Nesse tempo de crise e na lentidão de um ano que recomeça aos ritmos do Carnaval (mas porque será que tudo aqui só pode acontecer “depois do Carnaval”?)... em nossas cidades nordestinas e amazônidas estão aumentando as massas amontoadas às portas da saúde, da educação, das firmas em busca de emprego.
“Reuniram-se fora de casa tantas pessoas que já não havia lugar nem mesmo diante da porta”, diz o evangelho desse domingo. Não há lugar para quem busca um tratamento, não há verbas para uma escola de qualidade no campo, não há emprego nas siderúrgicas de nossa cidade, que até ontem utilizaram três mil pessoas na mão de obra barata e agora -por uma suposta crise da qual não querem pagar o preço- descontam seu prejuízo sobre as famílias dos trabalhadores.
Esse povo paralítico precisa se levantar, mas às vezes parece que nem ele mesmo acredite que isso seja possível. Havia outro paralítico em Jerusalém (Jo 5, 2s) que por trinta e oito anos ficou parado à beira da piscina de Betesda. Quando Jesus lhe perguntou porque, ele respondeu que não tinha ninguém que o levasse até a cura.
Alguém que me carregue, alguém que abra espaços novos frente a essas portas fechadas e a todas as barreiras que impedem ao povo de encontrar dignidade e vida: quanta sede de justiça grita no peito também dos paralíticos de hoje!
Na Campanha da Fraternidade desse ano clamamos por segurança: o que é isso, se não abrir as portas dos serviços públicos para que todos/as tenham acesso a seus direitos, na saúde, na educação, no trabalho? Fora daquela casa não há segurança, e as pessoas amassadas só acabam cultivando a violência, a competição e o clientelismo.
Por isso, ainda mais do que Jesus ou do próprio paralítico, os protagonistas desse trecho de evangelho são os quatro homens que carregam o doente: eles conseguem enxergar uma 'entrada' e abrem o caminho para que a cura aconteça. Parece que Jesus intervém exatamente a partir da fé e teimosia daqueles homens: o milagre começa conosco!
Nosso povo simples precisa de exemplos bem concretos: dá para brincar com a imagem desses quatro homens. Quem são essas pessoas que carregam o doente e assumem o desafio da cura?
O primeiro é a pessoa solidária: ao ver um irmão paralítico carrega sobre si sua situação. Hoje a solidariedade é urgente, contra a cultura do individualismo que isola os problemas de cada um; a visita, o diálogo, a confiança recíproca são o primeiro estágio da cura, que cada um de nós pode assumir no dia-a-dia.
Mas isso não é suficiente: precisamos da comunidade, que assuma as situações dos mais fracos em mutirão. Foi desde sempre o destaque das comunidades cristãs, capazes de se organizar e articular o serviço para com os mais pobres, doentes, famintos. Nossas comunidades hoje também precisam organizar a caridade, para despertar a contribuição de todos e educar-nos à recuperação do bem comum, que é feito de direitos e deveres comuns. É o segundo homem que sustenta a maca.
Muitos param por aqui, mas o evangelho mostra que somente duas pessoas não conseguem levantar esse doente. Aqui entra o terceiro papel do cristão: solicitar e fiscalizar o sistema público. Não adianta tamparmos os buracos que outros deveríam fechar, somente em nome da caridade cristã: a paz é fruto da justiça, ainda antes que da caridade! Assim, a comunidade cristã exercita-se cada vez mais na prática do controle social, da presença ativa na arena política (longe dos partidos, mas muito próxima da sociedade civil organizada, nos conselhos de direito, na formulação de políticas públicas, etc). Paulo VI dizia que essa é a forma mais completa de amar.
Ainda falta o último homem: quem será? Esse último homem representa uma dimensão ainda maior do que nossas lutas políticas no Município ou no Estado: pela nossa experiência no corredor de Carajás (a região mais rica do mundo em ferro e outros minerais e o eixo mais explorado pela exportação dos recursos do povo), o último poder que manda é a força econômica das transnacionais. Poder oculto, bem disfarçado: muitas vezes o povo se pergunta de quem é a responsabilidade da carência de políticas públicas adequadas, mas raramente a resposta chega a envolver esses atores escondidos. Assim, o saque das nossas riquezas continua silencioso (mineração, monoculturas de eucalipto, soja, pecuaria extensiva) e ainda o paralítico não chega a ser curado.
Só se esses quatro homens trabalharem juntos dentro de nossas comunidades cristãs, o paralítico conseguirá levantar-se, carregar sua cama e sair diante de todos.
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