Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

mercoledì 22 gennaio 2014

Intrusões

Intruso é “quem entra num lugar sem permissão ou anuência, um invasor”.

Em alguns casos, nós missionários fomos na história (e ainda podemos ser) intrusos. Por outro lado, nos territórios em que estamos presentes, procuramos pedir permissão e oferecer nossa vida para quem nos acolher. Nessa convivência, ouvimos as comunidades lamentar outras formas de ‘intrusão’.

Conhecemos ‘na pele’, por exemplo, os conflitos de Humaitá (AM), que estouraram exatamente no dia de Natal tornando públicos os interesses de diversos grupos de poder sobre as Terras Indígenas Tenharim, interessados pela madeira da mata virgem, as perspectivas de garimpos de ouro e diamantes, a lavoura de soja e criação de gado na região, bem como a manutenção e segurança de um corredor de tráfico das drogas através da região amazônica.

Pela cultura de muitos migrantes que vieram de outras latitudes desse País-continente, e pela própria omissão cúmplice do Estado que não busca modelos de vida enraizados na história da região, parece que a única direção possível do ‘desenvolvimento’ seja replicar nessas terras o modelo de saque e colonização que –dizem- tornou o Brasil um gigante ‘produtivo’.
Escandaliza e revolta o fato de os índios cobrarem um pedágio como ressarcimento pelos estragos produzidos pelos ‘intrusos’, mas não gera indignação a forma violenta como o Estado escancarou as portas da terra indígena a saqueadores de todo gênero!

Também acompanhamos de perto a situação da Terra Indígena Awá-Guajá (noroeste do Maranhão), onde denúncias de órgãos atuantes em nível nacional e campanhas de pressão internacional conseguiram convencer o Governo Brasileiro a executar, depois de quase 22 anos de sua portaria de demarcação, a desintrusão de cerca 400 ocupações ilegais de pequenos produtores rurais, ocupando o território mesmo cientes que estava interditado.

Os últimos resquícios de floresta pré-amazônica maranhense, com biomas e ecossistemas únicos, estão sendo ameaçados pela pressão dos madeireiros e criadores de gado. Infelizmente, também pela cumplicidade de alguns entre os próprios Guajás, que acabam vendendo ou negociando pedaços de floresta.
O grande projeto de escoamento do minério de ferro de Carajás, planejado pelo Estado nos anos ’80 e executado ao longo dos últimos trinta anos pela companhia Vale S.A., beira com sua imensa ferrovia as terras indígenas Awá e tem sido fortemente criticado pelos índios (que acabaram também ocupando a linha de ferro) por afastar animais da reserva indígena e ameaçar, com sua duplicação, o equilíbrio da inteira região. Mais uma invasão, legitimada pelo Estado.

Qual é o papel dos missionários, nesse contexto de intrusões e de violação do direito socioambiental?

Os referenciais básicos estão claros: a função social da propriedade, a destinação universal dos bens, os princípios do cuidado da criação e do “Buen Vivir” a serem redescobertos em seio à revelação bíblica e às próprias culturas indígenas...
Também temos claro nosso ponto de escuta na interpretação dos conflitos: os mais pobres e abandonados são a chave de leitura que como missionários elegemos, a primeira das autoridades à qual queremos obedecer.

Mas como é difícil se posicionar quando, escolhendo o lado do pobre, acabamos sendo perseguidos por outros pobres que tentam reproduzir os gestos dos intrusos de ontem e de hoje!

Se a vida missionária quiser ser profética hoje, deve alimentar-se de um discernimento contínuo e promover dinâmicas de reconhecimento e respeito entre as vítimas, quando elas vêm sendo divididas e hostilizadas umas contra as outras.
O evangelho lembra que é a verdade a nos libertar; nesse caso, é a compreensão verdadeira de quem está oprimindo e quem é oprimido. E de quanto introjetamos dentro de nós as mesmas práticas dos opressores. Essa é a pior das intrusões, contra a qual precisamos lutar.

lunedì 20 gennaio 2014

Zuleide

Zuleide deixou uma grande herança à comunidade de Açailândia, tanto por seu serviço de catequista e membro do grupo de casais da igreja, como pelo seu trabalho dedicado e competente no mundo da escola.

