Maranhão, 2016.
Apesar de termos
crescido muito, em estruturação do estado, melhoria da vida das pessoas e
organização da igreja local, ainda estamos longe dos padrões de vida da
Alemanha, dos EUA ou da Itália.
É daí que
raciocinam e opinam os quatro cardeais que levantaram críticas públicas ao
ensinamento de Papa Francisco sobre a relação da Igreja com os fiéis
divorciados e recasados.
Um primeiro
perigo de todo esse debate é reduzir a prática da Misericórdia às decisões
sobre maior ou menor rigor quanto ao acesso aos sacramentos. É a tentação de
discernir os princípios da Igreja a partir de dentro (“vamos primeiro arrumar a
casa e organizar bem as regras internas, para oferecer aos de fora um ambiente
sadio e ordenado”).
Eu estou com
Papa Francisco: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter
saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se
agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o
centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos”.
Entendo, com
isso, que também a reflexão moral e a interpretação dos princípios da Igreja
deve sempre iniciar seu diálogo a partir daquilo que as pessoas e a vida “pelas
estradas” apontam como maiores preocupações e interrogações do mundo de hoje.
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje,
sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem” (GS 1), esse é o ponto de
partida para o discernimento constante do Evangelho na Igreja.
Celebro quase
todo domingo em pequenas comunidades do interior do Maranhão. Povo de muita
alegria, resistência e fé. Não abaixa a cabeça, apesar de tanta injustiça que
ainda engole no dia a dia.
Amargura
profunda que se acumula nas entranhas.
Mas na hora da
comunhão, na fila aparecem só duas jovens recém crismadas que ainda estão
namorando, a ministra da eucaristia que nunca se casou e um casalzinho idoso
que todos temos como grande e raro exemplo de virtude e sorte no matrimônio.
Muitas mulheres,
com ainda mais crianças, não podem entrar na fila porque se casaram bem novas,
o marido deixou elas por outras paixões, por covardia ou por ter migrado para
longe em busca de trabalho e dinheiro, sem mais voltar.
Uma mistura de
machismo e de pobreza estrutural acabou com esses embriões de famílias.
Quase todas as
senhoras se juntaram a outro homem. Em diversos casos esse segundo enlace está
funcionando, pelo menos um pouco. O homem não bate na companheira, seu trabalho
na roça ou nas firmas garante um mínimo de sustentação, vez em quando ele
também se aproxima à igreja (o terço dos homens agora parece uma porta de
entrada para vencer a “vergonha de gênero” na casa de Deus e do povo!).
Desculpem essa
descrição estereotipada, sei que há muitas nuances e também que caberia muito
mais reflexão, mas aqui não temos esse espaço. Faço confissão pública que, em
diversos casos, incentivei a comunhão para essas senhoras, teimosas
construtoras de comunhão dentro de suas famílias.
Quando alguém
manifesta desejo e necessidade de comungar à Eucaristia, solicitamos à
comunidade cristã que conheça mais de perto sua situação familiar. Pedimos
ajuda sobretudo aos ministros e ministras da Eucaristia, que visitam a casa
daquela pessoa, dialogam sobre suas razões de fé e sua participação na vida da
comunidade. Convidamos a pessoa para que celebre o sacramento da Reconciliação,
que muitas vezes é também aconselhamento, restauração de uma vida sofrida que
está buscando reorganizar-se, desabafo e busca de acolhida.
Verificamos
junto à comunidade se, por algum motivo, a comunhão daquela pessoa numa
celebração comunitária pode vir a criar escândalo, ou se seria compreendida
como gesto de inclusão e compromisso coletivo de apoio na reconstrução da
família dela.
Me parece uma
prática pastoral respeitosa, atenta e em linha com o “Princípio Misericórdia”,
ao qual eu por primeiro sinto necessidade cotidiana de me converter. Porque
seguir as regras e sua aplicação imutável é mais fácil e instintivo.
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