Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

lunedì 30 ottobre 2023

Que jorre a paz como uma fonte e a justiça como torrente que não seca!

O mês de outubro tem sido dramático, pela grave crise da seca que atacou boa parte de nosso país e colocou em crise especialmente a Amazônia, e pelas fortes enchentes no Sul do Brasil.

A humanidade está de joelhos frente à emergência climática e a criação inteira está gemendo. Papa Francisco publicou, no dia de São Francisco, a exortação Laudate Deum, mostrando sem meias palavras quem são os responsáveis desta crise e quão urgente é colocar um limite ao poder econômico e aos países que mais estão poluindo.

Poucos dias depois, a guerra entre Israel e Hamas quebrou ainda mais este mundo “em pedaços”. Os apelos do Vaticano e da ONU não estão sendo escutados. Unimo-nos aos movimentos populares do mundo inteiro, que neste dia 4 de novembro irão descer às ruas, clamando pelo cessar do fogo, a abertura de corredores humanitários e a convocação de uma conferência de paz. Parem! A guerra é sempre uma derrota! – clama Papa Francisco.

Frente a situações tão complexas, a gente se sente impotente e isso provoca também um forte desânimo. Ou, mais facilmente, as pessoas se retiram em seu mundo individual, desistindo do compromisso por uma sociedade mais justa e na paz.

Por isso, queria brevemente trazer o testemunho de tantos cristãos-as e pessoas de boa vontade que, ao contrário, não desanimaram e continuam a trabalhar como formiguinhas, como artesãos e tecelãs da Paz.

Refiro-me aos muitos grupos, Brasil afora, que estão trabalhando na 6ª Semana Social Brasileira. Um percurso que começou 4 anos atrás e que está chegando à fase de conclusão, de encaminhamentos e ações. Antes, foi traçado um profundo diagnóstico sobre “O Brasil que temos”, focando no direito de todas as pessoas a Terra, Teto e Trabalho, conforme a missão que Papa Francisco deu às pastorais sociais e aos movimentos populares.

Agora que temos claro o diagnóstico, os mutirões da Semana Social, espalhados por todo o Brasil, estão construindo um Projeto Popular, que intitulamos “O Brasil que queremos: o Bem Viver dos povos”.

Outubro foi um mês intenso de trabalho nisso, porque precisamos chegar a março de 2024 com este projeto pronto e com uma lista de ações concretas, de transformação social e incidência política, que queremos assumir como Igreja e movimentos em todos os territórios.

“Que jorre a paz como uma fonte e a justiça como torrente que não seca!” – dizia o profeta Amos num versículo que inspirou o Tempo da Criação, concluído em outubro.

Que o trabalho formiguinha da Semana Social Brasileira consiga envolver mais e mais pessoas, porque a paz – ensina o Papa – se constrói a partir de dentro e de baixo!

giovedì 8 giugno 2023

Corpo de Cristo e dos indígenas

O pão partido é o símbolo que mais contrasta a tentação do poder, quase sempre bênção para quem acumula.
Este pão é Corpo de Jesus, consagrado hoje mais uma vez na celebração de Corpus Christi, na Esplanada dos Ministérios.
Na mesma Esplanada, nestes dias, cerca de mil e quinhentos indígenas, de diversos povos do Brasil, ficaram acampados, organizando seminários e debates, manifestações e danças circulares em busca da defesa de seus territórios, contra a tese jurídica do Marco Temporal.
Dois eventos profundamente interligados, que a vida religiosa celebra e acompanha com devoção e compromisso. A Eucaristia é presença viva do Deus que se faz carne e história no meio de nós. Nos corpos destes indígenas que deixaram suas terras, padecendo o frio das noites de Brasília nas tendas e clamando pelo direito à terra dos ancestrais, reconhecemos também o corpo ferido e humilhado de Jesus, como ensina o Evangelho de Mateus.
Pela fé, hoje, o povo de Deus reunido em celebração caminhará em procissão, como uma só família que busca vida plena. Com a mesma fé e esperança, nestes dias, os povos indígenas dançaram ritmando seus passos ao som do maracá.
Chamou-me a atenção a deputada indígena Célia Xakriabá: a sessão do debate na Câmara estava começando, mas ela fez questão de correr fora, ao encontro de seus parentes. Não teve tempo de dizer nada, nem um discurso breve; simplesmente, juntou-se à roda de dança, no ritmo que invocava a resistência dos ancestrais, no Toré, no Guachiré... Os povos indígenas dizem que é com as batidas dos pés destas danças que o mundo se mantém em equilíbrio.

