Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

sabato 18 aprile 2015

Pontos de vista

Desde cima...
Boa noite, sou o presidente do Sindicato das Indústrias de Ferro.
Desde quando montaram esse Programa da Grande Carajás, a gente respirou fundo. Era uma oportunidade incrível para nós! Prometemos montar, ao longo do corredor todo, mais de 10 polos siderúrgicos. Na verdade era quase como uma sedução para convencer governos e a população a acolher esse enorme projeto que depois, em sua maior parte, serviria só para a exportação.
Mas um polo, aliás, dois, conseguimos montar. Um em Marabá, outro exatamente em Açailândia, que não entendo porque está sendo comentado mundo afora. Afinal, a gente está fazendo nosso trabalho.
Imaginem: além da ferrovia, tinha a BR que ia para São Luís e uma lagoa bonita e grande – água para esfriar os nossos fornos. Pensamos: "É onde vamos instalar nossas siderúrgicas". É verdade que havia algumas casas ali, mas eram poucas e também a gente ia demonstrar que chegaram depois.
E aí montamos cinco plantas siderúrgicas com catorze altos fornos. Em seguida, aos poucos, fomos crescendo – porque o povo nos pedia isso. Construímos três usinas termoelétricas. E também uma fábrica de cimento. E também agora uma acearia, que ainda está em construção. Naturalmente, é uma oportunidade para nós, mas também é uma oportunidade para o nosso povo.
Aquele povo de Piquiá podia encontrar trabalho. A gente dá trabalho para três mil pessoas, sem contar os terceirizados. Aliás, a única forma de manter a economia rodando na região inteira é a mineração e a siderurgia. Sem isso, não haveria alternativa. Aliás, conosco não há alternativas possíveis.
Além do trabalho, a gente permite que essas populações se desenvolvam. Não é um acaso que Açailândia foi reconhecida como uma das vinte cidades que mais estão crescendo no Brasil. Alguns acham que fui eu que encomendei o artigo, mas enfim.
O desmatamento, como vocês viram, já terminou. Até porque a floresta terminou. Começamos a plantar eucalipto, quer dizer, reflorestamos. Assim estamos conseguindo injetar créditos de carbono, de forma que nosso plantio está reduzindo a poluição, porque o eucalipto produz oxigênio. É verdade que depois queimando o eucalipto nas siderúrgicas eles produzem CO2, mas antes eles produziam oxigênio. Então a gente balanceou. Nosso reflorestamento está trazendo equilíbrio.
Além disso, o trabalho escravo, que foi muito criticado, já terminou – e inclusive a gente montou um instituto, o Carvão Cidadão, que é um instituto sério que fiscaliza as siderúrgicas. É composto por siderúrgicas que fiscalizam as siderúrgicas. Demonstramos que estamos fazendo um bom trabalho.
Fazemos também o monitoramento da poluição, chamado de "automonitoramento" – porque são as siderúrgicas que monitoram a poluição das siderúrgicas. E a gente demonstra que não há poluição.
Outra crítica que nos fazem é que trazemos pouco trabalho, mas agora com a acearia, a gente está acrescentando qualidade aos nossos produtos e multiplicando o trabalho.
É verdade que recebemos benefícios como isenções fiscais. Recentemente, no município de Açailândia, conseguimos aprovar uma lei que baixou de 2% para 1% de imposto de ISS. Temos alguns favores, mas é para poder servir melhor a própria população.
Recentemente nos acusaram também de estar trabalhando com as licenças de operação vencidas, mas quem nos acusa não pode provar isso porque a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, graças a Deus, não encontra todas as licenças e demora em entregá-las. Tem advogados que estão pedindo repetidas vezes. Até ativaram o Tribunal de Justiça para conseguir essas licenças, mas graças a Deus até agora ninguém se mexeu para dar uma posição sobre elas.
Por último, é verdade, temos que reconhecer, há alguns danos colaterais que são esses moradores que, como disse, a maior parte chegou depois – e por conta das nossas firmas. Mas o que nós queremos é nos livrar rapidamente desse problema, tirando esse povo daí.

