Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

giovedì 12 novembre 2009

O fim do mundo!

Há trechos no evangelho (como esse de Mc 13,24ss) que podem amedrontar pela profecia de uma aparente destruição, improvisa, da terra e da vida.
E há pessoas que, tendo assumido mais ou menos conscientemente essa perspectiva, resignam-se: estamos acabando... Nossa cultura -pensam- estragou-se definitivamente, não há mais costumes, a sociedade está indo rumo à autodestruição.
Essas pessoas vivem desapegadas, descomprometidas e desiludidas. Desanimaram-se na luta e perderam todo interesse; ou melhor: ficaram só com seu próprio interesse individual, na lógica que, “se for para acabar mesmo, melhor eu aproveitar logo; os outros que se virem!”

Mas o evangelho é sempre boa notícia, Palavra de esperança. Não proclama o fim do mundo, mas sonha com o fim desse mundo.
Quer dizer, afirma com termos e imagens fortes que há ainda muito em nossas sociedades votado à morte; é urgente mudar, regenerar a realidade.

Jesus nos desafia a interpretarmos com sabedoria os sinais do tempo. Quais são as doenças que enxergamos na realidade de hoje?
Essas doenças, alerta o Senhor, não são para a morte, não são condenação, mas chamado urgente à cura e à transformação.
“Quando os ramos da figueira ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto”. Essa é a beleza do evangelho: aproxima a uma profecia carregada de dor e destruição uma imagem tão linda de vida e esperança (brotos, ramos verdes, folhas e verão).

Procurando mais de perto para as doenças de hoje, escuta-se logo o grito sufocado da terra violentada.
Em nossas terras amazônicas, por exemplo, no último ano desmataram-se 7mil Km² de floresta. Há sinais de diminuição, mas ainda acompanhados por ameaças de morte aos defensores dos direitos humanos e ambientais, monoculturas arrasadoras que expulsam a agricultura familiar, impunidade para quem viola as regras (especialmente os mais ricos e poderosos), violência e arrogância policial contra os que clamam pelo direito à terra.

“Haverá grande tribulação, as estrelas começarão a cair do céu”: essas estrelas são muitos companheiros/as, lideranças na luta, que ainda hoje tombam ou fogem por causa da perseguição e por conta de seus teimosos sonhos.

As doenças de hoje não têm terapia imediata. Como não lembrar, porém, o importante encontro de Copenhagen, na Dinamarca? A 15ª Conferência do Clima acontecerá entre os dias 7 e 18 de dezembro e será ocasião de uma leitura atenta dos sinais dos tempos, no esforço coletivo de preservar 'o verão da vida' e permitir aos brotos de continuar a germinar.
Os maiores líderes mundiais vão tentar fechar um acordo que irá substituir em 2012 o Protocolo de Kyoto (compromisso de preservar o meio ambiente firmado entre 84 países).

“Esta geração não passará até que tudo isso aconteça”: realmente há mudanças urgentes, que devemos fazer acontecer agora.
Cabe a nós escolher entre o fim desse mundo... ou o fim do mundo!

giovedì 29 ottobre 2009

Ao mercado dos sonhos, a Vale perde cotações

Vivo em Açailândia, Maranhão. Dizem que é uma terra abençoada pelo desenvolvimento, mas nesses meses de crise nosso povo também está migrando, cada vez mais para oeste. Muitos tentam a sorte em Marabá ou Parauapebas, a casa da Vale.
Estivemos lá para tentar entender porque nosso povo se muda para aquelas regiões, em busca de que, com que sonhos... e que resultados.

Parauapebas cresce a cada três dias, quando chega o trem passageiros da Vale. Das pessoas que descem cada vez, uma média de 40 veio já convencido de ficar, enquanto um número bem maior irá pesquisar e, provavelmente, permanecer.
Assim, a cidade cresce com um ritmo de 22% ao ano, mais do que a China!
Logo um dado esclarece quem foi que chamou todo esse povo: nos últimos 12 meses a Vale gastou R$ 178,8 milhões em publicidade. Uma propaganda que dá orgulho ao Brasil, mas ilusão para muitos sonhadores em busca de trabalho e vida!