A dureza da realidade, porém, corrói a intensidade desta mística.
O julgamento do Marco Temporal foi novamente adiado, pela quarta vez, em seis anos de um processo que os povos teimosamente não querem largar.
No campo religioso, muitas pessoas que celebram Corpus Christi se escandalizam quando são feitas aproximações como esta, entre o “sagrado” e o “profano”.
Mas o sagrado terá fronteiras, na Eucaristia cósmica (LS 236) que celebramos hoje?
Eu quero acreditar, com esperança, numa Igreja a caminho em busca de Jesus encarnado, ontem, hoje e sempre, nos corpos feridos e na fé profunda do povo simples, que comunga e que parte o pão.

sabato 8 gennaio 2022

Por uma Igreja sem mais ouro

Hoje, dia do Batismo do Senhor, no santuário Santa Cruz da Reconciliação celebramos a S. Eucaristia com um cálice e uma patena de madeira (Pau Brasil). É uma tentativa de desprender a Igreja do ouro.

Na Igreja Católica, o ouro é usado nos objetos artísticos, nas decorações e, sobretudo, nos vasos sagrados para a celebração da Eucaristia. Entende-se, com isso, dignificar os símbolos do encontro entre a humanidade que celebra e Deus. Também na cultura bíblica o ouro é associado à realeza e à divindade. Não é assim, hoje, especialmente em América Latina.

O ouro é um dos produtos mais cobiçados durante centenas de anos de colonização, escravidão e saque de nossas terras. Buscando o ouro, milhões de vidas foram sacrificadas e a história de nossa Pátria Grande prejudicada.

Hoje, a extração de ouro avança em escala industrial, com lavagem de dinheiro sujo e violação sistemática da lei, destruindo e ameaçando territórios e comunidades; na Amazônia acontecem os maiores estragos e a mais brutal violência (os exemplos mais recentes são os 20mil garimpeiros em terras Yanomami, provocando conflitos e contaminando os povos pela Covid; as ameaças e violências contra as mulheres Munduruku; a morte de duas crianças Yanomami sugadas pelas dragas de garimpo; as centenas de balsas e dragas em Autazes – Rio Madeira; as grandes quantidades de mercúrio despejadas nos rios).

Também em outros territórios a extração do ouro é sempre ligada a muita violência. Para chegar a um anel de ouro de 10 gramas, é preciso explodir e retirar 20 toneladas de dejetos, utilizar 1,5 Kg de cianeto e 7mil litros de água.

Muito ouro é armazenado em cofres - como reserva de valor ou como joalheria. Já extraímos ouro suficiente da terra e as reservas de ouro da terra são limitadas. No entanto, a mineração de ouro continua aumentando.

Não cremos que, hoje, Deus se sentiria adorado e respeitado pelo uso deste metal “precioso”, cuja extração carrega tantas injustiças.

Ao contrário, os vasos sagrados de madeira nos reconectam ao ciclo da natureza e da semente que morre e dá vida, nos incluem na dimensão cósmica e pulsante da celebração eucarística. Decorados com os grafismos indígenas, nos recordam a encarnação de Jesus em todas as culturas, o respeito que é devido a elas, a reconciliação que somos chamados-as a promover numa história de tamanha exclusão.

Mais de 500 bispos participaram ou subscreveram o Pacto das Catacumbas, durante o Concílio Vaticano II, em 1965. Entre seus compromissos proféticos, diziam: “Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mc 6,9; Mt 10,9s; At 3,6. Nem ouro nem prata”.

Também nós, hoje, reassumimos esse compromisso, em nosso jeito de celebrar, viver, sermos solidários-as e promovermos a justiça e a paz.

Leia-se a Introdução geral ao Missal Romano, n. 329, sobre os Vasos sagrados.

domenica 9 maggio 2021

Lhe pedimos perdão, mãe...


Mãe,
Antes de ontem invadiram sua casa.
Seu filho tinha 22 anos, ou 19, ou 23, ou 18...
Talvez estava preparando um presente para você, para hoje, Dia das Mães.

Não sabemos ainda o nome de seu filho.
Vários corpos ainda não foram identificados.
Mas o vice-presidente da República já disse que ele era um marginal.
E a polícia decidiu, acima da lei, que marginal deve ser executado.


Hoje lhe pedimos perdão, mãe.
Nada justifica essa violência bestial,
E ainda a chamamos de inteligência policial.

Queremos passar contigo do luto à luta,
amando,
nos indignando,
buscando justiça,
rezando contigo.

Ave, Maria...

domenica 11 aprile 2021

Seu João Luís

Seu João Luís não faltava nunca.
Tinha uma sensibilidade incrível por todas as causas populares: quer que fossem reivindicações no seu bairro do Jacu, pautas sobre os direitos das pessoas com deficiência, ou lutas por mais transparência na administração municipal. 

Havia uma marcha das crianças e adolescentes contra a exploração sexual? Seu João estava lá.
Era uma formação na Paróquia, sobre o compromisso social da Igreja? Seu João na primeira fila.
Uma iniciativa do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos? Contem com o seu João!
Participava quase sempre das sessões da Câmara Municipal, acompanhava as mais diversas pautas. Teimoso, presente, exigente: os direitos humanos se defendem assim!
Mas seu João o fazia sempre de um jeito singelo: com seu sorriso de pessoa simples, aquela bolsa de pano no ombro e seu caderno de anotações. Capaz de conversar, com o mesmo respeito, junto ao prefeito, ou dando tempo e atenção a uma criança ou às pessoas na rua... 

