Uma das primeiras lições que aprendi da fé popular, ao chegar ao Brasil, foi que os cristãos devem ser “rueiros e rezeiros”.
Homens e mulheres de oração, sim, mas também com o pé na estrada, em visita, sempre a caminho rumo aos outros.
Muitos anos depois, conheci dona Nenzinha, ministra da Eucaristia da comunidade São José de Piquiá de Baixo.
Vivia ao lado de seu Pedro, seu marido. Os dois quase sempre na varanda fora de casa, deixando a vida acontecer, na pracinha e na quadra de futebol, logo à sua frente...
O ritual da visita, toda vez que descíamos no bairro, era um copo de água fresca e algumas palavras sobre as últimas novidades, a poluição que não cessa, a tosse e o cansaço que ofuscavam as esperanças desse casal de idosos.
Rezeira, todo domingo dona Nenzinha abria a igrejinha bem antes da missa; cuidava do altar, dos panos e toalhas, incrivelmente limpos naqueles espaços de fumaça e poeira. Seus gestos, assim como sua dignidade, eram silenciosos, reservados. Mas falavam alto: Deus e nossas famílias merecem bem mais que esta poluição!
Rueira, não perdia ocasião para visitar as pessoas idosas ou doentes, que não tinham como ir à igreja: levava-lhes um sopro de Deus. Era mulher de muito fôlego, não parava nunca, tinha respiro e esperança de sobra para partilhar!
Como muitas famílias, Nenzinha e Pedro não aguentaram viver na nuvem de fumaça e saíram do Piquiá de Baixo. Mudar de bairro não foi mudar de vida: sua devoção a São José, protetor e providente, encontrou São Miguel, na comunidade cristã de Plano da Serra. De longe, junto ao anjo do combate contra as forças do mal, continuava torcendo pelas famílias amigas, deixadas no Piquiá.
Nestes últimos dias, dobrou e arrumou sua vida como fazia com aqueles panos do altar.
Carregou-a, como uma oferenda leve, bordada e engomada, até as mãos de Deus.
Imagino que foi até Ele caminhando, devagar, como sempre. Como mais uma visita a ser feita, como uma procissão; como se dependesse dela, hoje, abrir cedo as portas do Paraíso, do jeito que abria as portas da igrejinha de Piquiá.
Dona Nenzinha, reze por nós: um dia chegaremos juntos, mas queremos levar até a senhora muitas outras histórias de solidariedade, de resistência e de Conquista!
E leve nosso abraço ao seu Edvard...
Vida e Missão neste chão
Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço! E-mail: padredario@gmail.com; Twitter: @dariocombo; Foto: Marcelo Cruz
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço! E-mail: padredario@gmail.com; Twitter: @dariocombo; Foto: Marcelo Cruz
mercoledì 9 settembre 2020
sabato 11 aprile 2020
No Sábado Santo, a Páscoa, pelas mulheres
Nesta noite proclamaremos a Páscoa, mas na verdade continuaremos como num longo Sábado Santo.
Em tempos de pandemia, estamos todos e todas em silêncio, à espera: num certo clima de medo, pelo que poderá acontecer aqui no Brasil; numa atitude de esperança ativa, para evitar que o mal se espalhe rápido demais.
É também o Sábado Santo de tantas situações de fragilidade, não só pelo vírus. Tantas pessoas e comunidades que se encontram entre a morte e a promessa de vida.
A Páscoa acontece aqui, desde dentro das longas noites de Sábado Santo.
O Evangelho destaca que a Páscoa chega a todos através das mulheres.
São elas que permanecem de pé perto da cruz.
Não desanimam, não se deixam apavorar pelos soldados. Lembram-nos as Madres de Plaza de Mayo, que desde 1977 descem na praça toda semana, em memória dos filhos mortos pela Ditadura.
Ou as mulheres indígenas, que todo mês de abril descem a Brasília junto a seus guerreiros, para reivindicar terra e direitos. Ou a marcha das Margaridas, das mulheres camponesas, todo dia 12 de agosto.
São elas que vigiam preparando perfumes.
Não deixam a noite vencer, cuidam dos corpos feridos, da Mãe Terra violentada. Lembram-nos as mulheres e homens profissionais de saúde, que no mundo todo estão se doando por inteiro na luta contra o vírus. Também nos lembram nossas mães...
São elas que tomam a iniciativa, mesmo tendo o obstáculo da pedra.
Não se bloqueiam frente à dificuldade. Sabem “primerear”, inventam sempre passos novos. Lembram-nos as mulheres de nossas comunidades cristãs, mesmo quando oprimidas pelo peso de uma Igreja machista e clericalista.
Recordamos a iniciativa e o protagonismo das mulheres no Sínodo da Amazônia, rezamos hoje para que se abram, para elas, os caminhos do diaconato e do ministério instituído de coordenadoras de comunidade.