Desde baixo...
Boa noite, sou o presidente da Associação dos Moradores do Piquiá, meu nome é Edvard Dantas Cardeal.
Quando cheguei ao Piquiá, havia uma lagoa muito bonita na região, cheia de açaís. E não tinha ninguém morando. Depois, chegaram muitas famílias. Foi um dos primeiros povoados da cidade de Açailândia. A primeira escola de Açailândia está onde tenho agora minha pequena casa, desde os anos 70.
Só 15 anos depois chegou a ferrovia e 18 anos depois chegaram as siderúrgicas. Já havia a escola – o que significa que havia um número de crianças suficiente para manter uma escola viva.
Só que quando eu vi esses monstros crescendo e ninguém pedindo minha autorização – ou pelo menos, ninguém me informando a respeito do que ia acontecer –, eu caí em pânico porque não sabia o que fazer. Como me contrapor? O monstro do investimento estava se colocando como um meteoro que cai sobre nossas cabeças e eu não tinha forças para barrar.
Mas aos poucos percebi que eu poderia contar com a ajuda de alguns aliados. Fui bater à porta do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, depois à porta da Paróquia, depois procurei a Rede de Justiça nos Trilhos, depois outros aliados que chegaram.
E aí o corpo que começou a me ajudar, que começou a sustentar, a mobilizar o povo à minha volta e a refletir conosco sobre as alternativas cresceu. Fizemos um referendo perguntando a todos os moradores, 380 famílias à época: "O que a gente quer? Preferimos lutar para barrar essa poluição, permanecer aqui e tentar bloquear essa poluição? Talvez reduzir as emissões, colocar filtros ou melhor ainda, bloquear o britador que vai moendo os descartes da siderurgia para produzir cimento e cria uma poeira danada? Ou, pelo menos, tirar esses depósitos de dejetos que, quando o vento chega, descarrega tudo por cima de nossas casas?".
Mas o povo preferiu não, porque estava cansado de 20 anos de luta contra essa poluição. Disseram, a grande maioria, cerca de 90%: "Vamos embora daqui. Mas vamos embora coletivamente, não vamos aceitar uma pequena indenização separadamente e cada um que se vire. Nós somos uma família. Afinal, nos conhecemos todos, todos chegamos mais ou menos no mesmo período. Então vamos lutar pelo reassentamento coletivo".
E depois fomos fazendo amizades, né? Algumas que estão aqui, o pessoal da Usina, fomos nos aliando com pessoas de outros movimentos populares e também fomos percebendo que haviam outras instituições do direito – o Ministério Público e a Defensoria – que podiam nos ajudar.
Fomos ativando todos os canais, para tentar fazer pressão. Alguns de nós estavam enraivados e chegamos a processar uma das siderúrgicas. Aquela que está bem do lado do quintal das nossas casas. Vinte e uma famílias entraram com processos individuais e já conseguiram a primeira condenação no Fórum de Açailândia. Vinte e uma decisões do juiz em nosso favor.
Mas as siderúrgicas sabem que o processo vai demorar muito e vai subir ao Tribunal de Justiça – e lá, tenho a impressão de que eles têm uma boa influência. Mas nós não vamos desistir. Vamos acompanhar esses processos.
Em paralelo, o reassentamento continua, a partir de uma negociação extra-judicial. E nessa negociação, a gente foi pedindo e conseguindo, passo a passo, pequenas vitórias.
Tínhamos algumas metas. Primeiro, conseguir uma nova terra. Onde vamos nos reassentar?
Fomos estudando e oferecemos cinco condições ao Ministério Público. Tinha que ser um terreno ao lado da BR – porque nós vivemos ao lado da BR. Tinha que ser próximo à cidade, porque não queremos ficar nos cafundós, onde se costumam colocar as pessoas descartadas. Tinha que ser grande o suficiente para deixar todo mundo no mesmo local – não aceitaríamos dividir, nem pela metade o nosso povo. E tinha que ser um terreno regular em sua documentação, pois queremos a propriedade. Então, assim, o Ministério Público foi selecionando. Escolheu.
Lutamos para desapropriar esse terreno, foi uma luta dura e agora não tenho tempo para explicar para vocês, mas tivemos que pressionar bastante porque também a Justiça, vocês sabem, né? Pra que ela se mova... Aliás, tínhamos feito um camisa com os dizeres: "As vacas têm para onde ir, mas o povo do Piquiá não". Porque naquele terreno lá, havia uma pastagem. E, poxa... pastagem tem pra caramba. Essa é a cidade que tem o maior gado leiteiro e de carne do Maranhão. Então dava para levar as vacas pra outro lugar e nos colocar lá, né? Fomos com essa camisa no Tribunal de Justiça, até quando foi finalmente sentenciada a desapropriação.
Tivemos que fazer muitas outras brigas para conseguir uma indenização que fosse ao mesmo tempo justa e não especulasse sobre o nosso terreno. Só no mês passado terminou essa odisseia jurídica. Graças a Deus. Não aguentávamos mais ver essas leis e elas também não aguentavam mais ver a gente.
E agora estamos lutando por um outro processo grande. Conseguimos o terreno e agora precisamos viabilizar a construção coletiva do nosso bairro. Mas essa é uma outra história, que vou deixar para os meus amigos da Usina contarem.

Transcrição de uma fala durante encontro realizado na sede da Usina CTAH em 05 de outubro de 2014. Fotos: Marcelo Cruz.

martedì 17 marzo 2015

Ana Paula...

Cara Ana Paula,
Quantas vezes discutimos, na porta da casa paroquial à noite, nas vielas da prainha do Jacu, na casa de sua segunda mãe, a Dirce, ou junto ao padre Pedro que ainda hoje pergunta por ti...

E quantas vezes voltávamos a nos procurar, quase com saudade...

