Maria das Graças, mulher indígena do Ecuador, acolheu-os com palavras bem claras, mostrando todas as expectativas que os povos originários repõem sobre eles, após anos de sofrimento e exclusão: “Não nos persigam mais! Respeitem-nos, é só isso que eu peço, nada mais...”
Graça, uma das coordenadoras do FSM, continuou com a mesma força de caráter, denunciando o perigo de render-se definitivamente ao modelo de desenvolvimento que devora as pessoas e a natureza: “percebemos um forte descompromisso das Instituições em relação aos recursos naturais e ao futuro de nossos povos. A deflorestação está destruindo também nossa gente, especialmente os povos originários”.
Mas o espaço para as críticas não foi muito (entre as doze mil pessoas do público, parece que um certo grupo 'pelego' foi introduzido no evento com o simples objetivo de apoiar Lula e evitar as vaias de 2005 ao FSM de Porto Alegre).
Mesmo tendo um presidente brasileiro “sócio-liberal”, como diz Michel Levi, não podemos negar que nos encontramos num momento histórico novo para América Latina; o povo percebe uma nova esperança no ar e acorreu numeroso no (provavelmente) maior evento do FSM.
Um torneiro mecânico, um bispo da teologia da libertação, um índio (“com cara de índio” -específica Lula), um jovem economista e um soldado que já foi preso por tentativa de golpe e que o povo depois escolheu e apoia: Lula, Fernando Lugo, Evo Morales, Rafael Correa e Hugo Chavez reunidos à mesma mesa organizada pelas entidades do FSM.
A conjuntura é nova e todos os presidentes ressaltam que essa etapa da história latinoamericana vem de longe e construiu-se há tempo, baseada na luta popular por democracia. “Eu sou fruto de sua luta contra o neoliberismo” -afirma Morales; “Somos reflexo da luta do povo. Uma América indígena, mestiça, negra: após séculos de sofrimento, tornou-se realidade” -acrescenta Correa.
Os povos da Bolívia e do Ecuador celebram nessa passagem histórica suas novas constituições (a boliviana foi aprovada por 60% da população no domingo precedente o encontro): uma Carta dos Direitos dos povos indígenas, na perspectiva de reconstruir a Pachamama, grande Mãe latinoamericana.
Todos os presidentes recomendam a urgência e a possibilidade histórica de integrar os povos da América Latina. Correa define isso “uma necessidade de sobrevivência” e pede que seja acelerado o processo para a criação do Banco del Sur. Também critica a Organizaciòn dos Estados Americanos (OEA), ainda muito dependente de Washington, e relança a idéia de uma autogestão latinoamericana, incluindo finalmente “nuestra hermana Cuba”.
Não faltam as dificuldades e alguns conflitos 'diplomáticos', como é o caso da poderosa central hidroelétrica de Itaipu, cujos lucros atualmente estão sendo desviados do Paraguai para o Brasil: Lugo não deixa de acenar ao problema e se diz muito otimista rumo a uma solução consensual entre os dois Países, para garantir o desenvolvimento do povo paraguaio.
O ex-bispo católico fala dos riquíssimos recursos naturais e das potencialidades da América Latina: está faltando o orgulho e a capacidade técnica de administrá-lo em autonomia.
É forte a revolta contra o neoliberalismo e o imperialismo dos EUA; Lula repõe muitas esperanças sobre “o negro Obama, filho de uma terra que só 40 anos atrás assassinou Martin Luther King”.
Mais de um presidente acena ao “socialismo do século XXI”: Chavez específica que não faz mais sentido o cliché 'capitalismo=eficiência, socialismo=justiça'. “Somos capazes de construir um socialismo justo e eficiente, com um papel equilibrado do Estado, uma atenção específica ao meio ambiente e a escolha de um modelo de desenvolvimento responsável e sustentável” -reforça Correa, que faz referência à Doutrina Social da Igreja mas grita sua raiva considerando que bem mesmo o País mais católico do mundo é também o mais desigual do mundo: “O gesto mais comum de Jesus, em muitos momentos de sua vida, foi partir o pão. Será possível que nós aqui não conseguimos partir e partilhar nossos recursos?”. Alguém, no Ecuador, lembre a cada dia essas palavras proféticas para o presidente.
Morales oferece algumas perspectivas para o futuro: “Precisamos assumir uma nova etapa de integração para nossos Países, contra a intrusão e a conspiração dos EUA”. Propõe quatro campanhas, quatro dimensões de compromisso:
uma campanha mundial para a paz e a justiça (lembra especialmente Palestina, Afghanistan, Iraq, esquecendo também ele as guerras escondidas de muitos países africanos). Isso exige uma reforma radical da ONU.
uma campanha para uma nova ordem econômica internacional: exige uma reforma radical de instituições como BM e FMI; o indicador de desenvolvimento não deverá ser mais o PIB, mas sim o índice de redistribuição da riqueza!
uma campanha para salvar o Planeta, mudando os modelos e níveis de consumo
uma campanha pela dignidade humana, contra o consumismo: valorizar a humanidade, sepultar o capitalismo. Um símbolo para esse trabalho de resgate das culturas populares e contra o consumo das pessoas poderia ser -para Morales- a folha de coca: é alimento e fonte de vida para os povos indígenas; não podemos deixar que se torne, assim como em todo o mundo do consumo, substância estupefaciente e destruidora de gente.
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