Hoje quero ressaltar, porém, o legado dos últimos anos de sua vida. O jeito como vivemos o fim de nossa vida recolhe e expressa tudo o que semeamos e cultivamos ao longo da existência inteira.

Muitos de nós, nessas horas, perguntam-se “Por quê?”. Por que esse sofrimento?
Quem pergunta assim, sente Deus como alguém distante, frio calculador do tempo e do destino de cada um/a. Alguém que precisamos “convencer” para que poupe esse ou aquele nosso amigo...

A pergunta mais justa deveria ser outra: “Como?”. Como viver o sofrimento?
Frente ao limite da morte, nem Deus pode. Ao dar a vida para nós, Deus admitiu a condição da morte, que se fez limite para ele também.
Então Deus não tem o controle do tempo e do destino final de cada pessoa, não é um gerente da existência que “clica nas teclas de seu computador” para conferir vida, morte, doenças e acidentes, curas ou condenações.
Conversamos longamente com Zuleide sobre isso. Renovamos juntos nossa fé em Deus como companheiro que sofre ao nosso lado, torcedor para a vida plena e a serenidade em cada etapa de nossa existência. Conselheiro, consolador, sentinela para não perder de vista a esperança.

Zuleide foi imagem desse Deus. Foi testemunha verdadeira de vida cristã.

Havia uma romaria cotidiana à casa dela. Muitos (eu também) íamos lá não porque ela precisava de nós, mas porque nós precisávamos dela, de sua força interior, de sua serenidade.
Fazia-se perguntas, revoltava-se também (um dia chegou a pedir perdão porque, frente a mais uma notícia negativa do médico, “bati o punho na mesa”...). Nem sempre conseguia tratar seu marido Sinésio com o mesmo carinho dele (mas pediu desculpa disso também).
Sobretudo, porém, nunca perdeu a teimosia de viver.

Cuidava de si cuidando dos outros. Parece que suas energias aumentavam por acolher em si as preocupações dos outros. Como no caso de sua vizinha com depressão: Zuleide a visitava, mesmo carregando dentro de si outra doença grave como o câncer. Parecia uma versão sofredora do encontro entre Maria e Isabel. Ou como no caso dos muitos que iam até a casa de Zuleide para pedir conselhos, desabafar, partilhar dúvidas ou problemas...

Buscava sempre uma nova luz, uma outra saída. Como na conversa com sua médica, muito dedicada. “Mais uma porta se fechou”, dizia a médica com resultados negativos dos exames nas mãos. “Mas iremos sair pela janela”, continuavam as duas, juntas!

Viveu tanto e tão intensamente graças à família, e a Sinésio especialmente. No cuidado do dia-a-dia, numa comida preparada e re-preparada, até que ela gostasse e conseguisse se alimentar. Na limpeza da casa, nas viagens contínuas, incansavelmente, para Imperatriz...
É esse serviço silencioso e afetuoso que transmite força e gosto de viver: às vezes uma família adoece por inteiro, outras vezes, uma família enfrenta a dor como fosse um corpo só.

Ajudou-nos a ser comunidade. Sua dor e sua luta foram como uma ima que agregou as melhores forças, o tempo e a disponibilidade de cada pessoa. Zuleide nos reuniu e nos pede, daqui para frente, de não perder essa união a serviço da vida dos sofredores.

Descanse em paz, cara amiga, você fez sua parte. Pode deixar: nós faremos a nossa, com fidelidade e esperança.

venerdì 3 gennaio 2014

Um presepe maranhense

O que acontece em volta do estábulo onde Jesus nasceu?
O evangelho de Mateus narra uma visita importante: estrangeiros chamados ‘Magos’, vindo de longe com ricos dons.
Lucas, ao contrário, se refere a pobres pastores desprezados pelo povo de Israel, homens errantes e sem casa, pois moravam com seus próprios animais. São os primeiros a visitar e reconhecer o Filho de Deus.

Fiquei pensando nas personagem que habitaram meu Natal maranhense. Se parecem muito mais com os pastores do que com os Magos.