Onde é semeado o sonho de quem vem a Parauapebas em busca de futuro? Nos primeiros 10-20 dias o povo fica em casa de amigos ou parentes; logo depois muda para bairros de invasão, nas periferias. Fomos lá: morros enlameados com dezenas de casas penduradas até o próximo inverno, quando com certeza muitas irão cair. Palafitas unidas por pontes de madeira podre, em cima de água parada onde o povo faz também suas necessidades. Poços de água rasa que pescam da mesma fonte onde há descargas...

Há muito dinheiro pelas royalties da Vale nesse município. A administração precisa aplicá-lo com respeito e prioridade absoluta para com esses últimos da terra.
Há muito brilho na imagem da Vale. A empresa precisa se ocupar mais desse povo, que tem mais valor de qualquer minério ou projeto de desenvolvimento.

giovedì 15 ottobre 2009

Servos sim, escravos não!

“Escravo nem Pensar!” foi o lema que trouxe uma centena de lideranças até Açailândia (MA). Era a caravana interestadual contra o trabalho escravo, atualização bem arquitetada da escravidão do passado.
O evangelho desse domingo, porém, traz palavras aparentemente contraditórias: “Quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos”.
A história da Bíblia inteira é uma longa e teimosa caminhada pela libertação de um povo escravo; o próprio Jesus assumiu isto como cerne de sua vida: “O Espírito do Senhor está sobre mim, (…) enviou-me para proclamar a libertação aos presos, (…) para libertar os oprimidos” (Lc 4).
Por que, então, Jesus usa essas palavras hoje?

Estamos no momento mais difícil da vida de Jesus: ele acabou de anunciar por três vezes que será preso, torturado, condenado e morto. O Senhor está buscando apoio dos seus discípulos; nesse momento de fragilidade, precisa que o grupo permaneça muito unido ao seu redor.
Ao contrário, mais uma vez Jesus descobre que a conversa dos discípulos é bem outra: sentindo que se aproxima o momento final, em que o Cristo se manifestará como rei da história, os doze querem se garantir um pedaço dessa história e reinado. Quem é o maior? Quem terá direito de governar com o Messias? Quem pode ficar à direita e esquerda dele?

Nesse momento delicado, Jesus percebe não só que está sozinho, sem a compreensão dos outros, mas também que até agora não conseguiu ensinar nada aos doze: eles continuam na lógica do poder, da opressão e da competição.
Não adianta continuar a falar em palavras, o único jeito para que eles entendam é ir até às últimas consequências de sua atitude de Serviço à Vida.
Com paciência, Jesus repete o centro de sua mensagem de vida: “O Filho do Homem veio para servir e dar a sua vida”.
O esforço constante de Jesus é para que nós entendamos a diferença entre servo e escravo. Somos chamados a ser servos da vida, para que nunca mais haja escravidão!
O servo é aquele que se coloca por último, ao lado dos mais excluídos, sem que ninguém fique debaixo dele. Daquele ponto de vista, o servo entende quanto seja necessária a libertação dos escravos, das vítimas de muitas formas de opressão.
Servir é uma opção de vida: em qualquer momento, em qualquer lugar, eu assumo a posição dos menores, dos mais fracos. Falo, penso e decido a partir da situação de vida deles. Tenho a coragem de chegar até as últimas consequências com eles.
“O que quereis que eu faça?”, pergunta Jesus. Cabe a nós responder se queremos um Deus que nos promova e se ocupe só da gente, ou se somamos com um Deus preocupado para que todos tenham vida, e vida plena!