Conversar contigo era sempre muito gostoso: com seu espírito irreverente e rebelde, você enxergava o mundo sem enfeites.

Dizia o que era para dizer, à sua maneira desmascarava a hipocrisia de todos nós. 
Também na igreja: lembro ainda, algumas vezes, você sentada no banco esperando que a missa terminasse, comentando em voz alta durante a celebração, fazendo questão de comer aquela hóstia que lhe parecia um prêmio para poucos. Você também merecia!

Todos, eu sua gíria colorida, ganhamos um apelido seu; você fazia um raio-X de nossas posturas e palavras e sua existência breve foi tocando, uma a uma, todas as contradições de nossa sociedade.

Viveu sem raízes, porque assim era seu coração, mas também porque a terra que soubemos lhe oferecer era dura e árida. Mesmo assim, nessas tantas periferias que você habitou, nos mostrou que podem brotar várias flores.

Celebramos seu aniversário num barraco, pouco depois da enchente da Prainha do Jacu; ao redor do bolo, naquele dia, até eu me senti em família. 

Tão grande era seu descuido por você mesma, quanto a preocupação e o carinho por sua irmã mais nova, ainda mais agora que ela tem um filhinho... Creio que você também teria sido uma boa mãe, sabe?

Foi por causa de você que fizemos amizade com seus colegas andarilhos. Tomando chuva juntos, à beira da estrada, uns se recomendavam aos frágeis cuidados dos outros...

E lá no lixão era você nossa ‘informante’, para saber como estava o ‘Coca’, ou a ‘Vozinha’. Vez em quando havia briga, por lá, mas é incrível quanto os trabalhadores e trabalhadoras do lixão se lembravam e preocupavam por ti.

A mais bela flor que brotou onde você passou foi a solidariedade de dona Arlete. 
Seu barraco não fica longe da entrada do lixão, o marido trabalha lá o dia inteiro, ela ajuda no final de semana e cuida dos dois filhos o tempo todo. Espaços apertados, em casa, esquivando as goteiras do telhado furado, os pintinhos, gatos e o alegre quati que correm no meio das pernas. 
Não havia mais, para você, um lar onde se proteger, nem família e nem mais forças para enfrentar a vida. Magra e sem fôlego, confusa e apavorada. 
Arlete esticou mais uma rede, por cima da cama da filha, e você ganhou uma nova irmã por poucos dias. Ela também chama-se Ana Paula, continuará a viver em seu nome...

Existe sim, a solidariedade entre os pobres, e não tem medida nem interesses. Nasceu no lixão, tem um perfume que nossa sociedade descartou e que não se compra nas lojas do centro.

Mas sua morte, Ana Paula, não é romântica. 
É um punho no estômago. É mais uma falência.
Faliu nossa solidariedade que não se fez amparo. Faliu nossa cidade que se diz ‘em crescimento’. 

Lembro-me das vezes que, no coração da noite, zangada e revoltada, você batia com força a nosso portão, por desabafo ou para pedir ajuda.
Agora que você também fica em silêncio, perdemos mais uma oportunidade de acordar.

martedì 17 febbraio 2015

A missão da igreja no Fórum Social Mundial

Participei ao Fórum Social Mundial (FSM) em Tunes em 2013, com minha família, os Missionários Combonianos. Pela ocasião, realizamos também um Fórum Comboniano de relance do compromisso por justiça, paz e integridade da criação.

No mundo magrebino respirava-se um clima de renascença, que definimos “primavera de diálogo”. Eram os dias da Páscoa e celebramos a força nova de um povo que estava se resgatando. Despertavam-se a dignidade e o espírito crítico das mulheres, a potencialidade dos jovens, seu desejo de abertura ao mundo.

Em 2015 o FSM volta a Tunes, mas a conjuntura, em pouco tempo, mudou. Na região do norte da África, as revoluções dos movimentos democráticos não chegaram a desenvolver as alternativas de justiça, direito e dignidade reivindicadas ao longo de anos de luta recente. 
Cresceu, ao contrário, a violência. Responsáveis disso são, de um lado, grupos extremistas que querem se impor; por outro lado, governos locais que se agarram ao poder sem capacidade de propor alternativas; por outro lado ainda, as intervenções diretas das potências nacionais norte-americanas, europeias e dos países do Golfo em luta para fortalecer seu poder político, econômico e energético nessa preciosa região.

“Está em jogo a própria existência dos estados nacionais” – afirma um documento preparatório do Comitê Internacional do FSM[1]. “Podem definitivamente estourar os equilíbrios históricos que fundaram a existência desses Estados e emergir territórios autônomos, com bases religiosas ou étnicas, sensíveis a todas as manipulações das grandes potencias nacionais ou regionais do momento”.
O norte da África é também ponto de fuga de milhares de migrantes em busca de futuro, tentando penetrar as barreiras dos governos nacionais europeus, ainda amedrontados pela crise econômica que pesa sobre as camadas mais pobres. 
]O Mar Mediterrâneo é muralha e túmulo silencioso de mais de 23mil desesperados que morreram afogados na travessia, ao longo dos últimos 13 anos.

