Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

martedì 31 maggio 2011

A morte e a morte de quem berra para viver

Vinte e cinco anos se passaram. Padre Josimo defendia o direito à terra de camponeses e famílias. Foi baleado na porta do escritório da CPT, em Imperatriz/MA.

Esse 2011 tinha que ser um ano de memória e repúdio de todo tipo de violência no campo. Somente nessa última semana, porém, quatro pessoas de nossa região norte caíram ao assobio das balas: José Cláudio e Maria do Espírito Santo (mortos no dia 24 de maio em Nova Ipixuna/PA), Herenilton (assassinato na mesma semana, na mesma cidade), Adelino (morto em Vista Alegre/RO, no dia 27 de maio). No mesmo dia, o vice-presidente da associação quilombola Charco sofreu atentado em São Vicente Ferrer/MA, onde em outubro de 2010 outro irmão, Flaviano, tombou.

É a morte dos pequenos, que ninguém conhece, em terras distantes, habitadas pelos pobres e visadas pelos grandes empreendimentos.

Na mesma semana dessas mortes silenciadas, outra morte foi bem-vinda pela maioria do Congresso e instalou-se a todo direito em nosso País. Disfarçadamente entendida como simples ‘amenização’, foi aprovada a proposta de reforma do Código Florestal, que de uma vez legitimou crimes passados e futuros contra nossas Áreas de Preservação Permanente e Reservas Ambientais.

É um atentado à organização popular, que expressou de mil maneiras sua resistência à reforma do Código. Se tiver aprovação definitiva, teríamos mais um exemplo da arrogância violenta do Estado contra o meio ambiente do qual se diz defensor. Assim, nesse mês de maio, o Brasil coleciona uma série vergonhosa e ambígua de posições hostis à preservação ambiental (o conflito sobre Belo Monte com a CIDH é o exemplo mais emblemático).

A morte visitou nosso País duas vezes, nesse mês. Ceifou a vida de vários militantes e institucionalizou-se numa lei que defende, mais uma vez, os interesses do capital.

No pequeno de nossos assentamentos rurais de Açailândia, profundo interior do Maranhão, tentamos porém não perder a esperança. Nos mesmos dias dessa matança, celebramos a Festa da Colheita com centenas de agricultores familiares e amigos/as da cidade.

Escolhemos um lema ousado: “Plantar e Colher uma nova Vida”. Dançamos essa vida com toda a energia que nos sobrou, abastecendo nossa sede de justiça e de futuro ao poço da celebração, da partilha entre as comunidades, da cultura e sabedoria do homem e mulher do campo. Talvez quem estava nem percebeu, mas uma festa dessa é trincheira forte contra a morte que avança.

As comunidades organizadas, conscientes de sua beleza e densidade de vida, são a resistência mais sólida contra quem está querendo instalar ainda mais violência em nossas terras!

venerdì 22 aprile 2011

Fragmentos de ressurreição

A cada dia nossa comunidade missionária procura sinais da ressurreição, dispersos em fragmentos no meio de muita luta, várias derrotas e um certo sentimento de impotência.

Os próprios discípulos demoraram para compreender e assumir a ressurreição de Jesus, precisando coletar uma série de numerosos sinais e testemunhos.

Fiquei me perguntando muito: nesse ano, que testemunho de ressurreição nossa comunidade pode oferecer? Temos uma palavra de esperança, uma mensagem fecunda e concreta para partilhar?

Nossa forma de testemunhar a ressurreição depende muito do tipo de mortes que estamos experimentando. A pior delas é a morte do sonho coletivo, derrotado pelo interesse instantâneo de pequenos ganhos individuais.

É a morte política de quem desiste de olhar para longe e se deixa comprar ou convencer por soluções imediatas e baratas, convenientes só por um momento. Quando nessa região chegaram de uma vez empresas ricas, vorazes e determinadas a investir nos recursos de nossa terra, foi difícil para o povo resistir à tentação das ‘continhas coloridas’ que elas prometem para o imediato. E assim mineradoras, indústrias de celulose e grandes investidoras em hidroelétricas trouxeram fortes impactos a custo de pequenos projetos sociais, pontuais, descontínuos e mal negociados com o povo.

Para nós, então, acontece ressurreição todas as vezes que há uma revolta contra essa dependência e, apesar de continuar desproporcional, levanta-se a voz das comunidades e garantem-se seus direitos e sonhos. Com uma imagem bíblica, há ressurreição para nós todas as vezes em que encontramos uma daquelas cinco pedrinhas que permitiram ao pequeno Davi derrubar (ou pelo menos estontear por um momento) o gigante Golias.

