Passo um dia inteiro à sombra das palhas de babaçu, conversando com mulheres que acordam às cinco e trabalham lá em baixo até quando vira escuro.
Poucos dias depois estou num avião, muito acima desse chão sagrado de nosso povo: convocação para preparar com outras dezenas de grupos a agenda, clara e concreta, dos movimentos socioambientais no enfrentamento dos grandes projetos de ‘desenvolvimento’.
Que vida estranha, essa dos missionários: um dom e uma tarefa!
Missão é antes de tudo escutar, compreender a partir de quem está em baixo, sentar-se e aceitar de ficar ao ritmo do povo. De vez em quando tento fazê-lo... e logo depois me encontro a defender esperanças e denúncias de nosso povo a níveis mais distantes, onde outros acabam decidindo o futuro dos pequenos.
As quebradeiras de coco são um perfeito modelo de reciclagem rural: nada se perde. Com machado no pé e martelo na mão, separam a amêndoa para o óleo de babaçu e o mesocarpo para a farinha.
Não têm terra, forçadas a buscar espaços de sobrevivência cada vez mais limitados pela monocultura de eucalipto. As empresas queimam toneladas de madeira geneticamente modificada para produzir carvão; essas mulheres recortam os frutos da mãe terra até seu miolo, carregado de vida.
Trabalham quebrando amêndoas o dia todo. Fragmentam em mil pedaços a casca, para que saia a vida presa dentro dela.
Acontece o mesmo na construção do mundo novo que estamos intuindo e traçando a pequenos passos: há algo de vivo debaixo da dura casca desse mundo de morte e injustiça. O mundo de hoje está grávido, mas algo tem que se quebrar, rapidamente, para que recomece a vida e não sejamos engolidos pelo degrado e a ganância.
Apocalipse chama isso de ‘desvendamento’: quebram-se as águas de um novo nascimento. Essa quebra não vem de grandes revoluções, mas, acredito, dos gestos simples, repetidos e teimosos dos pequenos, que nunca deixam de defender suas tradições, suas raízes fincadas no chão, sua confiança em memórias e práticas que receberam de seus pais e que querem ensinar a seus filhos.
Se soubermos defender a iniciativa das pequenas comunidades, a agricultura familiar, os direitos dos grupos indígenas e quilombolas, o trabalho e a arte das quebradeiras de coco, estaremos quebrando –com gestos essenciais e eficazes- a casca dos velhos mecanismos de escravidão e saque, chamados hoje de ‘progresso’.
Não significa negar o futuro, mas devolvê-lo nas mãos e ao tempo dos pequenos.
Deus dança ao ritmo do martelo dos pobres, que quebra a casca da exclusão. Vamos sentar e dançar com eles, ou preferimos tocar a música de outras orquestras?
1 commento:
sentir os sinais de vida que há nos simbolos escondidos da vida simples do povo de Deus é fundamentalmente indispensavel ter sempre olhos e ouvidos atentos a mensagem de do Deus proximo dos sofredores e pastores hoje que tenha esse olhar está quase em extinçao em nossa igreja que se diz a mae da humanidade,força............
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