Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

giovedì 8 aprile 2010

Atingidos pela Vale

A sapucaia é uma árvore cuja castanha, quando estiver madura, destampa e deixa cair no chão suas sementes, prontas para germinar.

Debaixo de um pé de sapucaia a caravana internacional dos atingidos pela Vale encontra o povo do ‘Bairro da Paz’, uma das muitas ocupações de Marabá-PA. Milhares de famílias instaladas numa desordem total: chegaram em busca de trabalho, na ‘cidade do desenvolvimento industrial’, mas encontraram poucas perspectivas. Como a sapucaia, ao longo da conversa tira-se a tampa do silêncio e da adaptação resignada: as pessoas narram suas histórias e assim jogam pequenas sementes para um futuro diferente.

Na sombra dessa árvore acompanhamos as pessoas que passam, a pé ou de bicicleta. Somos atravessados pelo povo que anda e percebemos a densidade de vida no bairro: 2.246 famílias, muitas delas vivendo ainda em barracos e caminhando por ruas cheias de barro.

O ciclo de mineração e siderurgia desestrutura a base produtiva do povo e expulsa as pessoas de seu chão. O mínimo, nesses casos, seria oferecer melhores condições de existência e moradia a quem de repente fica arrancado de sua terra. Ao contrário: desenraizadas e deslocadas, as pessoas encontram-se amassadas em áreas violentas, sem acesso à educação e com baixa qualidade de vida. Ao seu redor, cada vez mais gente chega em busca da sorte (dizem que nos próximos anos Marabá aumentará do 50%!).
Aumenta a prostituição, diminui o emprego conforme as etapas do projeto (muitos trabalhadores para construir o empreendimento, bem menos quando começa a produção... e os desempregados ficam na região).

Atingidos pela Vale: percebe-se que são bem mais daquilo que aparece!

Mais uma vez tecem-se laços de partilha entre a caravana e o povo: cada membro em visita tira da bagagem de sua experiência comparações, conselhos, propostas.
Fernando, do Moçambique, comenta que na sua terra as casas que a Vale construiu para os desalojados por mineração são ainda piores! Feitas em três dias (!) por pedreiros capacitados em 45 dias (!).
Luís, advogado da causa popular no Peru, incentiva o povo a não desanimar: nenhum despejo pode tirar quem ocupou a terra sem violência, em boa fé e por necessidade.

Logo antes, pela manhã, o seminário entre a caravana e as lideranças locais tinha sido extremamente rico. Os participantes tinham descrito vários tipos de conflitos: a luta pela terra e a expulsão das famílias camponesas, o impacto ambiental da mineração, o inchaço das cidades ‘em desenvolvimento’, a discriminação contra os trabalhadores lesionados e ‘inúteis’, as próprias artimanhas da Vale em cooptar lideranças e aliciar o povo.

Amadurecem estratégias e selam-se alianças: fruto de um cultivo de rede que vem de longe, o movimento parece cada vez mais integrado.
Há quem sente necessárias ações diretas de denúncia e tem quem já trabalha na formação popular e na conscientização a respeito do racismo ambiental, promovendo seminários e pesquisas nos povoados.
Há comunidades que já buscam a integração através de Fórum locais ou redes de articulação regional, primeiro e segundo passo rumo ao processo de consulta popular que os peruanos nos descreveram.
Sente-se o desafio de recolher as informações e colocá-las a disposição de todos/as em espaços de acesso comum (sites ou redes de comunicação).
Permanece, enfim, a relação importante mas às vezes inconsistente com o Ministério Público, interlocutor essencial para a fiscalização das empresas e, em casos desesperados, para as necessárias ações indenizatórias, individuais e coletivas.

A sapucaia ‘destampou’ e as sementinhas estão jogadas no chão. A caravana avança mais um passo, em busca de novas terras e cultivos.

Por que choras?

Há povos que se movem pela sobrevivência, empresas que se deslocam pelo lucro. Nós, caravana dos atingidos pela Vale, percorremos a região norte do País movidos pelo choro do povo e da natureza.

