Pe. Ezequiel tinha 33 anos; estava no Brasil há pouco mais de um ano. Sua sede de justiça foi tão grande que o mataram logo.
Missionário Comboniano, Ezequiel Ramin foi morto em 1985, numa Rondônia em plena agitação pela febre colonizadora de fazendeiros e muitos pobres em busca de futuro.
Imensa fronteira em desenvolvimento, onde grupos poderosos disputavam cada palmo de chão. Fazendeiros contra posseiros, grileiros contra pequenos agricultores, fazendeiros e madeireiros contra índios. O missionário tomou o lado dos pobres e foi brutalmente executado. Hoje, a vinte cinco anos de seu martírio, seus companheiros combonianos escrevem uma carta aberta para ele.
Ezequiel, o que é ressurreição?
Diga-nos, mártir da luta: como acreditarmos na vida quando ainda continua tamanha violação dos direitos?
Lembramos de sua paixão pela causa dos povos indígenas. Pois é, ainda hoje mais de 50% das terras deles continuam sem identificação, demarcação ou homologação.
Você deu a vida pelo chão de seu povo, mas ainda hoje o Brasil é campeão mundial na concentração da terra. Imaginamos sua ansiedade a respeito do plebiscito de setembro 2010, para um limite à propriedade e o direito à partilha do bem mais essencial que temos.
Ainda ressoam suas palavras: “muitas vezes sinto uma grande vontade de chorar, ao ver os quilômetros de cerca...”
Ezequiel: como não chorar, hoje, enquanto está sendo aprovada a reforma ao Código Florestal, que, em vez de preservar a natureza fonte di vida, vai matar as florestas e reduzir as áreas de preservação permanente?
A vida é cada vez mais ameaçada pela ilusão do crescimento e do progresso! Mas que progresso é este que suga das veias abertas da America Latina a madeira do mato, o ferro da terra e a fertilidade do chão?
Na sua Rondônia, o ano passado, quatro mil pessoas durante o intereclesial das CEBs ajoelharam-se, pedindo perdão frente às enormes barragens para usinas hidroelétricas no rio Madeira. Esta devastação não terminou e pode continuar amanhã também em Belo Monte: ainda dá, Ezequiel, para acreditar que Davi vencerá Golias?
Até sua irmã no sangue, Dorothy Stang , ainda não conheceu justiça e os assassinos dela estão impunes ainda em liberdade... Cadê o estado, defensor de direitos?
Cadê a igreja da libertação pela qual você derramou seu sangue? Como e quando essa igreja honra, reconhece e imita seus mártires?
Sumiram os mártires; hoje a medida da fé não parece mais ser a cruz da perseguição, mas o ibope de quem manipula os sentimentos do povo concentrado em praças ou templo como num grande espetáculo...
Os próprios movimentos sociais, com que você tanto trabalhou, hoje, em vários casos, parecem presos a lógicas de controle e de repartição do poder.
No meio das contradições e falências, você costumava repetir que “trabalhar com os pobres é como criar primavera”. Acreditamos nessa primavera, padre!
Sentimos que a vida pulsa nas veias desse povo, apesar das ameaças que pairam em cima dele. Admiramos a cada dia a resistência e dedicação das mulheres líderes de comunidade: é delas que você deve ter aprendido!
Sua paixão não foi em vão: hoje os olhos do povo iluminam-se quando fazem memória de pe. Ezequiel e ir. Dorothy. Luzes distantes, mas permanentes, estrelas fixas no horizonte.
Sim, nossos povos ainda têm horizonte, apesar de tudo.
Alguns perderam o sonho, vêem-se obrigados a viver dia após dia. Mas outros, ao lado desses, ainda enxergam longe, lutam por reformas, acreditam na honestidade, doam-se até o fim. Você não imagina, Ezequiel, quanto é importante para eles seu exemplo e a vida de muitos outros batalhadores do dia de hoje!
Suas palavras fecundam a vida de muitos jovens: “Tenho a paixão de quem persegue um sonho. Essa palavra tem tamanha intensidade que, quando a acolho em meu ânimo, sinto que uma libertação sangra por dentro de mim”.
A igreja que você sonhava e pela qual trabalhou ainda está em construção: depende de nós dar-lhe um sabor de libertação.
Você comentava: “É um novo jeito de ser igreja. Avanço nessa lógica. As atividades são ligadas ao social, a uma transformação concreta. O papel principal é dos leigos. Eles são igreja. Interessam-se por tudo. O trabalho é de coesão: juntos buscamos saídas para os problemas interconectados da terra, dos índios, da saúde e do analfabetismo...”
“Meus olhos buscam com dificuldade a história de Deus aqui. A cruz é a solidariedade de Deus para com a caminhada e a dor humanas. O amor de Deus é mais forte do que a morte. A vida é bela e estou feliz em doá-la!”
Ressurreição é isso, Ezequiel: doar-se com alegria para que esse povo viva! Você ainda vive, mártir da terra e do sonho de Deus. Que essa vida se transmita, apaixonada, nas muitas e muitos seguidores de Cristo que ainda seguem criando primavera!
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