De fato, se isso se repetir várias vezes, os ‘gigantes’ de hoje irão aos poucos perceber que não se pode pisar nos territórios sem uma séria e efetiva interação com as populações que os habitam.

Cinco pedrinhas, dizíamos:

- uma foi participar à assembléia dos acionistas da Vale, como acionistas minoritários e representantes das comunidades impactadas. No meio da lógica exclusiva do lucro sem condições, está se levantando cada vez mais forte a voz de quem denuncia os impactos sócio-ambientais e exige respeito para os pequenos;

- outra é a perspectiva de recebermos em setembro, em Açailândia, a Romaria da Terra e das Águas, evento em nível de Maranhão inteiro que vai trazer milhares de romeiros e uma igreja vigilante e corajosa, para criticar um modelo de desenvolvimento ‘de mão única’, onde o lucro é privado e os impactos públicos;

- outra é a missão no Maranhão, em maio, da Federação Internacional dos Direitos Humanos, que estudou os impactos da Vale em dois casos pontuais de nossa região e apóia a reivindicação do povo: prioridade absoluta e condição primária para um real desenvolvimento é o direito à vida, à saúde, à moradia digna;

- mais uma encontra-se nos vários momentos de articulação das comunidades atingidas: está se fortalecendo uma rede de grupos e pequenas comunidades que trocam entre si experiências, estratégias, suporte e solidariedade. As empresas tendem a dividir o povo para enfraquecê-lo, esse diálogo entre movimentos fortalece a resistência;

- uma última é o sucesso de ações judiciais ou populares que finalmente obrigam as empresas a atender os interesses do povo: a greve dos trabalhadores siderúrgicos e dos moradores atingidos por poluição, a indenização de uma família vítima de atropelamento pelo trem da mineradora Vale, a condenação da mesma empresa a indenizar quase 800 famílias quilombolas impactadas por um mineroduto...

Esses são nossos fragmentos de ressurreição; acrescentamo-los humildemente aos outros que vocês, que estão lendo, poderão trazer nesse mosaico da vida do povo de Deus, mais forte do que a morte que quer se instalar no meio de nós!

mercoledì 16 febbraio 2011

Pressão popular vence a resistência de empresas siderúrgicas

“O pouco com Deus é muito” – comentavam alguns manifestantes na porta da Viena Siderúrgica S.A., Açailândia/MA, na primeira noite do protesto.

Eram trabalhadores e moradores atingidos pela poluição, unidos em suas reivindicações.

Pouca era a consideração que as empresas até hoje davam para eles. Muita era a raiva, muitas foram as pessoas que se juntaram, grande é a força dessa aliança entre a causa trabalhista e a sócio-ambiental, ambas em defesa de uma vida digna.

Às empresas siderúrgicas e à Vale S.A., protagonista do Programa Grande Carajás, poderia se atribuir nesses mais de vinte anos a responsabilidade direta pelo desmatamento, pelo estímulo ao trabalho escravo, pela poluição do ar, do solo e da água, pela exploração dos trabalhadores metalúrgicos, pela concentração de terras e pela aniquilação das formas de subsistência de muitas famílias camponesas da região. Ainda hoje muito dessa violência, efeito colateral do progresso e da ganância, acontece à luz do dia.

O povoado de Piquiá de Baixo é um exemplo evidente das contradições do desenvolvimento: mais de trezentas famílias cercadas e afetadas por empreendimentos altamente poluidores, ainda sem nenhum filtro ou tecnologias para minimizar o impacto ao meio-ambiente e à saúde. Os empregados da Viena Siderúrgica S.A. são outras vítimas: desde a crise de 2008, quem vem pagando (com desemprego, redução de salário ou turnos pesados e prolongados) são os trabalhadores. Enquanto isso, em outubro de 2010 a Viena siderúrgica esbanjava dividendos, tendo anunciado publicamente a distribuição a seus acionistas de mais de 7 milhões de reais, com base nos lucros acumulados em 2009!

O lucro é de poucos, o prejuízo fica para muitos!

Trabalhadores e moradores há vários meses esperavam por respostas das empresas que nunca vinham, mesmo com a intervenção do Ministério Público e de outros órgãos. Não restou alternativa senão valer-se de seu direito de greve e de manifestação pacífica e organizada.

O levante popular, iniciado na madrugada de segunda-feira, 14 de fevereiro, prosseguiu ao longo de 42 horas. Pouco a pouco, o grupo inicial de algumas dezenas de pessoas foi se transformando em uma pequena multidão.

Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos, a empresa, por sua vez, aterrorizava e seqüestrava trabalhadores dispostos a aderir à greve, impedindo-os de descer dos ônibus, ao mesmo tempo em que supervisores eram vistos entrando e saindo da empresa em carros de passeio em busca de trabalhadores em folga ou ainda oriundos de outros setores da indústria, como o da construção civil. Para as empresas, tudo parece ser aceitável, desde que não cause a interrupção da produção e do fluxo de capital e/ou não macule a sua imagem perante a opinião pública.

A intransigência do SIFEMA (Sindicato das Indústrias de Ferro-Gusa do Maranhão) e da diretoria da Viena em dar atenção aos manifestantes obrigou-os a intensificar o protesto com o uso de barricadas, queima de pneus e bloqueio da estrada de acesso à empresa, pondo em risco a regularidade da produção e chamando a atenção imediata dos veículos de comunicação.

A negociação, portanto, foi convocada rapidamente para a tarde da terça-feira, 15 de fevereiro, com representantes do SIFEMA, Viena e Gusa Nordeste. Apesar das tentativas das empresas em dividi-los, os trabalhadores e moradores de Piquiá de Baixo permaneceram unidos e, ao final, conseguiram o que pleiteavam: retorno da escala de trabalho em 8 horas, retorno da cesta básica mensal, garantia de estabilidade no emprego aos trabalhadores que aderiram à greve e confirmação de aporte de recursos do SIFEMA para a compra do terreno para o reassentamento do povoado de Piquiá de Baixo.

O pouco com Deus é muito, mas ainda não suficiente: trabalhadores e moradores merecem garantias permanentes de trabalho digno, saúde, respeito ao meio ambiente com o controle das emissões poluentes e de tantos outros direitos ainda cotidianamente violados por essas empresas. A luta do povo de Açailândia continua!

mercoledì 2 febbraio 2011

Pobre Açailândia rica!

Meses atrás nossa cidade de Açailândia, no profundo interior do Maranhão, brilhava de orgulho: tinha sido indicada por uma conhecida revista nacional entre as seis cidades do Brasil que mais estão crescendo e prometendo para o futuro.

Nessa última semana, a transmissão televisiva mais assistida no domingo à noite apresentou outro rosto do Maranhão: atrasado, violento, impune. Destacou-se a vergonhosa condição dos detentos, tratados como animais.

Açailândia brilhou de novo, dessa vez de uma luz escura: um menino desaparecido há mais de ano, sem um serio inquérito policial, e o desespero de sua mãe; um fazendeiro suspeito de dois homicídios, há meses procurado pela polícia e denunciado pelos movimentos sociais da cidade, mas mesmo assim livre e impune.

Quem observar de fora, talvez não entenda um contraste desse: Açailândia é sinônimo de esplêndidas promessas de futuro e desenvolvimento... ou de injustiça e violência à ordem do dia?

Na realidade, trata-se de uma convivência necessária, que confirma a origem e o sustento da riqueza dessa cidade. O chamado progresso e o acúmulo de riqueza, aqui, se deram a partir de uma violência estrutural.
Em muitos casos, enriqueceu-se quem devastou a floresta, grilou as terras, fez uso de trabalho escravo, sonegou ou corrompeu.

Ainda hoje, pelo menos aqui, o poder dos ‘ricos’ é garantido por uma justiça seletiva, que protege com rigor e de maneira muito ágil o direito à propriedade, mas é muito mais tolerante com aqueles que torturam, escravizam ou até mandam matar.

Somos missionários e defensores de direitos humanos; se estamos aqui é para tomar posição contra o silêncio imposto, contra a aliança do poder econômico e político que em muitos casos controla nossa região e até a própria lei.

Até quando a justiça permanecerá refém de quem tem mais poder? Até quando o mito do desenvolvimento prometerá futuro para poucos pisando nas costas de muitos outros, silenciados pelo medo ou a necessidade de sobreviver?

As leis são para que as cumpram
os pobres.
As leis são feitas pelos ricos
para pôr um pouco de ordem à exploração
Os pobres são os únicos cumpridores de leis
da história
Quando os pobres fizerem as leis
Já não haverá ricos.

(Roque Dalton)

sabato 8 gennaio 2011

Um novo Deus para um novo ano

Vivemos tempos de morte e de medo em Açailândia. Nossa cidade parece atravessar, nesses meses, um de seus períodos mais críticos. Dezenas de postos de saúde estão fechados, profissionais da saúde foram demitidos ou fugiram por falta de pagamento. A violência cresce assustadoramente nas ruas. O desemprego, a insegurança e a incerteza do futuro ameaçam sãos e doentes...