mercoledì 30 settembre 2009

Chamavam-se Maria

Conheci Maria Bernardina no hospital. Custava a respirar, exalando lentamente, um atrás do outro, os seus 95 anos.
Poucos dias depois ligaram para que eu abençoasse o corpo dela, antes da despedida. Chego e encontro somente três pessoas ao seu redor... poucas demais, pelos muitos anos em que amou e serviu!
Aproveito para escutar a história dessa mulher: foi casada aos 12 anos com um homem adulto, escolhido para ela pelos pais. Máquina de sexo e filhos, Maria logo pegou sífilis.
Concebia e paria uma criança atrás da outra, mas por causa da doença elas nasciam deformes, com graves problemas, e morriam logo nos primeiros dias.
Por quinze vezes foi assim, até encontrar um médico que teve mais cuidado e competência; graças a Deus e a ele, os últimos cinco filhos sobreviveram.
Maria amava rezar o terço: acho que repassava as 'Ave-Maria' como as gotas de vida e de dor de seus vinte partos.

No mesmo dia, tarde à noite, mais uma ligação. Morreu Maria Luiza, é preciso que um padre venha para 'batizá-la' (para os pobres realmente a fé é o único sustento, mesmo se simples, popular, talvez ingênua...)
Alcançar a casa de Maria Luiza é difícil, no escuro da rua estreita e escorregadia, na periferia da cidade. Algumas tábuas no chão tampam os buracos do quintal, um sofá arrumado às pressas fora de casa recebe com carinho as visitas de quem não couber dentro de casa.
Lá na porta muitos abraços... mas quanta tristeza quando, de repente, abrindo-se o espaço, dá para ver no meio do quarto silencioso o pequeno caixão cor de rosa...
Nove meses na barriga da mãe, tempo de uma longa espera em que se cultivam sonhos, projetos, expectativas. Logo depois, o trauma de horas de hospital: a pequena parece não querer sair, os médicos demoram a fazer o cesariano.

Cada cirurgia custa tempo e incomoda, há muito percebemos essa resistência dos médicos: muitas mães ao nono mês preferem correr para o outro hospital, 70 Km mais longe. O perigo é que nossa maternidade, em lugar de ser o berço da vida, se torne uma usina de morte!
Às vezes imaginamos que os médicos se conformam, “pois os pobres não levantam a voz... e, no caso, têm como rapidamente fazer mais um filho”.

Chamavam-se Maria.

Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta

Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonhos sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida.

(Milton Nascimento)

mercoledì 16 settembre 2009

O que passa em teu coração?

Comentário ao trecho de
Mc 9, 30-37


Às vezes ficamos por horas na parada do ônibus, na fila do banco ou do posto de saúde; nesses casos, me invade a tentação de passear pelas cabeças e os corações de todas aquelas pessoas juntas no mesmo lugar.
O que estão pensando? O que estão sentindo?

Com certeza deve ter um emaranhado de paixões, projetos, medos, fragilidades, esperanças... muito disso permanece fechado dentro de cada indivíduo, inexpresso e confuso.

Numa certa altura, no evangelho de Marcos, Jesus sente a necessidade de isolar-se com seus amigos e amigas e aprofundar as relações dentro do grupo, com uma releitura dos acontecimentos vividos até o momento.
Ele não queria que ninguém soubesse para onde iam, pois era preciso dar um passo mais fundo nas motivações que animavam cada companheiro/a de caminhada.
Isso também se faz necessário para cada um: exigir de nós mesmos o tempo e as condições para sair um momento da história de vida e de luta e nos perguntar: “Por que estou fazendo tudo isso?”

Marcos também para e observa o grupo que caminha, descrevendo o que cada pessoa sente e pensa em seu profundo.
De um lado temos Jesus, pressentindo o futuro, intuindo para onde leva sua radicalidade de atitudes e palavras. O mestre tem uma visão histórica e ampla da situação, sabe interpretar os eventos.
Em seu caminho não perde a sensibilidade do dia-a-dia, a atenção para com os companheiros, mas também mantém os olhos fixos sobre o horizonte e enxerga com clareza os objetivos e o itinerário necessário.
Orienta-se no labirinto das diversas possibilidades, compreende o sentido de suas escolhas e define o que quer na vida, até o fim. Sabe que, se for fiel aos valores assumidos desde o começo, a morte não será a última palavra: “o Filho do Homem ressuscitará”. Esse estilo de vida, esse jeito de ser radicalmente humano e decidido não pode morrer: vai ser entregue em herança aos discípulos.

