A sapucaia é uma árvore cuja castanha, quando estiver madura, destampa e deixa cair no chão suas sementes, prontas para germinar.
Debaixo de um pé de sapucaia a caravana internacional dos atingidos pela Vale encontra o povo do ‘Bairro da Paz’, uma das muitas ocupações de Marabá-PA. Milhares de famílias instaladas numa desordem total: chegaram em busca de trabalho, na ‘cidade do desenvolvimento industrial’, mas encontraram poucas perspectivas. Como a sapucaia, ao longo da conversa tira-se a tampa do silêncio e da adaptação resignada: as pessoas narram suas histórias e assim jogam pequenas sementes para um futuro diferente.
Na sombra dessa árvore acompanhamos as pessoas que passam, a pé ou de bicicleta. Somos atravessados pelo povo que anda e percebemos a densidade de vida no bairro: 2.246 famílias, muitas delas vivendo ainda em barracos e caminhando por ruas cheias de barro.
O ciclo de mineração e siderurgia desestrutura a base produtiva do povo e expulsa as pessoas de seu chão. O mínimo, nesses casos, seria oferecer melhores condições de existência e moradia a quem de repente fica arrancado de sua terra. Ao contrário: desenraizadas e deslocadas, as pessoas encontram-se amassadas em áreas violentas, sem acesso à educação e com baixa qualidade de vida. Ao seu redor, cada vez mais gente chega em busca da sorte (dizem que nos próximos anos Marabá aumentará do 50%!).
Aumenta a prostituição, diminui o emprego conforme as etapas do projeto (muitos trabalhadores para construir o empreendimento, bem menos quando começa a produção... e os desempregados ficam na região).
Atingidos pela Vale: percebe-se que são bem mais daquilo que aparece!
Mais uma vez tecem-se laços de partilha entre a caravana e o povo: cada membro em visita tira da bagagem de sua experiência comparações, conselhos, propostas.
Fernando, do Moçambique, comenta que na sua terra as casas que a Vale construiu para os desalojados por mineração são ainda piores! Feitas em três dias (!) por pedreiros capacitados em 45 dias (!).
Luís, advogado da causa popular no Peru, incentiva o povo a não desanimar: nenhum despejo pode tirar quem ocupou a terra sem violência, em boa fé e por necessidade.
Logo antes, pela manhã, o seminário entre a caravana e as lideranças locais tinha sido extremamente rico. Os participantes tinham descrito vários tipos de conflitos: a luta pela terra e a expulsão das famílias camponesas, o impacto ambiental da mineração, o inchaço das cidades ‘em desenvolvimento’, a discriminação contra os trabalhadores lesionados e ‘inúteis’, as próprias artimanhas da Vale em cooptar lideranças e aliciar o povo.
Amadurecem estratégias e selam-se alianças: fruto de um cultivo de rede que vem de longe, o movimento parece cada vez mais integrado.
Há quem sente necessárias ações diretas de denúncia e tem quem já trabalha na formação popular e na conscientização a respeito do racismo ambiental, promovendo seminários e pesquisas nos povoados.
Há comunidades que já buscam a integração através de Fórum locais ou redes de articulação regional, primeiro e segundo passo rumo ao processo de consulta popular que os peruanos nos descreveram.
Sente-se o desafio de recolher as informações e colocá-las a disposição de todos/as em espaços de acesso comum (sites ou redes de comunicação).
Permanece, enfim, a relação importante mas às vezes inconsistente com o Ministério Público, interlocutor essencial para a fiscalização das empresas e, em casos desesperados, para as necessárias ações indenizatórias, individuais e coletivas.
A sapucaia ‘destampou’ e as sementinhas estão jogadas no chão. A caravana avança mais um passo, em busca de novas terras e cultivos.
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