Não será uma Páscoa estrondosa, teremos que reconhecer a Ressurreição nestes pequenos sinais. As mulheres sugerem que procuremos Jesus ressuscitado lá na periferia, onde tudo começou, na Galileia...
Em tempos de pandemia, estamos todos e todas em silêncio, à espera: num certo clima de medo, pelo que poderá acontecer aqui no Brasil; numa atitude de esperança ativa, para evitar que o mal se espalhe rápido demais.
É também o Sábado Santo de tantas situações de fragilidade, não só pelo vírus. Tantas pessoas e comunidades que se encontram entre a morte e a promessa de vida.
A Páscoa acontece aqui, desde dentro das longas noites de Sábado Santo.
O Evangelho destaca que a Páscoa chega a todos através das mulheres.
São elas que permanecem de pé perto da cruz.
Não desanimam, não se deixam apavorar pelos soldados. Lembram-nos as Madres de Plaza de Mayo, que desde 1977 descem na praça toda semana, em memória dos filhos mortos pela Ditadura.
Ou as mulheres indígenas, que todo mês de abril descem a Brasília junto a seus guerreiros, para reivindicar terra e direitos. Ou a marcha das Margaridas, das mulheres camponesas, todo dia 12 de agosto.
São elas que vigiam preparando perfumes.
Não deixam a noite vencer, cuidam dos corpos feridos, da Mãe Terra violentada. Lembram-nos as mulheres e homens profissionais de saúde, que no mundo todo estão se doando por inteiro na luta contra o vírus. Também nos lembram nossas mães...
São elas que tomam a iniciativa, mesmo tendo o obstáculo da pedra.
Não se bloqueiam frente à dificuldade. Sabem “primerear”, inventam sempre passos novos. Lembram-nos as mulheres de nossas comunidades cristãs, mesmo quando oprimidas pelo peso de uma Igreja machista e clericalista.
Recordamos a iniciativa e o protagonismo das mulheres no Sínodo da Amazônia, rezamos hoje para que se abram, para elas, os caminhos do diaconato e do ministério instituído de coordenadoras de comunidade.
Não será uma Páscoa estrondosa, teremos que reconhecer a Ressurreição nestes pequenos sinais. As mulheres sugerem que procuremos Jesus ressuscitado lá na periferia, onde tudo começou, na Galileia...
mercoledì 12 febbraio 2020
De coração aberto e a plenos pulmões
Recebemos a Exortação Apostólica Querida Amazônia de coração aberto e a
plenos pulmões.
Sínodo significa "caminhar juntos": é um percurso que vem de longe, iniciado há pelo menos dois anos, escutando milhares de pessoas e comunidades, até convergirmos no Documento Final. O Papa pede que nos comprometamos a lê-lo e aplicá-lo na íntegra.
Sínodo significa "caminhar juntos": é um percurso que vem de longe, iniciado há pelo menos dois anos, escutando milhares de pessoas e comunidades, até convergirmos no Documento Final. O Papa pede que nos comprometamos a lê-lo e aplicá-lo na íntegra.
Este caminho ainda precisa ir longe, porque as
pistas que se abrem são audaciosas e de profunda mudança, conversão integral.
Caminhamos com as pernas e a paixão dos mártires: não é por acaso que o documento foi entregue hoje, 12 de fevereiro, quinze anos após o assassinato da defensora da floresta ir. Dorothy Stang.
Papa Francisco escreve não para substituir o
documento final, mas oferecendo uma reflexão, uma síntese, quase para nosso
coração bater mais forte. Resgata poesia e sonho, bebe à fonte das culturas
amazônicas. Beleza e poesia salvarão o mundo!
Uma caminhada bem sinalizada
Com insistência indignada, um ponto fixo que orienta
o caminho é a denúncia do modelo predatório e neocolonial que está saqueando a
Amazônia. O Papa sabe que esse modelo é hábil em se disfarçar, a ponto de
enganar ou seduzir às vezes até alguns membros da Igreja. É preciso clareza e
determinação para rejeitá-lo, recuperar e proteger a inspiração e o
protagonismo dos povos originais, seus planos de vida, a sabedoria do Bem
Viver, a voz forte dos últimos, os direitos e as propostas dos pequenos...
O caminho do Sínodo está entrelaçado com o da Economia de Francisco e Clara (encontro em Assis, em março), com o Pacto Educativo Global convocado pelo Papa em maio, com os muitos grupos que em diferentes partes do mundo, a partir de outubro passado, estão assinando e contextualizando o Pacto das Catacumbas para a Casa Comum.
No Brasil, em exatamente um mês, a REPAM e uma
rede de muitas outras organizações lançarão a campanha "A vida por um
fio", em defesa de comunidades e líderes ameaçados na defesa de seus
territórios.
A rede latino-americana Iglesias y Minería está promovendo a campanha de desinvestimento da
mineração, como um passo concreto para as comunidades religiosas se
distanciarem da economia predatória.