Em contextos diferentes, o nome de Deus foi invocado em vão por pessoas de duvidosa fé. Recentemente, na Câmara Municipal, a população denunciava que “A saúde está na UTI” e uma vereadora tentou acalmar a multidão afirmando: “Deus vai resolver o problema de cada um de vocês”. Apelar para Deus quando as pessoas se omitem em cumprir com seus deveres é nomear o nome dEle em vão!

Na Assembleia Legislativa do Maranhão, para conformar os metalúrgicos demitidos e prometer que com novas minas tudo vai se resolver, o presidente do sindicato patronal disse que “Deus é maranhense e colocou minério em nossas terras”. Um secretário de estado acrescentou “Vamos pedir a Deus que dias melhores venham para o Maranhão”.

Acreditar ou vender a idéia de que Nosso Senhor chega para solucionar, como por um passe de mágica, todos os problemas que nós mesmos criamos, é algo escandaloso e revoltante. Utilizar o nome de Deus para conformar pessoas injustiçadas é pecado mortal. Deus, de fato, não pode ser manipulado e utilizado para justificar interesses pessoais ou de grupo, pisando na dignidade dos próprios irmãos e irmãs.

Já conhecemos esse filme. Na história, muitos ditadores têm utilizado o nome de Deus para poder impor com mais força a sua própria vontade. Chegou a hora de dar um basta a essas hipocrisias.

O novo ano que se abre seja tempo para falar menos de Deus e começar a agir, praticando o que Ele nos ensinou.

Temos vários desafios nos esperando. A Campanha da Fraternidade de 2011 é um grito de alarme contra as mudanças climáticas: de que adianta dizermo-nos cristãos, se nem sabemos cuidar da Terra, presente de Deus para todas as suas criaturas?!

Em setembro de 2011, Açailândia irá receber milhares de romeiros que visitarão Piquiá em ocasião da Romaria da Terra e das Águas. A igreja do Maranhão busca caminhos de vida no respeito da criação e das comunidades.

“Deus-conosco”, Emanuel, caminha com seu povo em busca dessa vida! Feliz 2011!

lunedì 13 dicembre 2010

O que era da Amazônia, o que será do Natal...

A gente vive numa das muitas “áreas de sacrifício” do dito desenvolvimento. Trata-se de dobraduras escondidas, onde o progresso acumula seus impactos menos elegantes...
Podem ser lixões, favelas que explodem por conta do êxodo rural em massa, bairros poluídos encostados nas usinas, onde máquinas e pessoas competem pelo acesso à água e ao ar...

Sabemos e sentimos que é esse o lugar dos missionários, enviados no meio dos pobres para fazer experiência e dar eco às contradições da história. Deus nasce menino, às periferias do Império romano, e renasce pequeno às margens desse ‘des-envolvimento’ desenfreado.
Deus pequeno, isto é, preocupado para com os ritmos lentos e resistentes de nossa gente: as famílias camponesas, as mulheres que coletam e trabalham os frutos da floresta, os pequenos produtores que a cada dia vendem suas mercadorias... esses são os pastores de hoje, aos quais é dada a boa-nova: uma criança nasceu PARA VOCÊS!

A igreja no Brasil, apesar de muitos limites, compreendeu o segredo do Natal que a cada ano se repete. Por isso, não põe o acento somente num nascimento especial, mas pela CF que está por vir aponta a todo o processo de criação que Deus colocou em nossas mãos e que Jesus nos desafia a renovar.

Enquanto o ‘des-envolvimento’ corre sem freios pelas linhas verticais da extração e exportação de recursos, a vida continua em círculos concêntricos e redes horizontais de relações, garantidas pelas comunidades em seus territórios e individualidades.
Celebrar o Natal, assim, significa acreditar teimosamente que Deus nasce onde ninguém sabe, longe dos holofotes e grandes projetos, nas comunidades ameaçadas pela concentração de terra, nas cooperativas que tentam reinventar a pequena produção, nas escolas-famílias agrícolas, nas festas populares de bairro ou na celebração anual da colheita.

A nova criação já começou, precisamos defendê-la e espalhar suas sementes em todos os campos. Nunca como hoje se faz necessário renascer do alto... para o baixo.

mercoledì 24 novembre 2010

A crise siderúrgica: fato ou boato?

É fato a demissão de 400 pais de família pelas siderúrgicas da Queiróz-Galvão em Açailândia. É fato o fechamento de 8 dos 15 fornos dessas e outras gusarias. É fato o desemprego para cerca de 5.000 pessoas no ciclo de produção do carvão vegetal na região tocantina.

A deputada Helena Heluy, em audiência pública dia 23 de novembro na Assembléia Legislativa do Maranhão, disse que essa é uma questão de direitos humanos, trabalhistas e ambientais.

