Há duas maneiras para neutralizar a profecia e a esperança que Papa
Francisco está nos transmitindo: engaveta-lo ou afastá-lo em cima de um palco.
A potência da encíclica Laudato Sí poderia apagar-se rapidamente, depois
de alguns artigos nos jornais e alguns debates em nossas paróquias. Nossos
amigos mais comprometidos na causa socioambiental em outros países
latino-americanos, como Equador, Colômbia ou Peru, queixam-se pelo desinteresse
de setores importantes da igreja institucional, que já engavetou o texto, para
que não incomode demais.
Parece que Francisco previsse isso, se consideramos a insistência com
que, na encíclica, oferece “um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira
em que estamos construindo o futuro do planeta”, “para buscar juntos caminhos
de libertação”. Laudato Sí deveria repartir-se como pão cotidiano nas mesas de
nossas comunidades e famílias, nos bancos de nossas escolas e universidades,
nas rodas de debates em nossos bairros e nos grupos de rua de nossas igrejas...
Em outros casos, consciente ou inconscientemente, a força da mensagem de
Francisco é afastada, fora do alcance da vida cotidiana: muitas pessoas fazem
dele um profeta, que fala em nome de todos e representa o que todos esperam.
Mas ficam mesmo esperando, não se
mobilizam para uma mudança que envolva todos os níveis da igreja e deixam ele
sozinho no palco do cenário internacional. É por isso, acreditamos, que
Francisco lembra continuamente que seu tempo “não durará muito”: para evitar
mecanismos de projeção, que desresponsabilizam.
“Aos problemas sociais se responde (...) com redes comunitárias”,
provoca o Papa (LS 219).
No discurso aos movimentos sociais em Bolívia faz um
apelo a todos, especialmente aos mais frágeis e excluídos, para um compromisso
coletivo: “O que pode fazer aquele estudante, aquele jovem, aquele militante,
aquele missionário que atravessa as favelas e os paradeiros com o coração cheio
de sonhos, mas quase sem soluções (...)? Muito! Podeis fazer muito. Vós,
os mais humildes, os explorados, os pobres e os excluídos, podeis e deveis
fazer muito. Me atrevo a dizer que o futuro da humanidade está, em grande
medida, em vossas mãos, em vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas
criativas (...) e em vossa participação como protagonistas nos grandes
processos de mudança, nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!”
Como missionários nos comprometemos nisso! Está claro para nós que esse
é “o momento favorável, o dia da salvação” (2 Cor 6,2) e nos inserimos no
grande fluxo de vida e esperança que brota de Francisco, remando também nós
contra a correnteza do atual modelo de consumo e do assim chamado
“desenvolvimento”.
Uma primeira escolha de nosso grupo missionário no Brasil foi unificar o
compromisso a respeito de duas de nossas prioridades: a evangelização entendida
como serviço aos povos indígenas e como promoção da justiça socioambiental.
Assumimos a nova prioridade “Evangelização e Amazônia”. Compreendemos cada vez
mais, de fato, que tudo está “intimamente relacionado” (LS 137) e que, na
lógica da ecologia integral, nos cabe promover a vida, defender as culturas e
os territórios ao lado das comunidades que neles vivem, e assim encontrar Deus
junto com elas.
Identificamos com clareza cada vez maior a defesa da vida na Amazônia
como uma de nossas prioridades e como uma urgência para o mundo.
Francisco
declarou: “A Amazônia é um teste decisivo e um banco de prova para a Igreja e a
humanidade”. O ano passado, as Igrejas dos nove países que se debruçam sobre a
Panamazônia instituíram a Rede Eclesial Panamazónica (REPAM), que acolheu
profundamente esse desafio, com a contribuição apaixonada de nós missionários,
unificando as diversas formas de serviço e compromisso que há muitos anos os
cristãos assumem nessa região.
Para ser ainda mais práticos, nós combonianos escolhemos alguns
contextos paradigmáticos, a fim de avançar com maior radicalidade e eficácia no
“cuidado da casa comum”. Um deles é a causa da comunidade de Piquiá de Baixo
(Açailândia-MA), verdadeira zona de sacrifício, afetada pela poluição
siderúrgica e em luta por seu reassentamento coletivo, pela indenização dos
danos sofridos, a responsabilização de Estado e empresas e a mitigação dos
impactos sobre toda a população.
Há oito anos estamos nos comprometendo também na denúncia das graves
violações de direitos humanos por causa das empresas de mineração na Amazônia
oriental, em especial a Vale S.A. ao longo do Corredor de Carajás.
Recentemente, num encontro organizado no Vaticano com comunidades de 18 países
do mundo, afetadas pela mineração, o papa escreveu: “Na Encíclica Laudato Sí eu
quis fazer um apelo urgente pela colaboração no cuidado de nossa casa comum,
para contrastar as dramáticas consequências da degradação ambiental nas vidas
dos pobres e excluídos, e avançar para o desenvolvimento integral, inclusivo e
sustentável (cf. n. 13). Todo o setor da mineração é, sem dúvida, chamado a
fazer uma mudança radical de paradigma para melhorar a situação em muitos países”.
Seja louvado, nosso Senhor, por Papa Francisco
e pelas muitas pessoas que, escondidas, doam sua vida em defesa da vida!
“Continuem com sua luta – diz Francisco – e, por favor, cuidem bem da Mãe
Terra”.