Ainda faltam alguns companheiros-as
O Sínodo abriu um longo processo, em busca de um
maior protagonismo das mulheres na Igreja, mas ainda temos muito a avançar. A
Exortação Apostólica oferece algumas propostas, a partir das quais é necessário
dar um passo com coragem. Por exemplo, os bispos podem instituir ministérios
que garantam autoridade, reconhecimento público e real incidência de mulheres
na liderança de comunidades e na Igreja diocesana.
A iniciativa de ordenar padres homens reconhecidos
pelas comunidades cristãs em regiões isoladas da Amazônia, mesmo com uma
família constituída e estável, permanece como uma decisão da assembléia
sinodal, incluída no documento final. O Papa não a retoma, destaca outros
pontos da vida, mas ao mesmo tempo indica que a presença pastoral precária exige
uma resposta corajosa da Igreja e a identificação de "ministros que possam
compreender a partir de dentro a
sensibilidade e as culturas
amazónicas".
O advérbio de lugar que destaquei é importante.
Toda a Exortação
é baseada no pressuposto de uma Igreja encarnada e inculturada, que não pode
depender de ministros que lideram, administram e celebram vindo desde fora.
A palavra e
a iniciativa, portanto, passam às igrejas locais, para que elas pensem,
organizem e proponham ao Papa caminhos viáveis, contextuais, respeitosos e
corajosos.
"Não
cortemos as asas ao Espírito Santo"!
giovedì 2 gennaio 2020
Memória de 2019 - nossos vídeos mensais
Também durante 2019, todos os meses os Missionários Combonianos ofereceram um breve vídeo (5') de reflexão e aprofundamento sobre a fé, a caminhada pastoral e a situação do Brasil.
Neste ano, demos destaque particular ao Sínodo da Amazônia e ao compromisso da Igreja pela ecologia integral.
Para facilitar, oferecemos aqui a coleção completa, que está guardada no Canal Youtube dos combonianos.
Que seja um 2020 vivido com paixão missionária, na promoção da paz e da justiça!
Dezembro - Natal: em Jesus, Deus nasce na história e culturas
Novembro - Como viver o Sínodo, apesar das fake news na rede
Outubro - Sínodo da Amazônia, Igreja profética com esperança
Setembro - Sínodo da Amazônia, o clamor da terra e dos pobres
Agosto - A Igreja e o futuro da Amazônia e do Brasil
Julho - Por que o pe. Ezequiel Ramin no Sínodo da Amazônia?
Maio - Bolsonaro e o ato de consagração do Brasil a Nossa Senhora
Abril - Oração pela Igreja: pés no chão, coração com os pobres
Março - Quaresma: o que Deus espera? Amor e mudança de vida
Fevereiro - Mudanças climáticas: terra, natureza e vida humana
Janeiro - Paz: direito ou dever?
Neste ano, demos destaque particular ao Sínodo da Amazônia e ao compromisso da Igreja pela ecologia integral.
Para facilitar, oferecemos aqui a coleção completa, que está guardada no Canal Youtube dos combonianos.
Que seja um 2020 vivido com paixão missionária, na promoção da paz e da justiça!
Dezembro - Natal: em Jesus, Deus nasce na história e culturas
Novembro - Como viver o Sínodo, apesar das fake news na rede
Outubro - Sínodo da Amazônia, Igreja profética com esperança
Setembro - Sínodo da Amazônia, o clamor da terra e dos pobres
Agosto - A Igreja e o futuro da Amazônia e do Brasil
Julho - Por que o pe. Ezequiel Ramin no Sínodo da Amazônia?
Maio - Bolsonaro e o ato de consagração do Brasil a Nossa Senhora
Abril - Oração pela Igreja: pés no chão, coração com os pobres
Março - Quaresma: o que Deus espera? Amor e mudança de vida
Fevereiro - Mudanças climáticas: terra, natureza e vida humana
Janeiro - Paz: direito ou dever?
mercoledì 14 agosto 2019
Resistência e profecia na Amazônia
"Para nós, os nomes são importantes. Nossa cidade é chamada
Açailândia, terra do açaí, a fruta amazônica mais cheia de vida. A Mãe
Terra, como todas as mães, nos deu um nome.
Nosso bairro é chamado Piquiá: uma das árvores majestosas da floresta, que não existe mais”.
São trechos de longos diálogos com dona Tida, líder da comunidade de Piquiá de Baixo, vítima dos impactos socioambientais da mineradora Vale e das siderúrgicas, instaladas há mais de trinta anos na Amazônia oriental brasileira.
"Essas empresas destruíram nossa história. Elas trituram nossa memória junto com as escórias de minério, a contaminam com a fumaça de sua poluição", ecoa Joselma, que já esteve na ONU, em Genebra, para denunciar essas violações.
As mulheres de Piquiá têm escrita em sua pele uma história que se encontra, bem semelhante, em várias outras partes da Amazônia. É o conflito entre dois modelos: aquele do saque, extrativismo predatório de empresas e poder público, imposto de fora às comunidades, e aquele da convivência com o bioma, em defesa do território, que é o espaço das raízes de uma comunidade.