Aposto que também estava se empenhando muito para ajudar as famílias atingidas pela pandemia.
Tanto ele como sua esposa não sobreviveram à Covid, a distância de pouco tempo um da outra. Junto com a dor por mais essa perda inestimável, vem a indignação por como a pandemia está sendo tratada nesse Brasil. 

Quantas mortes ainda deveremos chorar, antes que se tomem medidas rigorosas, unificadas em nível federal, respeitosas das recomendações da ciência e da experiência dos outros países?
Seu João nos acompanhe em nossa reivindicação por vacinas já, em defesa do SUS e de um auxílio emergencial digno até o fim da pandemia!

João Luís não faltava nunca. Agora, fará muita falta...

giovedì 1 aprile 2021

Sinais de Ressurreição


De portas fechadas, com medo, preparando perfumes para tantas pessoas que tivemos que sepultar nesses longos meses de agonia: é uma Páscoa com sabor de morte, impotência e raiva.
Apertamo-nos ainda mais ao Pai: que passe esse cálice amargo, que tuas mãos sustentem nosso espírito frágil...
A Palavra de Deus, na Quinta-feira Santa, ilumina e nos dá uma tríplice missão.
Fazer memória é servir. Lavar os pés de quem nem consegue mais se agachar para cuidar de si, por falta de oxigênio, de comida ou de esperança.
Fazer memória é celebrar. Nunca esquecer que o Filho de Deus foi até as últimas consequências de suas palavras de amor radical. Seu corpo nos congrega, nos dá força, nos espera nos corpos de tantos outros filhos e filhas de Deus feridos.
Fazer memória é libertar. Manter-se de pé, cingidos, prontos a caminhar. Há uma Páscoa a preparar. “Uma libertação sangra por dentro de mim”, dizia o mártir pe. Ezequiel.
Obrigado, Pai, por todos os cuidadores-as que nesses meses estão servindo a vida, com paixão, teimosia, no silêncio invisível das casas e dos hospitais. São sinais de Ressurreição!
Obrigado, Pai, pela Igreja que celebra seu compromisso com a vida, pela Campanha da Fraternidade que encarna o Evangelho, pelas comunidades e famílias que não desistiram de se encontrarem em oração. São sinais de Ressurreição!
Obrigado, Pai, pelos profetas que ainda têm coragem de denunciar, exigir respeito pela vida e a democracia, apontar caminhos de justiça, paz e cuidado de toda a Criação. São sinais de Ressurreição!

mercoledì 9 settembre 2020

Dona Nenzinha, rueira e rezeira

Uma das primeiras lições que aprendi da fé popular, ao chegar ao Brasil, foi que os cristãos devem ser “rueiros e rezeiros”.
Homens e mulheres de oração, sim, mas também com o pé na estrada, em visita, sempre a caminho rumo aos outros.

Muitos anos depois, conheci dona Nenzinha, ministra da Eucaristia da comunidade São José de Piquiá de Baixo.
Vivia ao lado de seu Pedro, seu marido. Os dois quase sempre na varanda fora de casa, deixando a vida acontecer, na pracinha e na quadra de futebol, logo à sua frente...
O ritual da visita, toda vez que descíamos no bairro, era um copo de água fresca e algumas palavras sobre as últimas novidades, a poluição que não cessa, a tosse e o cansaço que ofuscavam as esperanças desse casal de idosos.

Rezeira, todo domingo dona Nenzinha abria a igrejinha bem antes da missa; cuidava do altar, dos panos e toalhas, incrivelmente limpos naqueles espaços de fumaça e poeira. Seus gestos, assim como sua dignidade, eram silenciosos, reservados. Mas falavam alto: Deus e nossas famílias merecem bem mais que esta poluição!

Rueira, não perdia ocasião para visitar as pessoas idosas ou doentes, que não tinham como ir à igreja: levava-lhes um sopro de Deus. Era mulher de muito fôlego, não parava nunca, tinha respiro e esperança de sobra para partilhar!

Como muitas famílias, Nenzinha e Pedro não aguentaram viver na nuvem de fumaça e saíram do Piquiá de Baixo. Mudar de bairro não foi mudar de vida: sua devoção a São José, protetor e providente, encontrou São Miguel, na comunidade cristã de Plano da Serra.  De longe, junto ao anjo do combate contra as forças do mal, continuava torcendo pelas famílias amigas, deixadas no Piquiá.

Nestes últimos dias, dobrou e arrumou sua vida como fazia com aqueles panos do altar.
Carregou-a, como uma oferenda leve, bordada e engomada, até as mãos de Deus.
Imagino que foi até Ele caminhando, devagar, como sempre. Como mais uma visita a ser feita, como uma procissão; como se dependesse dela, hoje, abrir cedo as portas do Paraíso, do jeito que abria as portas da igrejinha de Piquiá.

Dona Nenzinha, reze por nós: um dia chegaremos juntos, mas queremos levar até a senhora muitas outras histórias de solidariedade, de resistência e de Conquista!
E leve nosso abraço ao seu Edvard...