Há evidentes sinais de uma crise profunda, que descarta, por medo de si mesma, a possibilidade de alternativas econômicas de maior respeito ambiental e prefere políticas de curto prazo, antisociais e de extremo impacto sobre os territórios.
O capital financeiro não está pagando o preço da crise que provocou. Ao contrário, voltou à ofensiva no planeta inteiro, e com linguagem e atitudes sedutoras e enganosas.

As grandes empresas e os estados nacionais empossaram-se dos valores e das bandeiras populares dos movimentos sociais, disfarçando os conflitos e violações que provocam e de que necessitam para sobreviver e lucrar. Prometem “desenvolvimento local” a partir de grandes projetos em parceria entre o capital financeiro internacional e o poder político local, realizam ações descontinuas de “responsabilidade social de empresa”, assumem parâmetros empresarias automonitorados (!) de respeito dos direitos humanos e ambientais.

Nessa conjuntura hostil à promoção dos direitos, qual a incidência dos movimentos sociais? Ainda faz sentido um FSM, e como deveria ser convocado e realizado? Trata-se de perguntas recorrentes, nas últimas edições desse encontro mundial dos movimentos populares, que já tem 14 anos de história.
Com certeza, o FSM continua sendo um momento importante de debate e intercâmbio a partir de temas e resistências comuns, por exemplo frente ao acaparramento e concentração de terras, à disputa por bens naturais como água, minérios ou hidrocarburos, ao tráfico de pessoas ou ao desafio das migrações, ao poder descontrolado das transnacionais ou ao mercado de armas e à indústria da guerra. 
Também, o FSM é espaço de organização das lutas e alternativas possíveis, como a agroecologia e a soberania alimentar, a geração de energias limpas e de baixo impato sócioambiental, o decrescimento e as transições pós-extrativistas como respostas estratégicas à crise desse modelo de consumo. 

Encontrar-se com pessoas e grupos que há tempo, nos diversos cantos do mundo, assumem esses desafios é uma rica oportunidade de aprendizagem mútua e de resgate da esperança e da organização de rede.
Cada vez mais, hoje, sente-se uma grande necessidade de convergência. Precisa repensar o papel dos movimentos sociais, num cenário em que o extremo poder do capital financeiro provoca uma progressiva fragmentação e dispersão das iniciativas populares.

O próprio Comitê Internacional do FSM reconhece que uma das inspirações novas pode vir da iniciativa de Papa Francisco, que convocou no Vaticano, em outubro de 2014, o Encontro Mundial de Movimentos Populares. Participaram organizações de excluídos e de pessoas marginalizadas dos cinco continentes, e de todas as origens étnicas e religiosas: camponeses sem terra, trabalhadores informais urbanos, recicladores, carrinheiros, povos originários em luta, mulheres reclamando direitos, etc. 
“Uma assembleia mundial dos povos da Terra. Mas dos povos em luta e que não se resignam”, comentou o diretor de Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet[2].
Francisco, em seu discurso, destacou que “os pobres já não esperam de braços cruzados por soluções que nunca chegam; agora os pobres querem ser protagonistas para encontrar, eles mesmos, uma solução para os seus problemas”, pois “os pobres não são seres resignados, mas sabem protestar e se revoltar”. Disse que espera que “o vento dos protestos se converta em vendaval de esperança”.

Essa é uma indicação a ser assumida com cada vez mais determinação e vigor: a partecipação e o protagonismo das vítimas, dos diretamente atingidos, dos pobres. O papel das igrejas, nesse sentido é essencial. Elas são uma das poucas organizações que ainda assume, com fidelidade, o trabalho de educação popular e articulação de base.
Resgatar a missão das igrejas frente aos desafios que descrevemos significa também aprofundar a mística da defesa da dignidade e dos direitos humanos. Valorizar o encontro das diversas religiões na defesa dos bens comuns, da vida e do planeta.

Os combonianos, por ocasião de seu último Fórum, escreveram: “A força de nossa fé e identidade está na inclusão e na escuta, mais que na definição de limites e diferenças. Somos mulheres e homens da rua e do Evangelho. Temos uma grande riqueza: a experiência missionária para ser partilhada. Mas precisamos sistematizá-la, recuperar os fragmentos, explicitá-la, refletir mais profundamente sobre ela. Cabe a nós propor uma espiritualidade e teologia encarnada, alimentada pela escuta bíblica, a caminho com Cristo, verdadeiro libertador da história, resgatando a mística dos povos a que pertencemos e que servimos, em diálogo com o patrimônio espiritual dos povos nativos e das grandes tradições religiosas do mundo”.

