Boa
noite, sou o presidente do Sindicato das Indústrias de Ferro.
Desde
quando montaram esse Programa da Grande Carajás, a gente respirou fundo. Era
uma oportunidade incrível para nós! Prometemos montar, ao longo do corredor
todo, mais de 10 polos siderúrgicos. Na verdade era quase como uma sedução para
convencer governos e a população a acolher esse enorme projeto que depois, em
sua maior parte, serviria só para a exportação.
Mas
um polo, aliás, dois, conseguimos montar. Um em Marabá, outro exatamente em
Açailândia, que não entendo porque está sendo comentado mundo afora. Afinal, a
gente está fazendo nosso trabalho.
Imaginem:
além da ferrovia, tinha a BR que ia para São Luís e uma lagoa bonita e grande –
água para esfriar os nossos fornos. Pensamos: "É onde vamos instalar
nossas siderúrgicas". É verdade que havia algumas casas ali, mas eram
poucas e também a gente ia demonstrar que chegaram depois.
E aí
montamos cinco plantas siderúrgicas com catorze altos fornos. Em seguida, aos
poucos, fomos crescendo – porque o povo nos pedia isso. Construímos três usinas
termoelétricas. E também uma fábrica de cimento. E também agora uma acearia,
que ainda está em construção. Naturalmente, é uma oportunidade para nós, mas
também é uma oportunidade para o nosso povo.
Aquele
povo de Piquiá podia encontrar trabalho. A gente dá trabalho para três mil
pessoas, sem contar os terceirizados. Aliás, a única forma de manter a economia
rodando na região inteira é a mineração e a siderurgia. Sem isso, não haveria
alternativa. Aliás, conosco não há alternativas possíveis.
Além
do trabalho, a gente permite que essas populações se desenvolvam. Não é um
acaso que Açailândia foi reconhecida como uma das vinte cidades que mais estão
crescendo no Brasil. Alguns acham que fui eu que encomendei o artigo, mas
enfim.
O
desmatamento, como vocês viram, já terminou. Até porque a floresta terminou.
Começamos a plantar eucalipto, quer dizer, reflorestamos. Assim estamos
conseguindo injetar créditos de carbono, de forma que nosso plantio está
reduzindo a poluição, porque o eucalipto produz oxigênio. É verdade que depois
queimando o eucalipto nas siderúrgicas eles produzem CO2, mas antes
eles produziam oxigênio. Então a gente balanceou. Nosso reflorestamento está
trazendo equilíbrio.
Além
disso, o trabalho escravo, que foi muito criticado, já terminou – e inclusive a
gente montou um instituto, o Carvão Cidadão, que é um instituto sério que
fiscaliza as siderúrgicas. É composto por siderúrgicas que fiscalizam as
siderúrgicas. Demonstramos que estamos fazendo um bom trabalho.
Fazemos
também o monitoramento da poluição, chamado de "automonitoramento" –
porque são as siderúrgicas que monitoram a poluição das siderúrgicas. E a gente
demonstra que não há poluição.
Outra
crítica que nos fazem é que trazemos pouco trabalho, mas agora com a acearia, a
gente está acrescentando qualidade aos nossos produtos e multiplicando o
trabalho.
É
verdade que recebemos benefícios como isenções fiscais. Recentemente, no
município de Açailândia, conseguimos aprovar uma lei que baixou de 2% para 1%
de imposto de ISS. Temos alguns favores, mas é para poder servir melhor a
própria população.
Recentemente
nos acusaram também de estar trabalhando com as licenças de operação vencidas,
mas quem nos acusa não pode provar isso porque a Secretaria Estadual do Meio
Ambiente, graças a Deus, não encontra todas as licenças e demora em
entregá-las. Tem advogados que estão pedindo repetidas vezes. Até ativaram o
Tribunal de Justiça para conseguir essas licenças, mas graças a Deus até agora
ninguém se mexeu para dar uma posição sobre elas.
Por
último, é verdade, temos que reconhecer, há alguns danos colaterais que são
esses moradores que, como disse, a maior parte chegou depois – e por conta das
nossas firmas. Mas o que nós queremos é nos livrar rapidamente desse problema,
tirando esse povo daí.
Boa noite,
sou o presidente da Associação dos Moradores do Piquiá, meu nome é Edvard
Dantas Cardeal.
Quando
cheguei ao Piquiá, havia uma lagoa muito bonita na região, cheia de açaís. E
não tinha ninguém morando. Depois, chegaram muitas famílias. Foi um dos primeiros
povoados da cidade de Açailândia. A primeira escola de Açailândia está onde
tenho agora minha pequena casa, desde os anos 70.
Só
15 anos depois chegou a ferrovia e 18 anos depois chegaram as siderúrgicas. Já
havia a escola – o que significa que havia um número de crianças suficiente
para manter uma escola viva.