Os trens da Vale, que extraem minério de ferro das entranhas da floresta e o exportam para a China e a Europa, arrancam também a história do povo, um grão de cada vez, 200 milhões de toneladas por ano.
Pouco a pouco, tudo se torna igual, nessas intrusões do "progresso" no bioma amazônico: grandes fazendas, monocultura, gado, mineração, imensos corredores de exportação...
O ciclo da natureza é marcado pela semeadura, a espera, a colheita, o agradecimento e a partilha. O caminho da vida é fecundar, gerar, educar, criar, curar e morrer.
Mas o esquema capitalista é fixo, sempre igual, nos domina e nos prende: saquear, produzir, consumir, descartar.
Mesmo assim, Papa Francisco não está desanimado: "Muito! Podem fazer muito. Vocês, os mais humildes, os explorados, os pobres e os excluídos, podem e já fazem muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, em suas mãos, em sua capacidade de se organizarem e promoverem alternativas criativas (...) e em sua participação como protagonistas nos grandes processos de mudança".
No 2º encontro mundial com os movimentos populares, o Papa ressaltou que a história é feita pelos pequenos. São os únicos que conseguem escrever nas entrelinhas, falar outras línguas, imaginar novas gramáticas, preservar a diversidade criativa.
Piquiá confirma isso: há 14 anos vem resistindo em uma luta contra gigantes. A comunidade não se resignou à alternativa diabólica entre o direito ao trabalho ou à saúde.
Disse não, infiltrou-se como um grãozinho na engrenagem dessa economia que mata. Está denunciando essa violência em nível nacional e internacional, exige reparação integral.
Ganhou o direito a um novo bairro, para todos, em uma região livre da poluição. Está construindo uma nova história, sem cortar suas raízes.
Papa Francisco olha para a Amazônia não apenas para preservá-la, como um dos últimos bastiões de resistência ao extermínio da biodiversidade e ao aquecimento global.
Acima de tudo, ele sente que o novo está em gestação na Amazônia, escondido nas percepções dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, na relação integral de suas sociedades com a Mãe Terra. Talvez o Sínodo nos ajude a compreender isso melhor.
Conheça a situação de Piquiá de Baixo em: www.piquiadebaixo.com.br
Este artigo foi publicado em:
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591615-resistencia-e-profecia-na-amazonia
Foto: Marcelo Cruz
Nosso bairro é chamado Piquiá: uma das árvores majestosas da floresta, que não existe mais”.
São trechos de longos diálogos com dona Tida, líder da comunidade de Piquiá de Baixo, vítima dos impactos socioambientais da mineradora Vale e das siderúrgicas, instaladas há mais de trinta anos na Amazônia oriental brasileira.
"Essas empresas destruíram nossa história. Elas trituram nossa memória junto com as escórias de minério, a contaminam com a fumaça de sua poluição", ecoa Joselma, que já esteve na ONU, em Genebra, para denunciar essas violações.
As mulheres de Piquiá têm escrita em sua pele uma história que se encontra, bem semelhante, em várias outras partes da Amazônia. É o conflito entre dois modelos: aquele do saque, extrativismo predatório de empresas e poder público, imposto de fora às comunidades, e aquele da convivência com o bioma, em defesa do território, que é o espaço das raízes de uma comunidade.
Os trens da Vale, que extraem minério de ferro das entranhas da floresta e o exportam para a China e a Europa, arrancam também a história do povo, um grão de cada vez, 200 milhões de toneladas por ano.
Pouco a pouco, tudo se torna igual, nessas intrusões do "progresso" no bioma amazônico: grandes fazendas, monocultura, gado, mineração, imensos corredores de exportação...
O ciclo da natureza é marcado pela semeadura, a espera, a colheita, o agradecimento e a partilha. O caminho da vida é fecundar, gerar, educar, criar, curar e morrer.
Mas o esquema capitalista é fixo, sempre igual, nos domina e nos prende: saquear, produzir, consumir, descartar.
Mesmo assim, Papa Francisco não está desanimado: "Muito! Podem fazer muito. Vocês, os mais humildes, os explorados, os pobres e os excluídos, podem e já fazem muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, em suas mãos, em sua capacidade de se organizarem e promoverem alternativas criativas (...) e em sua participação como protagonistas nos grandes processos de mudança".
No 2º encontro mundial com os movimentos populares, o Papa ressaltou que a história é feita pelos pequenos. São os únicos que conseguem escrever nas entrelinhas, falar outras línguas, imaginar novas gramáticas, preservar a diversidade criativa.
Piquiá confirma isso: há 14 anos vem resistindo em uma luta contra gigantes. A comunidade não se resignou à alternativa diabólica entre o direito ao trabalho ou à saúde.
Disse não, infiltrou-se como um grãozinho na engrenagem dessa economia que mata. Está denunciando essa violência em nível nacional e internacional, exige reparação integral.