Em Barcarena-Vila do Conde, região industrial e grande porto de exportação do Pará, encontramos várias comunidades e pessoas chorando. A Vale tem vários empreendimentos lá: Alunorte, Alubrás, Pará Pigmentos e um projeto de nova termoelétrica.

As comunidades não tem vergonha de lamentar, na frente de amigos de outros países, sua precariedade em situações de despejo, extrema poluição, falta de perspectivas. Com um abraço manifesta-se a solidariedade dos companheiros do Chile, Peru, Canadá, Ceará, Rio, Pará e Maranhão. Os moçambicanos comentam: “Em nossa região, pelos despejos que a Vale está provocando, o povo está começando a odiar os brasileiros. Mas, vendo estas suas lágrimas, entendemos que é a empresa quem merece nosso repudio!”

Na terra dos cabanos, todos percebem que a luta dos antepassados não foi em vão, mas continua firme e precisa de muita articulação.

“Eu sou um matuto do campo”, diz Alexandre, representante da comunidade indígena Anacé-CE. “Eu choro quando escuto camponeses querendo deixar suas terras. Morre nossa alma e nossa história. Essas firmas estão arrancando nossas raízes. Estou com medo que isso aconteça comigo também, lá em Pecém: estão levantando de uma vez, ao nosso redor, uma siderúrgica, uma termelétrica e uma refinaria!”

Uma vereadora poucos dias antes tinha falado às claras: “Sentimos muito por esses pequenos grupos, mas o interesse da gente é maior, está com as empresas”.
E a caravana vai, em busca de uma política inclusiva. “Nós não somos contra as empresas -diz o povo- mas elas não podem acabar com a gente!”

Luís, advogado peruano, sonha a olhos abertos: em vários povoados, lá no Peru, tiveram processos de consulta popular. Assim como o povo escolhe seus representantes políticos, pôde escolher seu futuro. 90% defenderam, para suas regiões, a agricultura familiar.
Os governos deveriam garantir autoridade e poder a essas formas de autodeterminação popular. De que maneira os povos atingidos ou ameaçados pela cadeia minero-siderúrgica podem participar à construção do futuro em suas terras? Serão um dia protagonistas dos planos de investimentos em seus territórios?

A caravana deixa Barcarena com essas perguntas na cabeça e com o choro do povo nas entranhas. Nos olhos, porém, o brilho da esperança e da organização.
“Nossa luta para os próximos três anos é continuar animando a rede de 250 associações que se articulam no enfrentamento das empresas. Estamos construindo o Fórum de Políticas Públicas de Barcarena, onde sentem juntos representantes populares, da administração pública e das empresas. Agora que o dano está posto e não tem como voltar atrás, pelo menos precisamos reconhecer o povo como ator principal de seu futuro.
Buscamos gerenciar um Fundo Social para o desenvolvimento popular de Barcarena”.

A viagem continua rumo Marabá e o debate no ônibus se esquenta entre os 30 membros da caravana: dialogamos sobre Fundo de Desenvolvimento, Análise de Equidade Ambiental, luta paralelas no Moçambique e no Canadá, formação sindical... a caminhada é longa, mas o laboratório de alternativas está posto e a caravana vai fazendo fermentar modelos e perspectivas diferentes: um outro desenvolvimento é possível!

martedì 9 marzo 2010

Três círculos para a vida

(leitura do evangelho de Jo 8, 1ss)

Naquela manhã, no pátio do templo de Jerusalém, tinha três círculos.

O primeiro, bem cedinho, formou-se quando Jesus sentou-se no meio e começou a ensinar. O mestre tinha passado a noite no monte das oliveiras, pressentindo o que ia acontecer com ele, confirmando sua escolha de doar a vida até o fim.
Ao seu redor, juntou-se o povo no círculo de quem sabe de não saber, precisa atingir à água da sabedoria de Deus, à sua luz, dispondo-se à escuta permanente da Palavra e à aprendizagem constante da vida. Como é bonito, ao amanhecer de cada dia, voltar a formar esse círculo, humildemente, para depois sair e doar também a vida aos outros!