Voltemos, então, ao FSM 2015 com esperança e determinação. Destacamos, como propostas que serão relançadas também naquela ocasião, algumas frentes de ação importantes, inclusive para nosso cenário brasileiro e latinoamericano.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) declarou 2015 Ano Internacional dos Solos, com o objetivo de aumentar a conscientização sobre a importância do solo para a segurança alimentar e as funções ecossistémicas essenciais. Um desafio enorme, no contexto mundial de saque dos recursos e dos bens naturais, com impactos profundos e irreversíveis sobre as populações e territórios (e também no contexto brasileiro, onde a recente nomeação da senadora Kátia Abreu como Ministra da Agricultura traiu as expectativas dos movimentos populares, barrou as poucas oportunidades ainda possíveis para uma efetiva reforma agrária e consolidou a ameaça latente à sobrevivência e aos direitos das populações tradicionais).

Também as igrejas do continente latinoamericano estão se dedicando com progressivo afinco à urgência do resgate da justiça ambiental. Fortemente incentivada pelo próprio Papa Francisco, nasceu em 2014 a Rede Eclesial Panamazonica (REPAM), que reúne a experiência de muitos evangelizadores e missionários nos quatro cantos da Panamazônia com as diretrizes pastorais e a influência política das diversas conferências episcopais desse território. Na mesma sintonia, continua um processo de articulação “de base” e ecumênico em defesa da vida frente às ameaças dos grandes empreendimentos mineiros em América Latina. “Iglesias y Minería” juntou recentemente quase 100 lideranças leigas ou religiosas de 13 diversos países, para relançar o acompanhamento das comunidades atingidas e fortalecer a proteção delas.

O desafio das mudanças climáticas paira com cada vez mais urgência sobre a humanidade. Em dezembro de 2015 será convocada a 21ª Conferênca das Partes (COP21), em Paris. Será um encontro decisivo para o futuro do Planeta. 
Por ocasião da recente Conferência de Lima, a Conferência Episcopal Peruana se pronunciou com contundência: “A Doutrina Social da Igreja se preocupa para que estejam presentes na política socioambiental as autenticas soluções aos problemas ecológicos que hoje enfrentamos.  O verdadeiro desenvolvimento deve respeitar a dignidade humana e os limites do nosso planeta. (...) É importante alcançar um acordo jurídico internacional, relevante e vinculante, que seja aplicável a todos os Estados”[3].

Cada vez mais movimentos sociais e intelectuais no mundo interpretam a crise planetária não só em nível financeiro ou como uma disfunção do capitalismo, e sim, mais profundamente, como uma verdadeira crise de civilização.

O FSM 2015 terá como tema “Dignidade e Direitos”. Nesse contexto, nossa primeira e essencial missão de cristãos será resgatar a sacralidade da vida e a urgência da opção para o protagonismo dos pobres.




[1] Disponível em: http://fsm2015.org/es/dossier/2014/12/11/contexto
[2] Ramonet, Ignácio, O dia histórico em que o Papa se reuniu com os movimentos, Disponível em: www.vermelho.org.br/noticia_print.php?id_noticia=252525&id_secao=8 
[3] Discurso de Dom Salvador Piñeiro García-Calderón, Arcebispo de Ayacucho, Presidente da Conferência Episcopal Peruana, aos representantes de governo presentes na COP 20 de Lima, Peru – dez 2014

sabato 10 gennaio 2015

Nesse tempo de terrorismo, de que Espírito precisamos?

Nesse domingo, o primeiro depois do trágico atentado na França que está multiplicando no mundo os mais diversos comentários, o Evangelho nos fala do Espírito do Senhor que desce sobre Jesus. E que ele, desde a cruz, devolveu à humanidade inteira, como sopro recriador.

Refletindo sobre o terrorismo, Leonardo Boff oferece essa síntese: “É todo tipo de violência espetacular, praticada com o propósito de ocupar as mentes com medo e pavor”.
Os fatos desses últimos dias estão tomando posse de nossas mentes e instalando em muitas pessoas sentimentos profundos, radicais e fundamentalistas.

Afunda-se em alguns o espírito de vingança e intolerância. Reforça-se em outros o espírito do preconceito, da generalização. Outros ainda cavalgam o espírito do oportunismo político, porque no tempo do medo o poder se reforça.
É provável que se consolide, em nível internacional, o espírito do terrorismo institucional, que legitima a militarização, a caça ao inimigo, a pena de morte e a tortura entendidas como instrumentos de repressão e prevenção, as barreiras étnicas, religiosas e econômicas para defender identidade e privilégios exclusivos.
Pode aumentar uma espiral de violência que estimule, por parte de quem se sente agredido (cultural, econômica ou militarmente) novos atentados e ameaças.

Creio profundamente que a fé, apesar dos desvios que sofreu nas diversas formas em que tenta de se encarnar, tenha ainda muita luz a oferecer no cenário desse anoitecer de nossas civilizações.
Existe um Espírito diferente que pode alimentar nossa esperança de vida e fraternidade. Entendo melhor, hoje, o gesto demais mediatizado de papa Francisco que chamou à oração, num jardim, o espírito muçulmano e hebreu dos chefes de governo israelense e palestino.