Cláudio foi preso novamente. Depois de um longo período de cadeia, parecia estar se recuperando, nos visitava em casa com frequência e fez uma grande amizade com padre Pedro. Custava a encontrar trabalho, mas afinal conseguiu. Andava habitualmente mão na mão com seu pequeno filho, que parecia ser seu orgulho e seu motivo de vida.
De madrugada encontraram o corpo de sua companheira, abandonado no mato à beira da rodovia. Cláudio jura que é inocente; ninguém nunca saberá exatamente o que houve, pois não foi feita a mínima investigação.
Enquanto todos esperávamos o nascimento na noite luminosa e barulhenta de Natal, ele e muitos outros atrás das grades esperam demoradamente uma decisão do juiz no mofo e mal cheiro da superlotação.
A Pastoral Carcerária, como pastores anônimos e muitas vezes sem poder, os visita e os reconhece filhos de Deus. É o mínimo com que começar.

Judite mora no quilombo S. Rosa dos Pretos. O marido a abandonou, tem dois filhos que estudam à noite, junto com os adultos, porque -como no caso de Jesus- não havia vagas para eles na escola durante o dia.
A menor sofre de crises de asma, mas Judite não tem como cuidar dela: trabalha como doméstica na casa de uma outra pessoa, na cidade vizinha. Doze horas por dia, de segunda a sábado, ganhando o vergonhoso ‘salário’ de trezentos reais!
Como Maria e José, Judite não teria um cordeiro para apresentar o filho ao Templo em ação de graças e deveria contentar-se de dois pombinhos. Mas seria outra ‘viúva-de-marido-vivo’ com todo direito de aborrecer a justiça pelas condições em que está forçada a viver.

Tiago migrou a três anos de Itapecuru para Uberlândia, Minas Gerais. É pedreiro, lá. Foi o primeiro a deixar a cidade em busca de trabalho, mas vários outros de Itapecuru o imitaram. Nessa noite perto do Natal está de volta: como todos os anos, quer participar do Tambor de Mina na Tenda de Nossa Senhora dos Navegantes.
Mãe Severina o curou, antes de partir, e agora não toma mais nem uma gota de cachaça. Como os Magos, em ação de graças, traz de volta todo ano sua vida, bate com força nos tambores que animam a dança dos encantados, vibra no sonho de voltar para ficar, porque aqui estão as raízes de sua vida.

Francisco passou o ano a escrever, pois nesse Natal a humanidade precisava de uma luz e de um canto novo. Nos deixou de presente sua primeira Carta, “A alegria do Evangelho”, que deseja uma igreja pobre para os pobres. Diz que os pequenos deveriam se sentir “em casa” em cada comunidade cristã.

Quem habita nossas casas e presepes, nesse e em todos os tempos de Natal?


Obs: os nomes das pessoas citadas –com exceção do último- foram modificados por respeito à sua identidade

sabato 14 dicembre 2013

Qual é teu nome?

“Qual é teu nome?” – pergunta Jesus ao demônio que tinha se apoderado de um homem na cidade de Gerasa. Numa outra ocasião, na sinagoga, é o próprio demônio que tenta apavorar Jesus, dizendo-lhe publicamente: “Eu sei quem você é: o Santo de Deus!”

Parece que conhecer o nome de uma pessoa é como possuí-la, poder dispor dela.
O nome é a essência de um indivíduo ou de uma localidade. Eu faço questão de perguntar às crianças quem escolheu o nome delas, e por quê.
É importante que cada pessoa conheça sua origem. E o nome de um local contém toda sua história.

Quando trabalhava no movimento por moradia na zona leste de São Paulo, a ocupação urbana em que vivíamos há vários anos tinha nomes bonitos visíveis em cada esquina: “Rua dos Trabalhadores”, “Rua do Povo”, “Rua da Árvore”, “Rua padre Ezequiel”... Cada nome recolhia em si símbolos e testemunhos de luta e resistência.
Da noite pro dia, de repente, a administração municipal trocou todas as placas substituindo-as com nomes desconhecidos de personalidades japonesas. Nada contra nossos irmãos do Extremo Oriente, mas foi a pior violência contra as raízes e a cultura de nosso povo. E visava enfraquecer sua resistência e organização.

Hoje vivo no município de Açailândia, Maranhão profundo. E testemunho de novo o ataque à essência da vida e da história.
Às portas da cidade está escrito, em caracteres cubitais, “Bem-vindos à Cidade do Aço”. Que saudade dos açaís que batizaram nossa cidade pouco mais de trinta anos atrás! Arrancados pelo latifúndio e as siderúrgicas, tornaram-se espécie rara.