Logo, porém, forma-se o segundo círculo. Escribas e fariseus levam no meio do templo, numa gritaria violenta, uma mulher adúltera. A lei ordenava de conduzi-los ambos, homem e mulher, à porta da cidade para o julgamento. Cadê o homem? Cadê a lei?
Não é a justiça o que escribas e fariseus procuram. Querem provocar o mestre, desejam eliminá-lo e não fazem questão, se necessário, de eliminar também a mulher, pobre instrumento das acusações deles. É o círculo da lei violentada, nem mais fiel às prescrições de Moisés: homens influentes da época tinham convertido essa lei num sistema de garantias para seu poder machista e arrogante.
Como desfazer esse círculo sufocante e opressor? É a pergunta de muitos, hoje também: sentimo-nos cercados por uma injustiça institucionalizada, uma lei que já não defende mais o ser humano. Percebemo-nos até cúmplices, às vezes, desse sistema; perfeitamente integrados no círculo dos justos, que ainda acha de condenar com razão os que não se incluírem nele.
Jesus não utiliza muitas palavras, aliás, provoca com seu silêncio. Olhando para o chão, talvez desafie cada um a olhar dentro de si. Pela insistência deles, lança uma provocação pessoal: deixe falar sua consciência, esqueça do barulho e da coesão de quem se acha certo e interrogue sua vida. Desmonte a rigidez de suas convicções, deixe cair da mão as pedras que até agora o faziam sentir forte, desmanche as leis injustas sobre as quais se funda seu poder.
Talvez Jesus no chão desenhasse a derrota do machismo dentro das consciências e das relações sociais... talvez outras leis violentas também poderiam cair pelo mesmo profundo apelo à nossa consciência e humanidade (agora, mais do que nunca, a lei que garante a acumulação da propriedade privada)...

Os acusadores vão-se embora, silenciosamente, cada um olhando para o chão de suas vidas. E no pátio fica o terceiro círculo, pedras em volta de uma mulher sozinha e livre.
A acusação caiu, no meio do templo nasce uma nova vida para essa mulher que errou mas não encontra condenação. As pedras em círculo parecem proteger essa vida que brota; o próprio Jesus levanta-se para encontrá-la, confirmá-la e enviá-la.
Esse terceiro círculo, pedras de uma nova lei que tocou as consciências, é para lembrar-nos que a lei não é feita para os poderosos acusarem e condenarem os pobres; ao contrário, deve ser barreira e proteção, amparo ao redor da vida das vítimas.

mercoledì 17 febbraio 2010

Quaresma: o que NÃO fazer?

Assim chegou mais uma quaresma...
De certa forma, é até fácil prefixar e delimitar o tempo da quaresma, decidindo em que momento do ano vai chegar e quanto vai demorar.
Até conseguimos colocá-la na moldura do carnaval e das festas da Páscoa, adoçando assim o sabor amargo desse tempo ‘enxuto’.
A quaresma é caminho ritual de escuta interior, num clima austero de deserto.
Esse ritmo na vida da gente é importante, ajuda a afastar-se da correria e da folia das muitas coisas.

Mas a quaresma verdadeira, aquela mais concreta que pega na carne da gente, é bem outra coisa: tempo de fome, vazio interior, drama e escuridão da existência, quando não enxergamos saídas e desejamos ardentemente ressurreição e luz.
Por exemplo, esse domingo 21 de fevereiro, primeiro de quaresma, é também 25º aniversário da morte (por crucifixão!) dos camponeses de Xeatzan, vítimas da perseguição na Guatemala.
E nesse tempo do ano experimentamos com ainda mais rigor, nas periferias do Brasil, as conseqüências da crise: agora o auxílio desemprego terminou, por muitos ex-trabalhadores!
Até a própria natureza está atravessando um seu tempo de quaresma, condenada à penitência pela humanidade gananciosa, que já declarou sua condenação à morte.

