo estas suas lágrimas, entendemos que é a empresa quem merece nosso repudio!”

Na terra dos cabanos, todos percebem que a luta dos antepassados não foi em vão, mas continua firme e precisa de muita articulação.

“Eu sou um matuto do campo”, diz Alexandre, representante da comunidade indígena Anacé-CE. “Eu choro quando escuto camponeses querendo deixar suas terras. Morre nossa alma e nossa história. Essas firmas estão arrancando nossas raízes. Estou com medo que isso aconteça comigo também, lá em Pecém: estão levantando de uma vez, ao nosso redor, uma siderúrgica, uma termelétrica e uma refinaria!”

Uma vereadora poucos dias antes tinha falado às claras: “Sentimos muito por esses pequenos grupos, mas o interesse da gente é maior, está com as empresas”.
E a caravana vai, em busca de uma política inclusiva. “Nós não somos contra as empresas -diz o povo- mas elas não podem acabar com a gente!”

Luís, advogado peruano, sonha a olhos abertos: em vários povoados, lá no Peru, tiveram processos de consulta popular. Assim como o povo escolhe seus representantes políticos, pôde escolher seu futuro. 90% defenderam, para suas regiões, a agricultura familiar.
Os governos deveriam garantir autoridade e poder a essas formas de autodeterminação popular. De que maneira os povos atingidos ou ameaçados pela cadeia minero-siderúrgica podem participar à construção do futuro em suas terras? Serão um dia protagonistas dos planos de investimentos em seus territórios?

A caravana deixa Barcarena com essas perguntas na cabeça e com o choro do povo nas entranhas. Nos olhos, porém, o brilho da esperança e da organização.
“Nossa luta para os próximos três anos é continuar animando a rede de 250 associações que se articulam no enfrentamento das empresas. Estamos construindo o Fórum de Políticas Públicas de Barcarena, onde sentem juntos representantes populares, da administração pública e das empresas. Agora que o dano está posto e não tem como voltar atrás, pelo menos precisamos reconhecer o povo como ator principal de seu futuro.
Buscamos gerenciar um Fundo Social para o desenvolvimento popular de Barcarena”.

A viagem continua rumo Marabá e o debate no ônibus se esquenta entre os 30 membros da caravana: dialogamos sobre Fundo de Desenvolvimento, Análise de Equidade Ambiental, luta paralelas no Moçambique e no Canadá, formação sindical... a caminhada é longa, mas o laboratório de alternativas está posto e a caravana vai fazendo fermentar modelos e perspectivas diferentes: um outro desenvolvimento é possível!