Já, os discípulos... Marcos presta atenção também ao que passa no coração deles, durante a caminhada. Os pensamentos deles são bem mais limitados e de curto alcance: “quem é o maior entre nós?”
Há um abismo entre a visão lúcida, cheia de esperança de Jesus e as “curtas paixões” dos discípulos. Eles procuram interesses instantâneos, não orientam suas escolhas a partir de valores maiores, buscam sucesso, apreciação, crescimento rápido e retorno imediato.
Que contraste! Não é contraste entre Deus e os homens e mulheres: são duas propostas diferentes de conduzir nossa caminhada histórica, bem aqui na terra!
Cabe a nós construir passo a passo uma vida pautada por grandes horizontes, alimentada por uma leitura sábia e experiente da existência, ou... deixar-nos conduzir pelas curtas paixões que satisfazem somente a fome de cada dia.

Às vezes, olhando para a invasão do dito 'progresso' de nossas regiões no norte do Brasil, vejo quanto isso se parece ao pensamento pobre e imediato dos discípulos: suas palavras de ordem são crescimento, sucesso, lucro, mais e mais. Jesus nos alerta que não é esse o caminho que garante a vida e a ressurreição.

giovedì 10 settembre 2009

Missionário porque?

Conhecia um outro Brasil: passei quatro anos na megalópole de São Paulo, vivendo na periferia com o povo simples, sofredor, vítima da violência urbana, do medo e do desemprego. Sonhei com as Comunidades Eclesiais de Base nos bairros, trabalhei com crianças e adolescentes em conflito com a lei.
O coração de um missionário é populado de gente e de histórias; quando chegou o dia de sair e deixar o povo caminhar, algo também se rasgou no coração. Por essas feridas passa a saudade, sentimento bonito e dolorido que mistura memória, amizade, distância, desejo de re-encontro, sonho, aprendizado a partir dos erros passados e... vontade de recomeçar, talvez com novos erros!
Deixei o Brasil com a promessa de voltar logo; e assim foi.

Dessa vez, porém, a destinação era bem diferente: Açailândia, profundo interior do Maranhão, no nordeste desse País-Continente. As perguntas se amontoavam na cabeça: o que vou encontrar lá? Estarei à altura das expectativas? O povo tem o mesmo jeito dos meus amigos do sul do Brasil?

Já ao chegar tive a primeira resposta: dez horas de trem quente e supercheio viajando com dezenas de paradas de São Luís até Açailândia. Quilômetros e quilômetros de chão livre, grandes fazendas, povoados bem pobres com casas de barro e telhado de palha: aqui não é São Paulo!
Na estação, o por-do-sol esticava as sombras de poucas plantas magras e altas: o trem me descarregou num lugar deserto, afastado da cidade. Desci e parei, sozinho. Essa é minha nova terra; silenciosa, vasta e misteriosa, carregada de perguntas que senti pesar sobre mim todas de uma vez. “Missionário: você veio para quê?”
É a pergunta que continuo me repetindo dia após dia: o que significa, hoje, aqui, ser missionário?

Aquela terra já falava em seu silêncio sofrido, me dei conta disso poucos meses depois.
Uma região que perdeu a palavra e a identidade: era o portal da Amazônia, mas toda árvore acabou derrubada no chão para deixar espaço ao gado; ainda tem, pontuando os pastos de capim, muitos tocos enormes de árvores ceifados. Só fica o cheiro de queimado e um silêncio ensurdecedor: “O que fizeram da irmã natureza?” - parece perguntar...