Esses (e muitos outros) são os desertos reais da vida, que nos deixam sem respostas, apavorados, numa espera urgente e difícil por ressurreição.
È preciso acolher também essas etapas da vida, pois a Palavra nos garante que elas têm um término, um limite além do qual encontraremos de novo a luz e que alcançaremos de mãos dadas com Jesus, irmão e companheiro dos sofredores.
É possível, ainda hoje, passar da morte à vida, da violência a um equilíbrio renovado entre todas as criaturas.

O evangelho desse domingo nos diz como NÃO funciona. Caberá depois ao resto da quaresma indicar caminhos eficazes de restauração da esperança.
Como não devemos preparar a Páscoa? Com o estilo consagrado pelos poderosos (o próprio diabo é considerado pelo evangelho como o dono do poder).

Há alguns instrumentos que desde sempre iludiram as massas e que Jesus rejeita definitivamente:

- transformar as pedras em pão.
Dedicamos esse versículo a uma das operadoras mais famosas dessa façanha: a Vale do Rio Doce. A mineradora (segunda mais poderosa do mundo) proclama acima de todos os telhados sua missão milagrosa, que fará ressuscitar o povo amazônida e nordestino.
Pena que as pedras preciosas extraídas de nossa terra se tornam pão quase exclusivamente para os acionistas e administradores dos níveis mais altos. Há pão em abundância, mas para poucos: isso não é Páscoa.

- conseguir o poder no meio do bloco carnavalesco dos políticos atuais.
Nesse ano eleitoral, como fazer ressuscitar a política, enquanto muitos ‘diabos’ ainda aspiram aos lugares mais altos, se prostram e se vendem aceitando qualquer condição?
Mais do que dentro dos partidos, precisamos urgentemente preparar a Páscoa com um controle social bem organizado e a participação responsável: ressuscite a honestidade!

- fazer da religião um espaço de milagres.
Até a igreja pode ‘satanizar-se’, se cair na tentação de buscar os milagres e a visibilidade, que ilude as pessoas e conquista as massas com rituais exteriores e eventos chamativos.
Que bonito, ao contrário, preparar a Páscoa a cada ano através do itinerário exigente e comprometido da Campanha da Fraternidade! Não se trata somente de uma coleta: é diálogo corajoso com a sociedade, enfrentando juntos as contradições e compondo o mosaico do Reino de Deus na terra! Quantas comunidades fazem da CF seu itinerário de vida e compromisso ao longo do ano inteiro?

Nosso mundo atravessa uma quaresma difícil e globalizada: crise econômica, ecológica e ética. Os quarenta dias de oração, reflexão e compromisso que se abrem nos ajudem a buscar, com Deus e os irmãos/as de boa vontade, saídas rumo à ressurreição.

sabato 6 febbraio 2010

Ekoinonia: cuidar de nossa casa

Koinonia em grego significa comunhão.
Também “Economia” e “Ecologia” são palavras de origem grega: respectivamente “dar regras à casa” e “estudar a casa”. Há uma grande diferença, porém, entre quem considera essa casa ‘sua’, particular e egoisticamente, ou ‘nossa’, existente antes de nós, recebida em dono com o pedido de devolvê-la aos outros em mesmas ou melhores condições. É importante, então, insistir sobre essa pertença coletiva: eis a palavra “Ekoinonia”, que poderia significar “nossa casa comum”, à qual devemos cuidado e dedicação.

Ao abrirmos uma Campanha da Fraternidade sobre economia, escrevemos esse artigo desde uma realidade ecologicamente muito impactada por um modelo econômico violento: a região amazônica do oeste do Maranhão.
Gostaríamos de oferecer algumas pinceladas a respeito da estreita ligação entre economia e ecologia, buscar algumas referências evangélicas e apresentar pequenos ensaios para a gestação de novos modelos.