Em compensação, cartazes e outdoor nas avenidas principais ressaltam com insistência que estamos na “Cidade que mais cresce no Maranhão”.
A propaganda, no melhor dos casos, é sempre meia verdade. A siderurgia e o ciclo de mineração nos permitiram, de fato, crescer. Faltaria porém complementar: “Açailândia cidade que mais cresce, que mais separa e menos partilha”.
A riqueza traz egoísmo, precisa cancelar a memória do passado comum e impõe sua própria narração da história. Camufla seus impactos tentando criar novos significados, sugerir outros valores e distorcer nossos sonhos.

Açailândia tem um bairro em processo de luta, de afirmação de sua dignidade e de fuga da poluição.
Seu nome é Piquiá. Temos orgulho desse nome, que desponta alto como uma castanheira na floresta.

O povo de Piquiá também se levantou em busca de justiça. Suas denúncias chegaram a comover muitos no Brasil e no mundo.
Finalmente, estamos a um passo do reassentamento: um novo bairro, planejado junto aos moradores, virá a ser construído numa área livre da poluição.

Dessa vez, caberá à comunidade (e não aos “patrões da história”) dar o nome ao novo bairro. Nesse nome, se condensará toda a caminhada de resistência e toda a carga de esperança de uma nova vida, já concebida e agora quase pronta para nascer!

sabato 1 giugno 2013

Infiltrar inimigos, infiltrar ideias

Brasília, esplanada dos ministérios.
Em frente ao Senado, dezenas de manifestantes com faixas e lemas de protestos declaram sua indignação por mais uma grave agressão aos movimentos sociais e à sociedade civil organizada. 

Nas semanas anteriores, um vazamento de informações privilegiadas trouxe ao conhecimento público práticas de espionagem, infiltração de agentes secretos e grampos de telefones e computadores.
A empresa Vale monitora assim, entre outros, a rede Justiça nos Trilhos e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. 
Há indícios de cumplicidade do poder público, como o envolvimento de funcionários licenciados da ABIN ou o acesso a informações privilegiadas do INFOSEG e da Receita Federal. Pode ser uma preocupante regressão às escuras etapas da história recente do Brasil.
É dessa forma que o poder econômico manifesta sua força e ameaça, de cima para baixo, quem está organizado em defesa das vítimas dos impactos dos grandes projetos.

Brasília, conselho federal da OAB. Na mesma semana.
Um dia inteiro de encontro entre mais de cinquenta pessoas: lideranças comunitárias, representantes de quilombolas e indígenas, pesquisadores acadêmicos, militantes de movimentos sociais, defensores de direitos humanos, religiosos, mulheres e homens que ainda acreditam na democracia que se constrói de baixo para cima.
É o lançamento do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração; debate-se a construção de um projeto popular para bloquear o avanço desenfreado desse modelo extrativo e proteger as comunidades por ele atingidas e ameaçadas.

O poder tenta infiltrar pessoas nos grupos de base para espionar, dividir e destruir; enquanto isso, esses mesmos grupos se esforçam para infiltrar ideias no sistema, para desestabilizar o poder e construir alternativas que preservem a vida que ainda nos sobra.
Não temos medo de continuar nessa batalha das ideias; exigimos proteção do Governo e respeito e honestidade por parte da Vale, que ao contrário, mais uma vez, demonstra somente arrogância.

giovedì 4 aprile 2013

Um fio de fumaça entre Itália e Brasil

É chamada “cidade com vocação industrial”, mas seus cidadãos preferem defini-la uma “imposição industrial e militar”. A cidade de Taranto, no calcanhar da Itália, hospeda a maior siderúrgica da Europa, a única que produz o ‘pig iron’ na Itália.

Chamado elegantemente assim em inglês, a tradução num bom português seria ‘o ferro dos porcos’, já que se trata da primeira etapa de fusão do minério de ferro: a mais poluente e perigosa.