Só
que quando eu vi esses monstros crescendo e ninguém pedindo minha autorização –
ou pelo menos, ninguém me informando a respeito do que ia acontecer –, eu caí
em pânico porque não sabia o que fazer. Como me contrapor? O monstro do
investimento estava se colocando como um meteoro que cai sobre nossas cabeças e
eu não tinha forças para barrar.
Mas
aos poucos percebi que eu poderia contar com a ajuda de alguns aliados. Fui
bater à porta do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia,
depois à porta da Paróquia, depois procurei a Rede de Justiça nos Trilhos,
depois outros aliados que chegaram.
E aí
o corpo que começou
a me ajudar, que começou a sustentar, a mobilizar o povo à minha volta e a
refletir conosco sobre as alternativas cresceu. Fizemos um referendo
perguntando a todos os moradores, 380 famílias à época: "O que a gente
quer? Preferimos lutar para barrar essa poluição, permanecer aqui e tentar
bloquear essa poluição? Talvez reduzir as emissões, colocar filtros ou melhor
ainda, bloquear o britador que vai moendo os descartes da siderurgia para
produzir cimento e cria uma poeira danada? Ou, pelo menos, tirar esses
depósitos de dejetos que, quando o vento chega, descarrega tudo por cima de
nossas casas?".
Mas
o povo preferiu não, porque estava cansado de 20 anos de luta contra essa
poluição. Disseram, a grande maioria, cerca de 90%: "Vamos embora daqui.
Mas vamos embora coletivamente, não vamos aceitar uma pequena indenização
separadamente e cada um que se vire. Nós somos uma família. Afinal, nos
conhecemos todos, todos chegamos mais ou menos no mesmo período. Então vamos
lutar pelo reassentamento coletivo".
E
depois fomos fazendo amizades, né? Algumas que estão aqui, o pessoal da Usina,
fomos nos aliando com pessoas de outros movimentos populares e também fomos
percebendo que haviam outras instituições do direito – o Ministério Público e a
Defensoria – que podiam nos ajudar.
Fomos
ativando todos os canais, para tentar fazer pressão. Alguns de nós estavam
enraivados e chegamos a processar uma das siderúrgicas. Aquela que está bem do
lado do quintal das nossas casas. Vinte e uma famílias entraram com processos individuais
e já conseguiram a primeira condenação no Fórum de Açailândia. Vinte e uma
decisões do juiz em nosso favor.
Mas
as siderúrgicas sabem que o processo vai demorar muito e vai subir ao Tribunal
de Justiça – e lá, tenho a impressão de que eles têm uma boa influência. Mas
nós não vamos desistir. Vamos acompanhar esses processos.
Em
paralelo, o reassentamento continua, a partir de uma negociação extra-judicial.
E nessa negociação, a gente foi pedindo e conseguindo, passo a passo, pequenas
vitórias.
Tínhamos
algumas metas. Primeiro, conseguir uma nova terra. Onde vamos nos reassentar?
Fomos
estudando e oferecemos cinco condições ao Ministério Público. Tinha que ser um
terreno ao lado da BR – porque nós vivemos ao lado da BR. Tinha que ser próximo
à cidade, porque não queremos ficar nos cafundós, onde se costumam colocar as
pessoas descartadas. Tinha que ser grande o suficiente para deixar todo mundo
no mesmo local – não aceitaríamos dividir, nem pela metade o nosso povo. E
tinha que ser um terreno regular em sua documentação, pois queremos a
propriedade. Então, assim, o Ministério Público foi selecionando. Escolheu.
Lutamos
para desapropriar esse terreno, foi uma luta dura e agora não tenho tempo para
explicar para vocês, mas tivemos que pressionar bastante porque também a
Justiça, vocês sabem, né? Pra que ela se mova... Aliás, tínhamos feito um
camisa com os dizeres: "As vacas têm para onde ir, mas o povo do Piquiá
não". Porque naquele terreno lá, havia uma pastagem. E, poxa... pastagem tem
pra caramba. Essa é a cidade que tem o maior gado leiteiro e de carne do
Maranhão. Então dava para levar as vacas pra outro lugar e nos colocar lá, né?
Fomos com essa camisa no Tribunal de Justiça, até quando foi finalmente
sentenciada a desapropriação.
Tivemos
que fazer muitas outras brigas para conseguir uma indenização que fosse ao
mesmo tempo justa e não especulasse sobre o nosso terreno. Só no mês passado
terminou essa odisseia jurídica. Graças a Deus. Não aguentávamos mais ver essas
leis e elas também não aguentavam mais ver a gente.
E
agora estamos lutando por um outro processo grande. Conseguimos o terreno e
agora precisamos viabilizar a construção coletiva do nosso bairro. Mas essa é
uma outra história, que vou deixar para os meus amigos da Usina contarem.
Transcrição de uma fala durante encontro realizado na sede da Usina CTAH em 05 de outubro de 2014. Fotos: Marcelo Cruz.
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