Injustiça econômica e injustiça ecológica

A maior injustiça econômica, ainda evidente em muitos contextos do mundo e do Brasil, é o distanciamento progressivo entre os ricos e os pobres, a conhecida ‘tesoura’ da disparidade, que vai se abrindo como diz o evangelho: “Há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós” (Lc 16,26). O ciclo de injustiça sócio-ambiental começa com a concentração de renda e das terras; a falta de oportunidades gera condições indignas de trabalho e migrações desregradas. Em conseqüência disso, os ‘grandes’ e os ‘pequenos’ aproximam-se ao meio ambiente com sua ganância ou extrema necessidade; paradoxalmente, assim, ambos agridem a criação sem medida nem planejamento. A terra não é mais percebida como ‘nosso chão’, mas como esponja a ser sugada o máximo possível e depois abandonada, rumo a novas frentes de exploração.

Isto aparece com clara evidência na cidade em que vivemos, Açailândia, oeste do Maranhão. Nossa região ainda pertence ao bioma amazônico, mas nada mais hoje lembra que aqui, até 30 anos atrás, era floresta. Houve uma rápida sucessão de ciclos econômicos desgastantes e desregrados: o ciclo da madeira nobre, das serrarias, do carvão, da pastagem e da siderurgia, da monocultura do eucalipto. Em três décadas, uma revolução econômica e ecológica comprometeu quase definitivamente um território que por milênios tinha hospedado a maior fonte de biodiversidade do mundo. Em toda nossa região pré-amazônica, o arco de desmatamento caminha rápida e inexoravelmente rumo ao norte.

A regra básica subentendida por essas violações é a negação do espaço: essa economia ‘joga as pessoas fora de casa’. É óbvio, portanto, que cada vez menos pessoas possam dizer ‘essa casa nos pertence, vamos cuidar dela’.
Ao contrário, grandes maiorias acabam vivendo à margem da vida econômica, invisíveis porque não produzem nem consomem, afastados de seus territórios de origem pela privação do espaço que tentamos descrever. Em nossa visão, essas massas de migrantes excluídos de suas terras engrossam as filas dos ‘prófugos ambientais’ em busca de um novo chão e novos equilíbrios de vida.
Compreendemos assim a profecia das palavras evangélicas que resgatam o tema da ‘ekoinonia’: “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fosse assim, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós”. (Jo 14,2). A preocupação constante de Jesus é devolver às pessoas seu espaço vital, uma moradia “assim na terra como no céu”, cuidando da casa comum.

Crise econômica e crise ecológica: a noção de limite

O ano de 2009 trouxe dois sinais críticos: o desmoronamento da economia global e a falência do encontro de Copenhagen sobre as mudanças climáticas. Dois cataclismos simultâneos: o esgotamento do sistema econômico e o esgotamento dos recursos naturais.
Em poucos meses, percebemos com bastante evidência que esse modelo de ‘desenvolvimento’ não pode continuar assim. Apesar disso, parece que a oligarquia ao poder entenda somente replicar o mesmo modelo: “O desenvolvimento está em crise? A única saída é incentivar o crescimento”. Esse refrão constante chega a negar a noção de limite.

Em campo econômico os países ricos exportam a produção em regiões onde o custo do trabalho é menor e incentivam o consumo injetando recursos públicos nos sistemas em crise.
Em campo ecológico assistimos à mesma negação do limite, pela busca e abertura de novas fronteiras de exploração, a revisão dos limites de reserva legal, o desrespeito das condicionantes nos licenciamentos ambientais (cada vez mais numerosos, rápidos, com estudos de impacto ambiental preparados em poucas semanas), os novos projetos de mineração e produção de energia...

Para garantir sua riqueza contra o assédio dos pobres, muitos países devem erguer muros de defesa e separação. Ao mesmo tempo, porém, para manter esse patamar os ricos precisam abater outros muros, que a própria natureza coloca para se defender do assédio dos homens.
Admitimos a importância de nos proteger e colocar limites para outros não sugarem nossas riquezas, mas não aceitamos esses mesmos limites impostos à ganância de quem suga a natureza.
Quanto é evidente a correspondência entre concentração de renda e constante expansão da violência social e ambiental!

