Ontem
à noite o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos 'Carmen Bascarán'
ocupou a praça pública com uma de suas manifestações culturais mais lindas.
Celebrava
20 anos de história em Açailândia-MA, com o protagonismo de 150 crianças e
adolescentes, todas as suas famílias e dezenas de trabalhadores e trabalhadoras
resgatados do trabalho escravo contemporâneo. Nós Missionários Combonianos,
cofundadores desse Centro, estávamos juntos.
Escolher
uma praça para fazer memória, no cenário desses dias, tem um profundo
significado político. Ainda mais ao falar de direitos humanos e ao defender a
diversidade e o respeito de raças, religiões e gênero...
O
cenário nacional e internacional está consolidando a privatização de
interesses, o racismo, a arrogância violenta. Mais do que nunca é tempo de
voltar às ruas e de retomar o trabalho de base.
O
Centro de Defesa está na rua promovendo a arte e o encontro entre as pessoas.
Isso toca cordas mais profundas, que são aquelas de nossa humanidade. Oferece
uma palavra a mais, para além da banalidade do ódio que está se espalhando de
novo.
O
Patriarca ortodoxo Bartolomeu, ao encontrar milhares de prófugos na Grécia,
afirmou: “Quem tem medo de vocês é porque não olhou em seus olhos. Não conhece
seu rosto”.
Quem defende os Direitos Humanos experimenta quanto é difícil se fazer compreender e conquistar mais pessoas nessa caminhada! Daniel Comboni diria: é como enterrar pedras escondidas. Mas é sobre essas pedras que se fundamenta uma sociedade humana!
Quando
você defende os DDHH, alguns lhe consideram um utopista que ainda não entendeu
como funciona o mundo. Outros lhe atacam, porque está atrapalhando a ordem e o
progresso, porque para o desenvolvimento é necessário algum sacrifício
(humano?).
Cada
vez mais os defensores dos DDHH, sobretudo em nossa América Latina, são
criminalizados-as e perseguidos-as.
Mas alguém
tem que ter a coragem de dizer uma palavra diferente do óbvio, uma palavra
inédita. De não se adequar às regras impostas ou à lógica instintiva dos
“direitos dos mais fortes”.
"Quando
te elevas ao nível do amor, da sua grande beleza e poder, a única coisa que
buscas derrotar são os sistemas malignos. Amas as pessoas que caíram na
armadilha desse sistema, mas tentas derrotar esse sistema [...]
Ódio
por ódio só intensifica a existência do ódio e do mal no universo. Se eu te
golpeio e tu me golpeias, e eu te devolvo o golpe e tu também me devolves, e
assim sucessivamente, é evidente que se continua até o infinito. Simplesmente
nunca acaba.
Em
algum lugar, alguém deve ter um pouco de bom senso, e esta é a pessoa forte. A
pessoa forte é aquela que pode romper a corrente do ódio, a corrente do
mal".
(Martin
Luther King, Alabama, 1957)
A
história do Centro de Defesa está marcada pela mística que também anima nós
missionários combonianos. Destaco, nela, três dimensões chave.
1. Regenerar a África com a África
Era
o lema de Daniel Comboni ao iniciar sua missão no Sudão, ainda no século XIX.
Não
adiantam intervenções e soluções vindo de fora. Não fazem sentido e não se
sustentam.
O
caminho que realmente transforma a realidade e as vidas das pessoas com que
estamos deve ser traçado dia após dia, quase tateando, por tentativas, mas
juntos. Envolvendo essas próprias pessoas.
Investindo
nas crianças, nos adolescentes, no trabalho de base, como está fazendo o
Centro. Quem é que faz, hoje, trabalho de base?!
Comboni
dizia “Regenerar”: significa reconhecer que no outro há um grande potencial
silenciado, talvez aniquilado e consumido pelos modos de vida de hoje, mas que
pode e deve ser despertado.
2. Com a África
A
valorização das raízes afrodescendentes marcaram desde o começo a história do
Centro de Defesa.
Um
outro missionário comboniano, Heitor Frisotti, dizia que “Tem um cheiro de
Evangelho nas coisas de negro”. Como padre, não pretendia converter as culturas
afro ao catolicismo. Mas saboreava o gosto do Evangelho ao encontrá-las e
entrevia a possibilidade de buscar juntos os sinais da presença de Deus na
história de hoje.
Anacleta,
quilombola de Santa Rosa (Itapecuru Mirim-MA), visitou com outras
companheiras-os a Guiné Bissau, na África, de onde vieram seus antepassados.
Comenta sempre a surpresa e a força do resgate de suas raízes. A riqueza de sua
cultura, a resistência do povo negro que atravessou os tempos, a indignação e a
revolta que o fizeram livre, a paixão e o orgulho de uma pertença...
A comunidade
de Piquiá de Baixo, em luta teimosa por seu reassentamento coletivo em
autogestão, em fuga da poluição minero-siderúrgica, tem que escolher seu novo
nome, mas ninguém quer fazê-lo renegando suas raízes: “o nome de Piquiá tem que
permanecer, é nossa raiz!”.
Da
mesma forma, precisamos alimentar o orgulho de ser maranhense, de conhecer e
promover nossa cultura local. Meu pertencer a Açailândia, o amor por essa
cidade, a participação ativa à vida dela, para transformá-la, para que continue
sendo Cidade dos Açaís e não se transforme numa cidade de aço...
3. Autosustentação
O
Centro de Defesa tem uma forte capacidade de auto-regeneração. Admiro o esforço
de toda a comunidade para manter as atividades do Centro.
Todos
sabemos de suas dificuldades econômicas, mas quanto trabalho escondido para que
isso não comprometa o dia a dia dos projetos! É feijoada, é rifa, é uma
campanha de arrecadação... Isso tudo não serve só para coletar dinheiro:
costura relações de pertença, teima em mostrar que esse Centro é de todos e
todas, está nas mãos da cidade.
Da
mesma forma, se garante acima continuidade entre lideranças, de uma geração
para outra, porque esse sonho e compromisso é de muitos e não pode se
interromper!
Por
isso, o Centro de Defesa é muito maior daquilo que pode parecer.
“Vocês,
os movimentos populares, são semeadores de mudança.
Promotores
de um processo em que convergem milhões de pequenas e grandes ações, encadeadas
de maneira criativa, como numa poesia: por isso quis chamar vocês de «poetas
sociais»”
(Papa
Francisco, discurso aos movimentos sociais no Vaticano, novembro 2016).
1 commento:
Obrigado, é importante celebrar 20 anos de vida deste centro que promove os direitos através da participação de todos, tornando-os protagonistas.
saudação
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