O tempo de Páscoa leva o povo cristão às ruas, pelo menos três vezes: na Procissão de Ramos, na Via Sacra de sexta-feira santa e no fogo abençoado, na praça de nossas igrejas, antes de entrar na longa e bonita celebração do sábado de aleluia.
Celebrando junto a nossas comunidades, contemplo esse povo a
caminho e não deixo de pensar às ruas tomadas pelos protestos, nos dias mais frágeis
da história recente do Brasil.
Não podemos separar nosso ser religioso e nosso ser político. Papa Francisco afirma: “Ninguém pode exigir-nos que releguemos
a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na
vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da
sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos
cidadãos” (EG 183).
Caminhando no domingo de Ramos sonhávamos uma cidade nova, uma
Jerusalém sem guerras, armaduras e cavalos, uma cidade inclusiva e acessível
para todas e todos, aberta aos pobres, que ainda andam de jumentinho, como
Jesus...
Na Via Sacra, uma multidão seguindo Jesus condenado a morte. Em
nossa procissão escolheram um Jesus jovem e negro. É instintivo, para nossas
comunidades de periferia, identificar-se naquele homem machucado pelos
militares romanos.
Fizemos questão de iniciar a caminhada saindo da comunidade de
Piquiá de Baixo, conhecida no Brasil como a Cubatão da Amazônia, pela poluição
siderúrgica e do escoamento do minério de ferro. Sangue e poeira, fumaça e
barulho foram a moldura de nossa oração.
Na noite de sábado faremos um círculo ao redor do fogo. “Faz
escuro, mas eu canto”, repetiremos juntos, cada um com sua vela na mão. É o
jeito religioso de afirmar que a saída está na participação, na inclusão dos
pequenos, nas comunidades organizadas a caminho.
A ressurreição é como uma semente, precisa de cuidado,
teimosia e esperança para brotar. Não chega por atalhos, não se afirma por
imposição de interesses, não se alimenta de manipulações midiáticas. É lenta e
invisível, porque profunda.
Pouco se parece às tentativas de golpe em curso nesses dias. Mas
muito pode avançar se as pedras da corrupção e os espinhos do poder não a
sufocarem.
A ressurreição de um País só dará frutos se plantada na terra
boa dos pobres.
Espero encontrar-me com muitos deles, outras e outras vezes,
em nossas Páscoas nas ruas.
1 commento:
Santa Páscoa para todos vocês.
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