Os caminhos da ekoinonia

A Bíblia aponta à noção de “Jubileu”, um ano sagrado em que se juntam os valores do descanso e da redistribuição.
“O sétimo ano será um sábado, um descanso absoluto para a terra, um sábado em honra do Senhor: não semearás teu campo nem podarás tua vinha. (...) O que a terra der durante o ano de descanso servirá de alimento a ti, teu servo, tua serva, teu empregado e ao agregado que moram contigo” (Lv 25,3s).
Há uma incrível e fascinante correspondência: o tempo sagrado de Deus é ditado pelos ponteiros da economia e da ecologia, da distribuição dos bens e do respeito da terra!
Com razão o papa Bento denuncia que a atual crise global é expressão de uma bem mais profunda crise ética: está em discussão o inteiro modelo de desenvolvimento, o perigo da vida entendida como contínuo e irresponsável crescimento individual.

É urgente repensar o mundo à medida da profecia jubilar, que coloca limites e dá direções éticas ao desenvolvimento. As palavras-chave para declinar isto na história são “sobriedade” (equilíbrio com tudo que co-existe conosco) e “descentralização” (devolução do espaço e das oportunidades aos pequenos).
É possível através disso efetivar uma verdadeira “reciclagem da riqueza”: não mais voltada para o consumo, mas para a geração do bem comum. O próximo passo da evolução da espécie humana, portanto, será aquele da economia de acumulação à economia do dono.

Em nossa cidade de Açailândia e em toda a região de Carajás estamos tecendo redes de ação e propostas econômicas nesse estilo. Em parceria com outros movimentos, fazemos experiência da assim chamada “blue-green alliance”: sindicatos e movimentos ambientalistas finalmente unidos frente à Vale do Rio Doce, em busca de um sistema de trabalho, produção e relação com a natureza realmente sustentáveis. Objetivo é forçar a empresa a uma revisão dos parâmetros de investimento e lucro, onde sejam contempladas variáveis novas na avaliação de conveniência de cada empreendimento: não mais o lucro acima de tudo, mas a aplicação do paradigma de ekoinonia, para uma ‘nossa casa comum’ à medida do sonho de Deus.

martedì 2 febbraio 2010

Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro

“Que bonito seu trabalho de pastoral! Quanto você ganha por isso?”
Muitas de nossas lideranças já escutaram essa pergunta. Parece difícil entender, por parte do povo, que a gente vive e se compromete na igreja por paixão e com gratuidade!
O voluntariado, as pessoas que se doam para os outros vão em contra da ‘cultura’ de hoje, onde aprendemos que tudo mede-se pelo dinheiro.
É verdade, muitos de nós encontram-se em situações econômicas difíceis, precisam integrar a receita familiar com um ou outro ‘bico’ por aí... mesmo assim, muitas vezes são exatamente os mais pobres que mais se disponibilizam a servir, simplesmente por amor!
Esse é talvez o maior sinal profético da igreja hoje: as comunidades estão sendo sustentadas por pessoas que doam seu tempo, suas energias, seu dinheiro... de graça!
Estamos dizendo, assim, que é possível uma sociedade onde o dinheiro não seja a medida mais importante. Demonstramos com a vida, pelo menos em parte, aquela Palavra do livro de Atos 2,44: “Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um”.

A Campanha da Fraternidade de 2010 tem exatamente esse tema: “Economia e vida”.
Além de nos fortalecer na esperança de um mundo novo em construção, denuncia a violência de uma economia que muitas vezes exclui.
O sonho de Deus é um banquete farto e gostoso ao qual todos tenham acesso, mas a economia de hoje fecha muitas portas para essa mesa da comunhão: “Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho e que fazia diariamente brilhantes festins. Um pobre, chamado Lázaro, jazia coberto de úlceras no pórtico de sua casa” (Lc 16).
Esse contraste é forte em Açailândia: somos a segunda economia do Estado, mas muitas famílias da cidade e do interior sobrevivem à beira da miséria e os serviços básicos como saúde e qualidade na educação são extremamente carentes.
Há dois pecados mortais em Açailândia, dos quais cada um deverá prestar conta a Deus: a acumulação de riqueza e o roubo de dinheiro público.
O paradoxo maior é visível no Piquiá de Baixo: debaixo da ponte do 'Banho dos Quarenta' encostam-se uma na outra três centenas de barracas e casas pobres, que respiram poluição e poeira; por cima passa o trem da Vale, rápido e carregado de riqueza que não fica para nós: até 50 milhões de R$ a cada dia!
É tempo de escrever novas páginas de evangelho também na economia de Açailândia:
- tempo de despertar novas formas de voluntariado em nossas comunidades
- tempo de fortalecer o dízimo, não como cobrança para a igreja enriquecer, mas como exemplo de uma comunidade que partilha de verdade
- tempo de assumir as ações da campanha Justiça nos Trilhos, que visa uma maior redistribuição de riqueza das multinacionais
- tempo de perguntar-se de onde vem a riqueza de Açailândia, quanto ela é justa e honesta e como pode-se colocar realmente a serviço do bem comum.
Bom trabalho e boa quaresma de conversão a todos nós!