Ganhou o direito a um novo bairro, para todos, em uma região livre da poluição. Está construindo uma nova história, sem cortar suas raízes.
Papa Francisco olha para a Amazônia não apenas para preservá-la, como um dos últimos bastiões de resistência ao extermínio da biodiversidade e ao aquecimento global.
Acima de tudo, ele sente que o novo está em gestação na Amazônia, escondido nas percepções dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, na relação integral de suas sociedades com a Mãe Terra. Talvez o Sínodo nos ajude a compreender isso melhor.
Conheça a situação de Piquiá de Baixo em: www.piquiadebaixo.com.br
Este artigo foi publicado em:
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591615-resistencia-e-profecia-na-amazonia
Foto: Marcelo Cruz
domenica 17 marzo 2019
De Suzano à Nova Zelândia: palavra à não violência
"Se alguém te bate na face direita, ofereça a outra". Parece absurdo, e com isso chamam nós cristãos de loucos. Ingênuos e utopistas.
"Neste mundo precisa ser espertos", dizem. "Precisa se defender. Armar-se, proteger-se!"
Os fatos desta semana, desde Suzano à Nova Zelândia, mostram que a loucura está do outro lado.
Em comum, eles têm o culto às armas, o elogio da violência.
O discurso de ódio é triunfante. É o segredo dos atores políticos de hoje, que se afirmaram não em base a suas propostas, mas pela construção de inimigos e a pauta única do enfrentamento.
"Amai vossos inimigos". É outro absurdo: por definição o inimigo é alguém que colocamos fora do círculo de nosso amor.
O que significa, este chamado de Jesus?
Surpreender o inimigo com gestos e atitudes inesperadas.
Se gritar, abaixe a voz: force-o a dialogar com respeito.
Se agredir, responda com firme dignidade não violenta. Sou gente, que nem você!
Antecipe, seja inesperado e surpreendente. Se a relação se congelou, deixe despontar, de graça, um gesto de acolhida, uma pequena atitude de serviço. É incrível o tanto que este primeiro passo pode fazer, para desmontar o agressor.
Se for complicado demais, se a inimizade estiver muito consolidada, exercite-se com a oração, que é o esforço de entrar no coração da outra pessoa, para colocá-la no coração de Deus.
Armar os professores nas escolas? É o caminho da porta larga.
A porta estreita, mais trabalhosa, mas que leva à vida, é outra: escolas menores, menos alunos por sala de aula, visitas periódicas (integrando escola e equipes de saúde e assistência social) às famílias, políticas de inclusão e acolhimento, atendimento direto e constante de situações de violência e abandono social.
Isso é políticas públicas. Que bom que, neste ano, a Igreja nos provoca a refletir sobre isso!
Até Deus tem suas "políticas públicas": Ele faz nascer o sol sobre todos, justos e injustos. Faz chover para todos.
Talvez queira nos dizer que a violência está acontecendo porque, cada vez mais, o sol é para poucos; tomaram posse até da chuva...
Sim, é difícil. Também Jesus, morto na cruz por não responder com violência, pareceu falir. O consideraram um derrotado.
Mas a força de Deus se manifesta na fraqueza. Crucificado por esta "fraqueza", Jesus vive pela potência de Deus.
O caminho da não violência, que parece louco e absurdo, é o único para que a vida vença!
"Neste mundo precisa ser espertos", dizem. "Precisa se defender. Armar-se, proteger-se!"
Os fatos desta semana, desde Suzano à Nova Zelândia, mostram que a loucura está do outro lado.
Em comum, eles têm o culto às armas, o elogio da violência.
O discurso de ódio é triunfante. É o segredo dos atores políticos de hoje, que se afirmaram não em base a suas propostas, mas pela construção de inimigos e a pauta única do enfrentamento.
"Amai vossos inimigos". É outro absurdo: por definição o inimigo é alguém que colocamos fora do círculo de nosso amor.
O que significa, este chamado de Jesus?
Surpreender o inimigo com gestos e atitudes inesperadas.
Se gritar, abaixe a voz: force-o a dialogar com respeito.
Se agredir, responda com firme dignidade não violenta. Sou gente, que nem você!
Antecipe, seja inesperado e surpreendente. Se a relação se congelou, deixe despontar, de graça, um gesto de acolhida, uma pequena atitude de serviço. É incrível o tanto que este primeiro passo pode fazer, para desmontar o agressor.
Se for complicado demais, se a inimizade estiver muito consolidada, exercite-se com a oração, que é o esforço de entrar no coração da outra pessoa, para colocá-la no coração de Deus.
Armar os professores nas escolas? É o caminho da porta larga.
A porta estreita, mais trabalhosa, mas que leva à vida, é outra: escolas menores, menos alunos por sala de aula, visitas periódicas (integrando escola e equipes de saúde e assistência social) às famílias, políticas de inclusão e acolhimento, atendimento direto e constante de situações de violência e abandono social.