De forma atenta, contínua e muito lenta, precisamos trabalhar o espírito que ocupa nossas mentes, nosso modo profundo de ler a história e interpretá-la, desmascarando os outros espíritos ‘ambíguos’ que a dirigem, nos influenciam e estão construindo uma sociedade cada vez mais racista, militarizada e agressiva.
“Um lápis não degola ninguém”, dizia uma das vítimas da loucura terrorista. Porém, o lápis, a palavra e a mente alimentam ações, influenciam pensamentos e culturas. Como é importante o cuidado que devemos pôr à nossa maneira de cultivar ideias, fés, valores e princípios para as escolhas individuais e comunitárias...

Como é importante, nesse domingo em que circulam milhares de comentários sobre os fatos de Paris, indagar sobre o Espírito que desce sobre o Galileu, homem de periferia, de uma terra de revoltosos e excluídos, “do outro lado da civilização” (além do rio Jordão).
Como é necessário dar visibilidade àquilo que já acontece há tempo, na outra margem do rio: pessoas que cotidianamente e em silêncio se dedicam ao diálogo intercultural, à acolhida e à inclusão do estrangeiro; pessoas de diferentes fés que se encontram em busca do Espírito, por exemplo exatamente na França, a Taizé, ou como tentaremos organizar na Tunísia, em oração inter-religiosa por ocasião do próximo Fórum Social Mundial...


E como nós também, no dia-a-dia, podemos tentar viver vencendo a banalidade do preconceito, exercitando-nos na arte do encontro, do perdão, controlando nosso racismo, interrompendo a espiral de violência passo a passo, como se fosse apagar fósforos...

domenica 21 dicembre 2014

Natal: pôr casa no meio da humanidade

No último domingo antes do Natal, a Palavra de Deus apresentou-nos um contraste.
O rei Davi decide de construir uma casa para seu Senhor. Ele imagina um templo deslumbrante, sinal da autoridade de Deus e do rei, na capital do poder religioso e político, Jerusalém (seu sucessor, Salomão, poucos anos depois irá concretizar esse projeto). A reação do Deus de Abraão, Isaque e Jacó é forte: quem é você para construir uma casa para mim?

No Evangelho, o projeto inverte-se: é Deus que pede permissão a uma moça da periferia galileia para “pôr a sua casa” no coração da humanidade, através dela.

Se olhar para trás, nesse intenso ano de caminhada missionária no norte do Brasil, vejo esses dois extremos em nossa vida comboniana.

Em muitas situações estamos nos comprometendo para “construir uma casa” ao Senhor e às pessoas. O projeto de reassentamento do bairro de Piquiá de Baixo, em fuga da poluição, continua intensamente, mesmo se com passos bem mais lentos que a vida fugindo rapidamente das mãos de quem mora ao lado das siderúrgicas. Há sete anos estamos mergulhando num projeto complexo, prolongado e de extrema responsabilidade.

Muito de nosso compromisso missionário tenta combater as causas estruturais da violência profunda sofrida em nossos territórios. Os frutos são o desmatamento, o trabalho escravo, o saque dos bens comuns, o êxodo rural e a perda do patrimônio cultural das populações indígenas, dos descendentes afro, dos trabalhadores do campo... As sementes são a imposição dos grandes projetos de exportação das matérias primas ou a fome de energia produzida a baixo custo para os interesses do capital industrial, às custas das populações locais. Ou, ainda, o modelo de consumo que está hipnotizando nossas comunidades, provocando violência, desejo e competição.

Para trabalhar à raiz esses desafios e aradar o duro terreno de uma estrutura social e econômica profundamente injusta, nos dedicamos muito, nesse ano, a outros projetos de amplo respiro: a rede Justiça nos Trilhos cresce em sua organização e, ao mesmo tempo, em sua capacidade de se aproximar às comunidades mais prejudicadas pela duplicação do imenso sistema de extração e exportação do minério de ferro.

Em paralelo, nasceu durante esse ano a Red Eclesial Panamazonica, um tecido de dioceses, organismos eclesiais e pastorais sociais que pretendem reorganizar, articular e potencializar o compromisso da igreja em defesa da vida e dos territórios amazônicos. Nós combonianos temos a honra e a responsabilidade de participar desse processo desde o começo.

Além disso, um longo processo ‘de base’ desembocou, em dezembro, no segundo encontro “Iglesias y Minería”. Reuniram-se quase cem coordenadores leigos e religiosos/as comprometidos em América Latina para enfrentar as graves violações provocadas pela indústria mineira no continente inteiro. Definimos as linhas de trabalho e articulação para os próximos dois anos, tentando incidir cada vez mais na linha pastoral de nossos bispos e suas conferências episcopais. 
A igreja deve manter-se fiel a sua posição profética em defesa da vida, com a coragem de denunciar o absurdo de um sistema que maximiza o lucro e destrói as culturas, as comunidades, o meio ambiente e as perspectivas de futuro.