Por isso, de lá para cá, nos esforçamos de construir uma comunidade cristã atenta à defesa dos direitos humanos, especialmente o direito ao meio ambiente.
Tentamos ler e proclamar o evangelho mostrando quanto ele nos convide à preservação da vida. E toda vez que anunciamos alguma coisa, estamos também denunciando outras, às vezes criando conflitos.
Uma pergunta grande desde essas terras feridas, por exemplo, é a respeito do desenvolvimento: o que significa crescimento? Que tipo de progresso queremos? O que desejamos e vamos entregar para os nossos filhos?
Ao fazer essa pergunta, nem sempre somos bem recebidos: ao denunciar a violência da maior mineradora de nossa região, a Vale, fomos caluniados por artigos de jornais evidentemente do lado da grande multinacional.
Em alternativa, há a estratégia cativante das firmas que querem vender bem sua imagem: quando começamos a criticar as siderúrgicas de nossas regiões pelo impacto ambiental que causam, logo no mesmo dia o dono nos ligou e convidou para conversar com ele, se justificar, explicar que está fazendo todo tipo de esforço...
Frente a esses conflitos, aprendemos que não pode-se avançar sozinhos. Está no DNA de um missionário comboniano: a transformação acontece e o evangelho 'pega' somente onde há protagonismo popular, onde todos e todas se sentem parte de um processo lento de regeneração da vida, das relações.
Assim, o missionário seria com a agulha que passa e repassa um sutil fio de costura entre as pessoas e os grupos, caminhando de uma comunidade para outra, fortalecendo lideranças, unindo a fé com a vida. Um fio de costura que atravessa e une a necessidade de sagrado, de consolo, de paz interior e relação com Deus com a luta apaixonada para que esse mundo seja 'a medida do sonho de Deus'.

Foi o que aconteceu com a comunidade de Califórnia, um assentamento de camponeses que tomaram a terra de um grande fazendeiro que não tinha posse legal. Os assentados conservaram o nome da fazenda Califórnia, talvez para não cancelar o marco simbólico da colonização de nossas terras. Mas outra colonização estava prestes a chegar: pouco depois de construírem suas casas e cultivarem a terra, chegou mais uma vez 'a gigante', a Vale, e instalou bem atrás do povoado 72 fornos industriais para produzir carvão e alimentar as siderúrgicas.
O conflito passou da terra para o ar: de nada adianta possuir o chão, se alguém mais controla e polui o ar por cima dele!
De repente, como missionários, fomos desafiados a acompanhar essa comunidade não mais somente com a missa e a catequese: a urgência e a necessidade do povo era outra.
Nosso testemunho do evangelho passava por atitudes de parceria na luta contra gigantes (logo nos lembramos daquela passagem profética que garante que todos os poderosos têm os pés de barro... e mesmo se ainda não conseguimos derrubá-los, isso nos dá esperança e resistência!).
As nossas celebrações começaram a ser bem mais concretas, na homilia e no diálogo com o povo trazíamos ao altar os problemas, as derrotas e as vitórias no confronto com a grande multinacional. As pessoas sentiam que Deus estava do lado delas e tomavam coragem (as vezes até demais, como naquele dia em que, não aguentando mais, atearam fogo em algumas toras de eucalipto da empresa e bloquearam a rodovia!).
Assim, costurando a oração e a luta, os pequenos conseguem se fazer escutar: no caso de Califórnia, a empresa fechou metade de seus fornos para limitar a fumaça e não quebrar as relações com o povo.

Conseguirão essa rede frágil e esses fios sutis de costura e resistência aguentar o impacto e a pressão dos poderosos?
O sonho de Deus vai se traduzir numa realidade de maior respeito da vida, de cuidado e de ternura entre nós e com a natureza?
São as perguntas de cada manhã e de cada noite, que um missionário entrega ao Pai com humildade e grande esperança.

lunedì 24 agosto 2009

Trabalho sim, Poluição não!

Carta aberta à cidade de Açailândia e às autoridades
sobre a nova aciaria em construção no Piquiá

A sabedoria popular de nossa gente ensina que o passado é lição de vida para trilhar o futuro de um povo.