Isso é políticas públicas. Que bom que, neste ano, a Igreja nos provoca a refletir sobre isso!
Até Deus tem suas "políticas públicas": Ele faz nascer o sol sobre todos, justos e injustos. Faz chover para todos.
Talvez queira nos dizer que a violência está acontecendo porque, cada vez mais, o sol é para poucos; tomaram posse até da chuva...
Sim, é difícil. Também Jesus, morto na cruz por não responder com violência, pareceu falir. O consideraram um derrotado.
Mas a força de Deus se manifesta na fraqueza. Crucificado por esta "fraqueza", Jesus vive pela potência de Deus.
O caminho da não violência, que parece louco e absurdo, é o único para que a vida vença!
sabato 16 febbraio 2019
Reflexões sobre o crime da Vale em Brumadinho
IHU On-Line – O Brasil soma mais de 70 regiões com conflitos relacionados à mineração. Como rede Igrejas e Mineração tem acompanhado os conflitos entre mineradoras e populações locais no Brasil e na América Latina? O que tem sido feito?
A rede Igrejas e Mineração, em estreita colaboração com o Grupo de Trabalho da CNBB sobre Mineração, está completando um mapeamento de todos os empreendimentos minerários no País, destacando aqueles onde há conflitos com as comunidades locais. Estamos identificando mais de 70 dioceses ou prelazias do Brasil onde existem conflitos por mineração. É um dado alarmante, que abre ainda mais os olhos da Igreja sobre sua missão de defesa da vida e da Criação.
Por isso, estamos oferecendo assessoria a bispos, sacerdotes, religiosas-os e cristãos leigos e leigas em diversos territórios. Em novembro de 2018, convocamos um “Encontro das comunidades atingidas por mineração em diálogo com a Igreja no norte e nordeste”. Foi na comunidade de Piquiá (MA), internacionalmente conhecida pelas violações de direito que sofre e pela resistência que soube articular, abrindo novos caminhos de libertação.
No ano passado, a rede Igrejas e Mineração promoveu também um seminário internacional de reflexão e debate sobre ecoteologia e mineração. Aproximou-se às comunidades atingidas por mineração em Paracatu (MG) e somou-se ao acompanhamento delas.
Já atuávamos, a partir de outras articulações, em Brumadinho (MG). Desde aquele trágico 25 de janeiro, estamos no município, presentes ao lado das famílias, em suporte à igreja local.
A Igreja está presente e frequentemente tem raízes profundas na vida do povo; conhece seu sofrimento e, em vários casos, tem tomado posições corajosas e claras em denúncia das violações da mineração, reivindicando direitos, proteção, reparação integral dos danos e respeito da vida.
A recente Carta Pastoral da Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM), “Discípulos missionários guardiões da casa comum”, aprofunda entre outros temas os desafios e as contradições da mineração, apontando para a missão da Igreja nestes contextos. A Carta foi escrita com a colaboração da rede Igrejas e Mineração, que está contribuindo também para sua divulgação em América Latina.
A partir deste importante subsídio, e considerando a urgência e gravidade dos conflitos no Brasil, estamos tentando organizar um encontro dos bispos de dioceses em conflito com a mineração.
Assim, nossa missão é estar próximos aos atingidos-as, formar consciência crítica, assessorar as igrejas, revelar a insustentabilidade do modelo extrativo.
Recentemente, começamos a aprofundar também a dimensão financeira da economia mineira. Além do valor do minério extraído e comercializado, uma das fontes de maior lucro das mineradoras é o mercado financeiro, que responde a regras diferentes e desvinculadas das operações com a matéria prima.
Por exemplo, entre o crime ambiental de Mariana (2015) e aquele de Brumadinho (2019), em pouco mais de três anos, o valor de mercado da Vale mais que triplicou, chegando a quase 290 bilhões de reais. A empresa teve lucro líquido de 42 bilhões. Mesmo assim, entre 2015 e 2016, reduziu do 44% seus investimentos em ações de saúde e segurança.
Indignados por esta lógica de obediência aos mercados financeiros, através da rede Igrejas e Mineração estamos lançando uma campanha de desinvestimento de dinheiro dos capitais das mineradoras.
IHU On-Line – A tragédia humana e ambiental de Brumadinho, em Minas Gerais, não chega a ser uma surpresa, afinal não faltaram alertas dos riscos. Entretanto, o que significa o episódio em termos sociais e ambientais?
Há evidências que tanto a empresa Vale S.A. como o Estado tinham informações sobre o perigo da barragem da mina Córrego do Feijão desmoronar.
Por isso, chamamos este evento de crime, para o qual exigimos rápida responsabilização dos atores envolvidos, sendo processados criminalmente. Mariana nos ensinou que a impunidade consolida o crime.
A Articulação Internacional das Atingidas e Atingidos pela Vale também fez duas denúncias à Comissão de Valores Mobiliários, solicitando a destituição da inteira diretoria da empresa.