Com a presença de cinqüenta delegados de Açailândia, reuniram-se em debate autoridades políticas, sindicatos dos trabalhadores e patronais, entidades e movimentos de base.
Apareceram, assim, também os boatos: mais do que falência das empresas, trata-se de uma suspensão das operações devido a pouca margem de lucro. No momento em que não convém mais produzir, é fácil para a maior parte das gusarias demitir ou reduzir a jornada de trabalho, diminuindo contemporaneamente o número de pessoas para cada turno: confirma-se a política de ‘sugar’ os trabalhadores até que sirvam, para abandoná-los quando for mais conveniente.

A Vale, grande responsável dos impactos do ciclo de mineração e siderurgia também pelo que se refere aos conflitos trabalhistas, nem apareceu à audiência pública, confirmando seu costume de se dizer aberta ao diálogo com as comunidades, mas se ausentar nas horas mais importantes. “Audiências como essa deveriam ter um mandato obrigatório de comparecimento”, desabafou o presidente do sindicato dos metalúrgicos de Açailândia.

Outro grande ausente, fortemente criticado ao longo da audiência toda, foi o prefeito de Açailândia. O sindicato dos metalúrgicos da cidade conseguiu ao longo dos últimos meses conversar com o Presidente do Senado, a Governadora do Estado, membros da Assembléia Legislativa do Maranhão e Secretários de Governo, mas nunca (apesar de quatro ofícios enviados) com o prefeito de seu próprio Município!

Para enfrentar a política econômica das empresas e corrigi-la conforme o direito à vida do povo, é essencial o papel da política de governo federal, estadual e municipal. Preocupou-nos, nesse sentido, o vazio dos discursos dos secretários de Estado durante a sessão, bem como a ausência do deputado federal açailandense recém eleito.

A audiência reconheceu que Açailândia é símbolo do que está acontecendo no Maranhão todo: ao longo de trinta anos de investimentos em grandes projetos, favoreceu-se a concentração de renda, aumentou o PIB per capita, mas a distribuição de renda foi péssima e não garantiu a dignidade do povo maranhense. “O grande desafio não é amenizar mais uma crise, aguardando a próxima: temos nas mãos a possibilidade de reinventar o modelo de vida e sustentação do Maranhão”, comentou o advogado Guilherme Zagallo.

Há sem dúvidas alguns avanços, como o esforço de verticalização da produção, do ferro até o aço, pela siderúrgica Gusa Nordeste. O presidente do sindicato patronal apontou a essa aciaria e ao comércio de gusa com a China como solução para todos os problemas do desemprego local, garantindo que daqui em diante não haverá mais nenhuma pessoa despedida.

Mas esses avanços e garantias (mesmo assim duvidosas, ao dizer do sindicato dos metalúrgicos) não apagam o passivo sócio-ambiental da Vale e das siderúrgicas na região: os movimentos sociais apontaram mais uma vez às responsabilidades por desmatamento e poluição.

O caso de Piquiá de Baixo, bairro pré-existente às gusarias e agora cercado pelos empreendimentos altamente poluentes, foi também destaque da audiência pública. Repetidas vezes foi reconhecido que é uma vergonha deixar ainda 350 famílias nessas condições de precariedade. Urge o reassentamento de Piquiá de Baixo, área de sacrifício do povo no altar do desenvolvimento sem controle.

Como justificar, de um lado, subsídios de dinheiro público tão pesados na construção da aciaria e, do outro lado, a lentidão do poder executivo e das empresas em garantir o direito à vida da comunidade de Piquiá de Baixo?

A audiência pública levantou perguntas e discussões ao longo de cinco intensas horas de debate. Entre os muitos encaminhamentos, destacamos a urgência de soluções de curto prazo através de uma pactuação convocada pelo sindicato dos metalúrgicos com todas as partes envolvidas.

Em longo prazo, torna-se necessária a reflexão e articulação política a respeito de um Fundo de Desenvolvimento e Amparo aos Trabalhadores. Constituído por contribuições obrigatórias, proporcionais aos lucros da Vale e das siderúrgicas, relançaria novos investimentos que garantam a pluralidade das vocações produtivas de Açailândia e do Maranhão (pequena empresa, agricultura familiar, incentivos ao reflorestamento, capacitação profissional, etc.)

São Luís, 23 de novembro 2010
Notas e reflexões sobre a Audiência Pública “Açailândia pode parar”, por pe. Dário Bossi – Paróquia São João Batista, Açailândia (haverá um relato completo e oficial da audiência, emitido pela própria Assembleia Legislativa)