Enfim, estamos construindo muitas “casas” que esperamos sejam apreciadas pelo Senhor e nas quais desejamos muito que ele venha habitar. Também os combonianos no Brasil têm unificado, há pouco, suas duas províncias e agora são um grupo de mais de oitenta missionários presentes em diversos territórios, com muitos desafios diferentes para enfrentar e com a necessidade de definir um projeto comum eficaz e profético.
Vem, Senhor Jesus: vem inspirar com seu Espírito todos esses espaços em que, sinceramente e sem as pretensões do rei Salomão, esperamos que o Senhor “se sinta em casa”!

Mas a Palavra nos provoca: não é ainda esse o coração da missão. Não faz sentido construir espaços em que “justiça e paz se abraçarão”, se não dedicamos tempo e atenção às sementes de vida que o próprio Deus, antes de nós, cultiva nas pequenas coisas de cada dia.

Esse ano me provocou muito, nesse sentido.
As responsabilidades e as diversas necessidades me afastam cada vez mais da vida cotidiana da comunidade missionária de Piquiá. 
Devo agradecer, então, o testemunho silencioso e fiel de pe. Ângelo, a teimosia de ir. Antônio no enfrentamento cotidiano das contradições de nossa cidade, a imersão rápida e atenta às pessoas do recém-chegado pe. Massimo, a dedicação pastoral e o testemunho de família de Valentina e Marco (que escolheram dar à luz aqui a nova vida que conceberam!), a competência e amizade de João Carlos e Dida, o outro casal de missionários leigos em Açailândia, o companheirismo de Danilo, advogado popular que há quase cinco anos trabalha junto conosco.

O espírito de família comboniana, que une religiosos, leigos e leigas, como Comboni já fazia 150 anos atrás, é talvez um dos pequenos espaços em que o próprio Deus pede permissão para nascer.
Outros desses espaços fecundos são os encontros cotidianos, o trabalho comunitário junto às famílias das diversas comunidades, o acompanhamento silencioso e impotente de uma nossa liderança doente terminal... Enfim: o Deus das pequenas coisas, que nesse ano bateu à minha porta “aparando-me e podando-me” para não esquecer que, mais de todas as estruturas, importam a humanidade, o respeito e amizade.

“O Senhor te anuncia que fará uma casa para ti”, diz o profeta ao rei Davi. Creio que essa seja a síntese: sentirmo-nos em casa com o Deus da Vida e com amigos/as a caminho conosco.
Seja comprometidos em grandes projetos ou contemplando o Deus das pequenas coisas, nossa vocação missionária é feliz porque nos sentimos em casa e porque estamos cuidando da casa das relações entre nós e com a criação inteira.


Que nesse Natal o próprio Deus se sinta em casa com cada um/a de nós, sinceramente comprometidos/as para que tudo tenha vida, e vida em abundância.

domenica 28 settembre 2014

Apoiando a luta quilombola

Trinta e cinco comunidades quilombolas, na região de Itapecuru Mirim (MA), levantaram a voz.
De forma organizada, nãoviolenta, firme, com a pujança dos tambores e o vínculo da raça.
Reivindicam o reconhecimento e a titulação de suas terras, frente à indiferença e à burocracia dos órgãos públicos e contra os grandes projetos extrativistas que invadiram suas vidas.

Mais de trezentas pessoas ocuparam por cinco longos dias a Estrada de Ferro Carajás, em concessão à mineradora Vale que escoa por ela 300 mil toneladas de minério de ferro por dia, através de terras quilombolas, indígenas e dos agricultores familiares.
Alguns quilombolas amarraram-se aos trilhos e entraram em greve de fome, até as comunidades serem recebidas por autoridades federais, “porque estamos cansados das promessas vazias e nunca cumpridas pelo INCRA do Maranhão”.
Escreveram, ao longo dos trilhos, “Nem mineração, nem agronegócio: terra para a vida”.

Denunciam “um processo de extermínio” contra as comunidades negras do estado, seja por causa de vários assassinatos de lideranças, como por despejos, invasões de suas terras ou grandes projetos de investimento sem que haja consulta prévia, livre e informada dos moradores nos territórios.

No quinto dia, os manifestantes conseguiram o primeiro objetivo de sua ainda longa luta: representantes da Secretaria Especial da Presidência e do INCRA de Brasília foram negociar com eles, debaixo das mangueiras de Santa Rosa dos Pretos, terra consagrada pela resistência quilombola.

A rede Justiça nos Trilhos, da qual os missionários combonianos são membros fundadores, esteve ao lado das comunidades quilombolas o tempo todo e continuará acompanhando suas reivindicações (maiores informações aqui).

O terreiro de Santa Rosa vibra pelo orgulho negro que mais uma vez mostra sua força e organização. As mulheres quilombolas lembram as profetizas da história do Êxodo, que pegaram os tambores “formando coros de dança” e proclamando “Javé é minha força e meu canto, ele atirou no mar carros e cavalos”.

No encontro das crenças, na noite de São Cosme e Damião, se reafirmam a vida e a autoridade dos pobres que exigem justiça. 