Somos moradores da periferia de Açailândia, chegamos no Piquiá quando ainda tudo era um açaizal, rios e córregos cartão postal da cidade: trinta, quarenta anos atrás. Tempos depois, as empresas siderúrgicas implantaram-se ao lado de nossas casas.
Prometeram trabalho e desenvolvimento, mas com isso trouxeram também poluição e morte.
O povo mais humilde tinha um maravilhoso local de lazer, o Banho do Tito, que também foi fechado para a indústria, sem oferecer alternativas.

Somos sindicatos e movimentos defensores dos direitos humanos, trabalhistas e ambientais na cidade e região; há muitos anos acompanhamos, entre outros, o conflito no Piquiá em busca de dignidade de vida e moradia.

Somos uma Paróquia, comunidade de comunidades, há vinte anos comprometida com a justiça, a paz e a integridade da criação na região de Açailândia. Celebrando e visitando o povo, tocamos com mão as consequências do desrespeito da legislação ambiental por parte dos empreendimentos industriais no Piquiá.

Nos perguntamos: até quando a sede de trabalho e a necessidade de sobrevivência manterão o povo refém desse modelo de desenvolvimento que destrói o meio ambiente?

Será que não é possível um modelo de produção industrial em que trabalho e respeito à vida caminhem juntos, mesmo se fosse necessário reduzir de um pouco os enormes patamares de lucro alcançados até agora pelos donos das empresas?
Para nós, progresso é quando todos e todas ganham, quando o direito a uma vida saudável e digna é respeitado, quando o ser humano é posto em primeiro lugar e, harmonizado com o meio ambiente, é capaz de repassar às gerações presentes e futuras valores éticos e morais.

Depois de vinte anos de difícil convivência com as siderúrgicas (ainda sem filtros de manga nem tratamento das águas de defluxo), chega agora a notícia da implantação em nossa região de uma aciaria (firma para a produção de aço).
Que bom! Verticalizar a produção, valorizar nosso trabalho e nossos recursos sempre foi um objetivo comum.

Estamos porém muito preocupados e inquietos, com as seguintes grandes duvidas, às quais ninguém até agora deu resposta:

- Por que antes de investir em novos empreendimentos que terão mais um impacto ambiental não se usou parte do investimento da aciaria para minimizar a poluição dos altofornos, instalar filtros anti-partículas, canalizar e reutilizar a água do resfriamento, reter a poeira da trituração do material, transferir o depósito do “pó de balão” em lugares protegidos e distantes das casas?

- Qual será o impacto da aciaria sobre nossas famílias e cidade? Não queremos ser vítimas, mais uma vez, de novos gigantes poluidores além dos catorze altofornos descontrolados das siderúrgicas!
Juntamente a essa carta aberta, nossas entidades entregaram ao Ministério Público o pedido para a convocação de uma audiência pública na qual possa ser detalhado para o povo o impacto ambiental da aciaria e as condicionantes assumidas no licenciamento ambiental para o funcionamento da mesma.

- O Poder Público tem um projeto político e urbanístico para a gestão desses novos implantes industriais? Qual será o impacto dessa e de outras indústrias sobre as casas e a rede viária de Piquiá e Açailândia? Que tipo de formação está sendo prevista para que nossos trabalhadores possam ter acesso às vagas de trabalho e os empreendimentos sejam genuinamente açailandenses, e não (mais uma vez) dependentes de pessoal especializado vindo de fora?


A história nos mostrou quanto é sofrida a convivência com as siderúrgicas. Não queremos esperar mais para exigir nossos direitos.

Seja bem-vinda a aciaria, mas com garantias seguras de respeito para o meio ambiente, com imediatas providências contra a poluição das siderúrgicas, com solicitude no processo de deslocamento do povoado de Piquiá de Baixo para uma nova terra e dignidade de moradia.


Paróquia São João Batista
Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos
Sindicato dos Metalúrgicos
Associação dos Moradores de Piquiá
Centro Comunitário Frei Tito
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
Sintrasema
Sindimotaa
Associação Rádio Comunitária Açailândia