Os mitos da mineração sustentável, da tecnologia de ponta capaz de prevenir qualquer tipo de incidente, da responsabilidade sócio-ambiental das grandes mineradoras, derreteram-se em poucos minutos, em Brumadinho.
A Vale e muitas empresas investem muito para alimentar estes mitos. Bastante dinheiro foi destinado à propaganda, e também (até quando foi legalmente possível) ao financiamento de partidos e candidatos.
As comunidades, entidades e movimentos sociais que criticam estes mitos são constantemente hostilizadas, deslegitimadas e até caluniadas, espionadas ou perseguidas judicialmente. As comunidades sentem-se inescutadas e desrespeitadas.
Mas estes mitos, que encheram a boca das mineradoras, desmoronaram em cima da vida de centenas de pessoas, e estão ainda rolando, rio abaixo, contaminando inteiras bacias.
Os crimes da Samarco e da Vale ensinam também que há uma aliança silenciosa entre empresas de mineração e Estado. As companhias extrativas precisam do aval do Estado para se instalarem e operarem, muitas vezes ignorando ou banalizando o processo de consulta e consentimento prévio, livre e informado das comunidades. O Estado precisa da mineração porque continua apostando nisso, aparentemente como uma das atividades de mais “seguro” e rápido desenvolvimento.
Mais que criticar a “indústria de multas do Ibama”, em nossa opinião, o Governo deveria perseguir a fábrica de licenças ambientais aceleradas, suspender o processo de flexibilização das leis ambientais, reverter o desmonte das instituições públicas voltadas à defesa e promoção dos direitos sócio-ambientais.
Ao contrário, quem vem sendo atacadas são exatamente as organizações empenhadas na defesa do meio ambiente e, mais recentemente, até a própria Igreja Católica, que há muito tempo está acompanhando as vítimas da injustiça ambiental, com a liberdade da vocação que lhe vem do Evangelho.
Não podemos esquecer, enfim, que o grito de Mariana e Brumadinho não é isolado. Há muita violência que está acontecendo gota a gota, no silêncio e na invisibilidade das periferias, que são as “zonas de sacrifício” do capitalismo. Há barragens que matam sem desmoronar, pela contaminação de bário em Araxá (MG), ou de arsênio em Paracatu (MG), por exemplo.
O trem de minério da Vale no corredor de Carajás continua a atropelar e matar animais e pessoas (foram 47 pessoas mortas e mais de 100 feridos, nos últimos 15 anos); uma reportagem da Agência Pública, recentemente, demonstrou que a empresa avalia se atender a demanda por segurança da população não tanto em base ao perigo real, mas pelo cálculo de cenários que avaliam, entre outros elementos, o dano à imagem da empresa, em caso aconteçam acidentes.
IHU On-Line – Quais são as engrenagens políticas que colocam em funcionamento a máquina de moer o meio ambiente, os animais e as pessoas?
Há tempo, o Comitê em Defesa dos Territórios frente à Mineração documenta as dimensões e os interesses da “bancada da mineração” no Parlamento brasileiro. Apesar de muitas críticas da sociedade civil organizada, dos sindicatos e dos ambientalistas, o Governo Temer aprovou com uma sequência de decretos, entre 2017 e 2018, o novo Marco Legal da Mineração, com o objetivo de “contribuir para a atratividade do setor, imprimindo maior transparência, agilidade e segurança jurídica ao setor mineral brasileiro”.
O passo seguinte pode ser a flexibilização da legislação sobre mineração em faixa de fronteira. O novo presidente eleito e seu Governo têm interesses para liberar a mineração em terras indígenas. As mineradoras já registraram pedidos de pesquisa e exploração para um quarto das terras indígenas da Amazônia Legal (território correspondente à dimensão dos estados e SP e RJ).
Assim, em lugar de buscar a diversificação e transições econômicas que nos liberem da dependência do modelo extrativo, o Brasil mostra querer investir ainda mais nesta pauta, que não podemos mais definir produtiva, mas destrutiva!
Há uma engrenagem interessante, que em jargão é definida “as portas giratórias da mineração”. As companhias mineradoras, através de sua influência econômica, conseguem instalar no Governo seus representantes; em paralelo, empregam quadros ligados à burocracia do Estado. O jogo está feito: os interesses de ambos estão garantidos, e as grandes empresas conseguem, desta maneira, controlar, além do Congresso, também o governo e a Agência Nacional de Mineração. Nos últimos quatro anos, por exemplo, todo o segundo escalão do Ministério de Minas e Energias estava controlado pela Vale.
IHU On-Line – Como a sociedade civil tem se organizado para combater o lobby das mineradoras, madeireiros, agropecuaristas e empresas interessadas na exploração hidrelétrica?
Estamos tentando entrelaçar estratégias complementares; existem diversas redes e entidades que atuam em defesa das comunidades, na denúncia das violações de direitos e dos interesses elitistas do lobby das grandes empresas extrativas.