Esse trabalho sujo descarga sobre os mais de 15mil moradores do bairro de Tamburi diversas emissões químicas perigosas. Entre elas, a dioxina, perigosíssimo poluente que se deposita no chão e entra na cadeia alimentar (leite, queijos, carnes). Quase que banida na Europa limpa, 90% da dioxina produzida na Itália está na cidade de Taranto. Traças foram encontradas no leite materno, nos quintais das casas, nos parques públicos, nos pastos (cerca de mil ovelhas que tiveram que ser abatidas), prejudicando o trabalho de cem pequenas empresas de criadores locais.

Há também o benzopirene, gás tóxico que provoca problemas respiratórios e tumores. Ou os diversos derivados cancerígenos dos Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos.

Recentemente, vários moradores do bairro de Tamburi encontraram chumbo em suas urinas e sangue. O chumbo ataca as sinapses no cérebro das crianças, comprometendo suas conexões nervosas.

As mortes por tumores estão aumentando de forma impressionante, mas os cálculos médicos preveem que o pique dos decessos, pela latência desse tipo de doença, acontecerá somente entre 2018 e 2020.

A Vale por trás de tudo
A siderúrgica de Taranto chama-se Ilva. Seu principal fornecedor de minério de ferro é a brasileira Vale, eleita em 2012 como “pior multinacional do mundo” (Public Eye Awards, Suíça).

A Vale está extraindo seu minério de ferro de maior qualidade e em maior quantidade nas minas de Carajás. Nessa região do norte do Brasil, a mineradora pretende duplicar o inteiro sistema de escoamento com um mega-projeto a financiamento público, extremamente impactante, que várias entidades e movimentos sociais do Maranhão e Pará demonstraram ilegal.

Ao longo da ferrovia de Carajás, operada por Vale para exportar o minério, existem na cidade de Açailândia (MA) quatro siderúrgicas com 14 alto fornos e sem nenhum filtro. Em situação pior, portanto, daquelas de Taranto. Infelizmente, as comunidades do Maranhão não têm os mesmos meios para detectar o tipo de emissões e de impactos sobre a população. Nem o Estado se preocupa com isso.

Há, porém, visível aos olhos de todos, o mesmo nível de mortes e doenças dos “irmãos na sina” do sul da Itália. No bairro industrial de Açailândia, chamado Piquiá, morreram nos últimos três meses duas pequenas crianças por problemas respiratórios. No ano passado houve mortes por tumor. Uma pesquisa da Federação Internacional dos Direitos Humanos (2011) detectou que em Piquiá 53% da população sofre frequentemente por dificuldade de respirar, falta de ar e crises de asma, enquanto 57% tem com frequência febre e dor de cabeça.

Resistências comuns
A Taranto dizem que “um fio vermelho une os irmãos da pré-Amazônia às populações atingidas de nossa cidade”. A Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale realizou no começo de abril 2013 atividades de denúncia e solidariedade na cidade de Taranto.

Fora da sala, a poucas centenas de metros, estavam ancoradas na baía da cidade os enormes navios da Vale, os mesmos que se veem na capital maranhense de São Luís, carregando o minério de ferro de Carajás.

A magistratura de Taranto ordenou em julho 2012 o fechamento de toda a produção siderúrgica, devido aos graves impactos sócio-ambientais. Uma lei do Estado italiano, no final de 2012, garantiu a permanência do funcionamento da empresa privada Ilva, por ser “de interesse estratégico” do País. Mais uma vez, portanto, uma lógica econômica de interesses sujos e colusos permite a agressão sistemática a populações e territórios, aos quais é pedido de ‘sacrificar-se’ em função do progresso.

A batalha social e jurídica continua de forma tensa, no sul da Itália bem como no norte do Brasil, onde ainda se espera a sentença definitiva a respeito da legalidade do licenciamento ambiental da duplicação dos trilhos da Estrada de Ferro Carajás.

Enquanto isso, no Brasil...
As siderúrgicas de Piquiá continuam também, indiferentes e cínicas, sua produção de ferro-gusa e morte. A comunidade de Piquiá de Baixo, na exasperação, pede há mais de seis anos o reassentamento num sítio distante da poluição. Solução desesperada de quem pelo menos quer garantir sua vida.

Piquiá e Tamburi selaram já há alguns meses uma aliança de solidariedade e intercâmbio. São dois exemplos paradigmáticos dos impactos conectados à mineradora Vale no mundo. A eles soma-se S. Cruz, na baía de Sepetiba, Rio de Janeiro, onde a TKCSA (com consistente participação acionária da Vale) provoca os mesmos impactos sobre as comunidades de pescadores da região.