(fotos: Marcelo Cruz)

domenica 9 marzo 2014

A força da Verdade

As histórias que a gente lê nos mantêm informados, e isso é justo.
Mas quando uma história começa a se tornar familiar, a gente cria como uma amizade com seus protagonistas, um vínculo que supera a informação fria, e isso é humano.

Hoje voltamos a falar do povo de Piquiá de Baixo. Já devem ter ouvido muito sobre essa pequena comunidade da pré-Amazônia maranhense, vítima há três décadas da poluição siderúrgica e dos projetos devastadores da empresa Vale.

Há seis anos Piquiá luta para fugir da poluição e passo a passo avança no lento e progressivo êxodo rumo ao reassentamento. No xadrez dessa longa batalha, a Associação de Moradores está aprendendo estratégias e experimentando ações para desbloquear a indiferença e a hipocrisia dos poderes públicos e privados que enfrenta.

No final de fevereiro, chegou de novo o momento de levantar a voz. Vários prazos e acordos assinados e nunca respeitados venciam naqueles dias. Precisava mudar de marcha, depois de meses de negociações, diplomacia, pressões políticas, campanhas midiáticas, denúncias e manifestações de solidariedade em nível nacional e internacional.

Precisava de algo mais forte e permanente. A Associação tinha se reunido várias vezes, semanas antes, para decidir o que e como fazer. O desafio era vencer o medo de enfrentar os poderosos, mas ainda mais superar com entusiasmo e paixão a desilusão dos pobres.
As empresas dia e noite vomitam gás, pó e barulho em cima do povo, aliadas e protegidas pelos poderes públicos. Essa situação ainda não se resolveu também por causa da resignação dos pequenos, que não têm energias para resistir muito tempo. Quando faltam sinais de vitória e de futuro, eles abaixam a cabeça, ou fogem em busca de uma outra vida.

Precisava de algo que ao mesmo tempo despertasse opressores e oprimidos.
Era uma quinta-feira, ao nascer do sol. Um velho carro de som passava pelas ruazinhas adormecidas e empoeiradas de Piquiá de Baixo, acordando as pessoas: “Corram, rápido, todo mundo na pracinha do povoado!”.
Das comunidades do interior chegavam alguns reforços, organizados pelo MST e pelo Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais. A diretora da escola liberou os alunos da quarta série e um bom grupo de crianças de uniforme alcançou o círculo de pessoas na praça, que ia engrossando.

Meia hora depois, o grupo era grande o suficiente para a ação não violenta planejada: fechar a entrada das duas maiores empresas siderúrgicas bem em frente ao povoado, sem deixar entrar nem sair os caminhões de minério, carvão ou ferro-gusa.

Por trinta horas as pessoas resistiram, debaixo de uma chuva torrencial, seguida do forte sol maranhense.
Passaram a noite, enfrentaram a pressão da polícia e a arrogância dos gerentes das empresas.
Num momento de cansaço, logo depois do amanhecer do outro dia, seu Florêncio pegou o microfone e com sua voz fraca, interrompida pela tosse constante, leu um trecho do apóstolo Tiago. Fitava os chaminés da empresa, como se estivesse falando com pessoas: “Digo a vocês, ricos: suas riquezas apodreceram; seu ouro e prata está sendo corroído pela ferrugem. Vocês condenaram e mataram o justo e ele não pode vos resistir”.

Poucas horas depois, chegou o presidente do sindicato patronal. Visivelmente nervoso, tinha deixado a capital para alcançar, de avião, os manifestantes. Inicialmente com tom suave e sedutor, declarava que as empresas há tempo eram sensíveis à causa do Piquiá de Baixo e colaboravam com suas necessidades.
Chegou a definir-se “parceiro” da comunidade. Dona Tida não aguentou mais e com firmeza e palavras simples desvendou essa hipocrisia.


A falsidade è a pedra angular da ganância a todo custo, pintado como motor do desenvolvimento de regiões que continuam, porém, entre as mais pobres do País: bolsões de pobreza e lixões da produção industrial sem escrúpulos nem limites, inevitáveis para as firmas vencerem a concorrência e maximizarem o lucro.

Por outro lado, a simplicidade e transparência das pessoas, que agem na verdade, mete medo e pode realmente mover as montanhas. É o Satyagraha de Gandhi: “agarrar-se à verdade”, que de fato nos liberta.

Sabendo da justiça de suas ações, os moradores de Piquiá levantavam a voz e não recuavam nem de um passo. Nenhum desconto às exigências de quem sofre!
Por uma vez, a firmeza do povo venceu: resignado, o sindicado industrial assinou o acordo de pagamento da indenização do terreno para o reassentamento. A terra prometida se aproximava de alguns passos.
Falta ainda muito, porém. Caros amigos/as de Piquiá, permaneçam atentos às vozes das periferias, para que não venham a ser sufocadas.

http://piquiadebaixo.justicanostrilhos.org