Nos territórios, há movimentos e pastorais sociais empenhadas ao lado dos atingidos-as. Eu, por exemplo, atuo há onze anos junto à rede Justiça nos Trilhos, empenhada no Corredor de Carajás, que recebeu recentemente o prêmio internacional “Direitos humanos e empresas”, na ONU em Genebra.
Uma menção de honra é para o trabalho corajoso, fiel e competente que há muitos anos desenvolvem a Comissão Pastoral pela Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Há, depois, entidades e redes que estudam e denunciam as “ligações perigosas” entre poder econômico e político: entre elas, destaco o Comitê em Defesa dos Territórios frente à Mineração. Neste campo, precisa resgatar a transparência, a defesa e promoção dos bens comuns, características de uma política de grande respiro: “a política não deve submeter-se à econo¬mia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pensan¬do no bem comum, hoje precisamos imperiosa¬mente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana” (LS 189).
A Igreja Católica, desde 2017, criou o Grupo de Trabalho sobre Mineração, em assessoria à CNBB: há um trabalho urgente e permanente de conscientização, para que as dioceses e paróquias tenham argumentos e orientações a partir dos quais tomar posição ao lado das vítimas, em conflitos provocados pela mineração.
A Rede Eclesial Panamazônica (REPAM) atua junto a numerosas comunidades na Amazônia, escutando o grito, às vezes desesperado, de comunidades ameaçadas ou atingidas pelo extrativismo. Constata-se que os principais atores que ameaçam a Amazônia e os outros biomas do País são corporações de capital internacional, ou empresas nacionais que exportam quase por inteiro sua produção, contribuindo ao processo de reprimarização da economia nacional, a benefício dos clientes estrangeiros.
IHU On-Line – De que ordem são os desafios de sensibilizar a população para a necessidade de uma transição que vise um modelo econômico pós-extrativista?
A Carta Pastoral da Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM) define extrativismo como “uma tendência desenfreada do sistema econômico de converter os bens da natureza em capital”. Papa Francisco alerta, de muitas formas, para a urgência de por um limite a esta tendência: “o que interessa é extrair o máximo possível das coisas por im¬posição da mão humana (...) Passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia. Isto supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a «espremê-lo» até ao limite e para além do mesmo” (LS 106).
O pós-extrativismo é um modelo de política macroeconômica que busca uma mudança radical no sistema de produção e consumo. Propõe e organiza transições, de um modelo saqueador dos recursos para um modelo pautado na economia local, na produção de bens duráveis, na diminuição do consumo, no desenvolvimento de uma noção de limites de produção e na reutilização de recursos. Pretende, assim, delimitar a mineração ao essencial, e reduzir também a circulação das matérias primas através do globo inteiro.
Resgata a produção ligada ao território, e, com isso, a valorização das raízes e da sabedoria dos povos. Visa recuperar as relações regionais entre países, redimensionando o modelo exportador, a partir da satisfação das necessidades econômicas mais imediatas.
Dialoga com o modelo de decrescimento, que também a encíclica Laudato Si propõe como a alternativa mais eficaz para desmontar o capitalismo, “economia que mata”, como frequentemente lembra o Papa. “A espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco. É um regresso à simplicidade que nos permite parar a saborear as pequenas coisas, agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem entriste¬cermos por aquilo que não possuímos. Isto exige evitar a dinâmica do domínio e da mera acumu¬lação de prazeres” (LS 222).
Sendo o extrativismo um sistema que chega a sugar energias e vidas da Criação inteira, o pós-extrativismo é uma opção profética, que requer também o cultivo de uma espiritualidade profunda, capaz de resgatar a essência das coisas e das relações.
IHU On-Line – Em entrevista ao Roda Viva, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles afirmou que Chico Mendes “é irrelevante”. O que a postura ilustra sobre a pauta ambiental do atual governo?
As vítimas são irrelevantes para este sistema.
Tem uma página da exortação apostólica Evangelii Gaudium que é muito forte: “O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lan¬çar fora. Assim teve início a cultura do «descar¬tável», que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a ex¬clusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à so¬ciedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são «explorados», mas re¬síduos, «sobras»” (EG 53).
Assim, os seringueiros são considerados irrelevantes, os quilombolas descartáveis, os indígenas sobras a serem integradas. Mas a morte de cada vítima, quando se faz memória, mobiliza as pessoas, consolida a indignação, unifica as reivindicações, exige justiça.
Podem-se barganhar os interesses de quem especula com o meio ambiente, pode-se resistir por um tempo nos equilíbrios precários do poder, mas a dignidade das vítimas, seu legado e seu apelo à resistência são permanentes, e não se contaminam por estas poucas palavras sem relevo.
Fonte: IHU Online, 13 de fevereiro de 2019
http://www.ihu.unisinos.br/586643-brumadinho-a-avalanche-de-impunidade-que-consolida-o-crime-e-mata-inocentes-entrevista-especial-com-dario-bossi
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