giovedì 17 dicembre 2009

A beleza do Advento

A beleza do advento está na espera, na tensão viva rumo a algo que está por vir; a vida não depende de nós para chegar, mas a nós cabe reconhecê-la e apostar nela, para que não passe despercebida e talvez nunca mais volte.

Os evangelhos do advento focam bem essa tarefa: vigilância, atitude, compromisso, tempo de arrumar nossa casa para que Deus se sinta a vontade e permaneça conosco.
Esse último domingo antes do Natal convoca duas mulheres, expertas na espera da vida, para nos deixar as últimas dicas.
De Maria e Isabel aprendemos três lições: caminhar, encontrar-se e admirar.

Caminhar: Maria caminha às pressas para visitar Isabel, assim como nosso povo nordestino gosta muito de caminhar e se visitar. Como é bonito andar nas ruas em busca do outro! E como é bonito ficar em casa esperando e sabendo que alguém está vindo te visitar!
Foi a experiência das últimas missões populares no interior: o dia todo andando debaixo do sol, com o desafio de não deixar nenhuma casa sem visita. Assim se repete a cada dia, a cada ano, a fecundação de esperança em nosso povo.
No caminho de Maria reflete-se também o caminho de dona Rosa: ela a cada mês percorre 13 Km para participar dos encontros de nossos grupos de direitos humanos. Dona Rosa perdeu uma filha de 13 anos, atropelada pelo trem de minério, que corre por cima dos direitos do povo à beira da ferrovia. A romaria por justiça de dona Rosa está semeando vigor e confiança no resto do povo: para reconhecer a vida que vem, é preciso de teimosia.

Encontrar-se: deve ter sido um vazio, misto de medo e confusão, a empurrar Maria para visitar logo Isabel. Hoje também nosso povo confuso e enfraquecido precisa muito de encontrar-se.
No começo parece ser um esforço contra corrente, mas quem supera a resistência do isolamento e individualismo sente o gosto e a beleza do encontro. Ao longo do ano, nosso povo encontrou-se nas casas muitas vezes para rezar e partilhar a Palavra de Deus, em pequenos e simples círculos bíblicos. Repetiu, nas Judéias de hoje, a irrupção do Espírito Santo nas casas das pessoas mais simples.

Admirar é deixar-se surpreender pela beleza inesperada e escondida que de repente descobrimos nos fatos da vida; é qualidade das crianças, para as quais tudo é novo e especial. Assim, a criança no ventre de Isabel pula de alegria e nos convida a reconhecer simples, cotidianos sinais de esperança. Quando junto ao povo tentamos resgatar os maiores sinais dignos de admiração, muitos apontam à resistência dos pequenos. Selma é um exemplo disso: lutadora por semanas em busca de um seu direito (a hemodiálise gratuita), ao limite físico da sobrevivência, juntou um grupo de mulheres ao seu redor. Quem cozinhava para ela, quem lavava as roupas... e quem brigava em nome dela com os serviços públicos ensurdecidos e indiferentes.
A resistência das mulheres venceu a hipocrisia de nosso sistema municipal de saúde: será Natal também para Selma, será Natal porque ainda crianças e sonhos pulam no ventre dos pequenos, que caminham, se visitam e aquecem a esperança!