Um sistema impune continua produzindo desenvolvimento com a regra implícita “lucro privados, impactos públicos”.
A aliança entre as vítimas, porém, se faz voz de denúncia, fortalecimento das resistências locais, clamor profético dos pobres que todos nós devemos escutar e apoiar.

lunedì 1 aprile 2013

Um fórum com o sabor da Páscoa e do martírio


Já è tradição, em ocasião do Fórum Social Mundial: também as missionárias e os missionários combonianos participam, oferecem suas propostas e ideias, se encontram para compreender os novos caminhos da missão.

Nesse ano, pareceu-nos uma contradição a convocação do Fórum em Túnis bem nos dias da Páscoa: temíamos de perder a intensidade da semana santa. Ao contrário, recebemos de presente páginas de vida escritas com o sabor do martírio e da ressurreição.

Começamos nosso encontro em terra magrebina exatamente no dia da memória dos mártires de Tibhirine: sete monges que não quiseram abandonar o povo algeriano nos dias da revolta fundamentalista do ‘96.
Concluímos sete dias de reflexão, articulações, estratégias e compromissos rezando no local onde duas mártires da primeira igreja cristã tunisina foram mortas: Perpétua e Felícita, que consideravam seu martírio como “o grito de um outro”, o Crucificado. E nós, na arena do sacrifício delas, renovamos nosso compromisso absoluto de sermos grito de muitas vítimas da injustiça.

Há uma carga espiritual em muitas pessoas que participam do fórum. Na última edição, uma pesquisa levantou que 70% dos participantes reconhecem que seu compromisso por justiça e paz está enraizado na espiritualidade.
Também como missionárias e missionários sentimo-nos confirmados na busca do vento do Espírito que assopra através desses movimentos. Encontramos ao Fórum segmentos interessantes de nossa igreja, presente de forma ainda desarticulada, mas ativa e em caminho.

Para não nos perder no vaivém de propostas e no pluralismo de ideais e lutas, era preciso afirmar em nós, a cada momento, duas atitudes chave que foram do próprio Jesus de Nazaré: ouvidos atentos ao diálogo e corações agarrados aos pobres.

Nesse contexto, os três dias da Páscoa adquiriram um novo sabor.
Na quinta-feira santa Jesus divide o pão e faz memória da vida inteira partilhada com os discípulos. 
Nós também, ao longo desses dias, procuramos uns aos outros, querendo partilhar nossas vidas e aprender humildemente das experiências alheias. Os próprios discípulos, afinal, viveram essa busca permanente de sentido, na incerteza quanto à missão que os esperava.
Durante o Fórum, encontramos uma nova definição de AGAPE: Alternative Globalization Adressing People and Earth. Essa globalização alternativa, atenta às pessoas e à terra, é um dos novos nomes do cenáculo onde todos podemos nos encontrar.

Sexta-feira santa é dia de derrota e de morte. Ressoam em nós situações aparentemente irresolvíveis, como o conflito entre Israel e Palestina, absurdamente injustas, como a guerra para o controle dos bens comuns no Mali, ou preocupantes pelo clamor de amigos/as missionários que estão sofrendo na pele, como o recente golpe de estado no Centráfrica. A agressão ambiental global é como um avião que está decolando, diz Leonardo Boff: já passamos o ponto limite, não dá mais para parar. Ou o avião levanta voo, mudando radicalmente modelo de vida, economia e finança, ou acabaremos nos destruindo de vez.

A noite de sábado santo não é uma vitória arrasadora da vida sobre a morte. Encontramos, isso sim, pequenos sinais que nos deixam entender que há esperança. São, por exemplo, os sonhos desse simples grupo de missionários: mais inseridos, mais simples, mais radicais na prioridade do serviço de Justiça, Paz e Cuidado para com a Criação. Outro sinal é a primavera árabe, que respiramos um pouco. Outro ainda a amizade profunda de quem está comprometido pela vida e se reconhece na luta do outro.

Dizer “outro mundo é possível” é outra forma de afirmar que “Cristo está vivo no meio de nós”: duas maneiras de testemunhar a ressurreição e prepará-la, de novo, nas estradas de nossos povos e na memória de nossos mártires.