Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
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@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

sabato 22 agosto 2015

Para não engavetar o Papa



Há duas maneiras para neutralizar a profecia e a esperança que Papa Francisco está nos transmitindo: engaveta-lo ou afastá-lo em cima de um palco.

A potência da encíclica Laudato Sí poderia apagar-se rapidamente, depois de alguns artigos nos jornais e alguns debates em nossas paróquias. Nossos amigos mais comprometidos na causa socioambiental em outros países latino-americanos, como Equador, Colômbia ou Peru, queixam-se pelo desinteresse de setores importantes da igreja institucional, que já engavetou o texto, para que não incomode demais.
Parece que Francisco previsse isso, se consideramos a insistência com que, na encíclica, oferece “um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira em que estamos construindo o futuro do planeta”, “para buscar juntos caminhos de libertação”. Laudato Sí deveria repartir-se como pão cotidiano nas mesas de nossas comunidades e famílias, nos bancos de nossas escolas e universidades, nas rodas de debates em nossos bairros e nos grupos de rua de nossas igrejas...

Em outros casos, consciente ou inconscientemente, a força da mensagem de Francisco é afastada, fora do alcance da vida cotidiana: muitas pessoas fazem dele um profeta, que fala em nome de todos e representa o que todos esperam. Mas ficam mesmo esperando, não se mobilizam para uma mudança que envolva todos os níveis da igreja e deixam ele sozinho no palco do cenário internacional. É por isso, acreditamos, que Francisco lembra continuamente que seu tempo “não durará muito”: para evitar mecanismos de projeção, que desresponsabilizam.
“Aos problemas sociais se responde (...) com redes comunitárias”, provoca o Papa (LS 219). 
No discurso aos movimentos sociais em Bolívia faz um apelo a todos, especialmente aos mais frágeis e excluídos, para um compromisso coletivo: “O que pode fazer aquele estudante, aquele jovem, aquele militante, aquele missionário que atravessa as favelas e os paradeiros com o coração cheio de sonhos, mas quase sem soluções (...)? Muito! Podeis fazer muito. Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e os excluídos, podeis e deveis fazer muito. Me atrevo a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, em vossas mãos, em vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas (...) e em vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudança, nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!”

Como missionários nos comprometemos nisso! Está claro para nós que esse é “o momento favorável, o dia da salvação” (2 Cor 6,2) e nos inserimos no grande fluxo de vida e esperança que brota de Francisco, remando também nós contra a correnteza do atual modelo de consumo e do assim chamado “desenvolvimento”.

Uma primeira escolha de nosso grupo missionário no Brasil foi unificar o compromisso a respeito de duas de nossas prioridades: a evangelização entendida como serviço aos povos indígenas e como promoção da justiça socioambiental. Assumimos a nova prioridade “Evangelização e Amazônia”. Compreendemos cada vez mais, de fato, que tudo está “intimamente relacionado” (LS 137) e que, na lógica da ecologia integral, nos cabe promover a vida, defender as culturas e os territórios ao lado das comunidades que neles vivem, e assim encontrar Deus junto com elas.
Identificamos com clareza cada vez maior a defesa da vida na Amazônia como uma de nossas prioridades e como uma urgência para o mundo. 
Francisco declarou: “A Amazônia é um teste decisivo e um banco de prova para a Igreja e a humanidade”. O ano passado, as Igrejas dos nove países que se debruçam sobre a Panamazônia instituíram a Rede Eclesial Panamazónica (REPAM), que acolheu profundamente esse desafio, com a contribuição apaixonada de nós missionários, unificando as diversas formas de serviço e compromisso que há muitos anos os cristãos assumem nessa região.

Para ser ainda mais práticos, nós combonianos escolhemos alguns contextos paradigmáticos, a fim de avançar com maior radicalidade e eficácia no “cuidado da casa comum”. Um deles é a causa da comunidade de Piquiá de Baixo (Açailândia-MA), verdadeira zona de sacrifício, afetada pela poluição siderúrgica e em luta por seu reassentamento coletivo, pela indenização dos danos sofridos, a responsabilização de Estado e empresas e a mitigação dos impactos sobre toda a população.

Há oito anos estamos nos comprometendo também na denúncia das graves violações de direitos humanos por causa das empresas de mineração na Amazônia oriental, em especial a Vale S.A. ao longo do Corredor de Carajás. Recentemente, num encontro organizado no Vaticano com comunidades de 18 países do mundo, afetadas pela mineração, o papa escreveu: “Na Encíclica Laudato Sí eu quis fazer um apelo urgente pela colaboração no cuidado de nossa casa comum, para contrastar as dramáticas consequências da degradação ambiental nas vidas dos pobres e excluídos, e avançar para o desenvolvimento integral, inclusivo e sustentável (cf. n. 13). Todo o setor da mineração é, sem dúvida, chamado a fazer uma mudança radical de paradigma para melhorar a situação em muitos países”.

Seja louvado, nosso Senhor, por Papa Francisco e pelas muitas pessoas que, escondidas, doam sua vida em defesa da vida! “Continuem com sua luta – diz Francisco – e, por favor, cuidem bem da Mãe Terra”.